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A FORMAÇÃO
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Reitor CAALOS HENIlIQUE DE BIlITO CRUZ
Coordenador Geral da Universidade Jost TADEU JORGE Pr6 ..Reitor de E.xtemãoe RuaEN'
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GONTlIO - LUlz DAVLDOVICH
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Capítuio 7 AUTOR DEFUNTO
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o que é um autor
suposto?
Comecemos por um exemplo curioso do procedimento de in. trodução do autor suposto e das conseqüências que arrastapara a figura do autor efetivo; .The narra tive of Arthur Gordon Pym ofNantucket, de Edgar Allan P<;Je.O romance abre com um pref*cio assinado pelo próprio Arthur Gordon Pym, que nele conta a história do livro nos seguintes termos: regressado aos Estados Unidos depois de uma série de aventuras, Gordon Pym foi instigado por diversas pessoas a escrever o relato das suas viagens, que não estava disposto a fazer por diversos motivos, o principal dos quais consistia no receio de a maior parte dos leitores tomar como descarada mentira a narrativa de acontecimentos tão fantásticos; surge então o sr. Edgar Poe, que se dispõe a contar em seu nome, como se de ficção se tratasse, as aventuras de Arthur Pym, baseando-se naturalmente no relato que este lhe fizera. Mas o inesperado sobrevém: os leitores recusam-se a aceitar como ficção o relato assinado por Poe. "Disto concluí", escreve Gordon Pyrn no prefácio, "que os fatos da minha narrativa mostraram-se capazes de conter em si as provas da própria autenticidade, não tendo eu, portanto, nmito a recear da possível incredulidade do público" (Poe, 1838, pp. 4-5).O sr. Poe é despedido do
135
trabalho de escriba, e o herói das aventuras retoma o relato onde ele o deixara, tendo o cuidado de esclarecer que o leitor notará devidamente onde acaba o texto de um e começa o outro, uma vez que, diz, "a diferença em matéria de estilo percebe-se perfeitamente" (poe, op. cit., p. 5). Donde resulta que o estilo de Poe não afetou o efeito decisivo: a narrativa escrita por Poe não anulava as marcas de autenticidade já presentes na narrativa que ouvira de Pym. Assim, o processo convencional aparece claramente invertido: não é a figurado autor suposto que, apoiado na experiência do que viveu, afirma a autenticidade do que se conta, mas a mesma narrativa que se revela capaz de impor a própria autenticidade, sem garantias prévias e até com indicação manifesta de que se tratava de ficção. Pode entender-se tudo isto corno um processo de conjurar a inverossimilhança. Mas está em jogo muito mais.
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Está em jogo, desde logo, uma ifuagem de narrativa e de relação narratIve entre ~arrativa of Arthur e narrador Gordonque nãouffif s\ ~sgota ~o que caso sesingular The Pym: narrativa reporta de a uma eXperiência prévia, podendo transmitir-se de narrador em narrador sem perder a autenticidade. E está em jogo; em conseqüência, a imagem do estilo como suplemento ornamental incapaz de lesar a autenticidade, porque incapaz de dissolver as marcas da presença dessa experiência prévia. Essa dupla imagem constitui a primeira ficção, a ficção inaugural do romance, a qual, ao mesmo tempo que o integra numa tradição de narrativa (a narrativa de experiências, com o seu tipo de narrador, aquele que viajou, anterior ao gênero romanesco e diferente dele), caracteriza quer a natureza da narrativa que vai ler-se,quer o tipo de narrador a que pertence Gordon Pym (aquele que não precisa de um estilo apurado, que sabe que "mesmo que o meu livro estivesse mal escrito, a sua extravagância, se acaso a tivesse, seria a melhor forma de ser aceito como verdade" (Poe, op. cit., p. 4)). Resta saber, todavia, se uma tal imagem não é incompatível com a inscrição de Gordon Pym na posição de autor, isto é, se a sua constituição em autor não o afasta do tipo de narrado r a que reclama pertencer. De fato, podemos notar que tudo isto arrasta um efeito paradoxal sobre a condição do autor: se a narrativa gera a própria imagem de . narrador, se as caracteristicas de estilo não lhe afetam a autenticidade, então, do ponto de vista da recepção da narrativa enquanto narrativa 136
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autêntica, será indiferente saber quem assina o texto que a transmite. E é basicamente isto que Goroon Pym aprende com o começo da publicação em nome de Poe. Por que, então, retómá-Ia em seu nome? Porque a inscrição do nome enquanto nome de autor não é indiferente do ponto de vista da fônna de apresentapo da narrativa. O nome de Poe está ligado a uma forma de apresentação da narrativa como ficção - "para que fossem [os primeiros capítulos) certamente encarados como ficção, o nome do sr. Poe foi inscrito junto deles no sumário da revista" (ibidem) -, ao passo que o nome de Gordon Pym ficaria ligado a um modo de apresentação da narrativa eTemesmo autêntico, isto é, em que não se atribuiria ao relato o herói fornece um complemento de autenticidade, anulando a falha que a sagac~dadedos leitores detectou: a narrativa autêntica é apresentada como uma natureza diversa da "genuína". Ao retomar a narração que em seu nome~ narrativa autêntica - por outra narrativa. E compreende-se o complemento de autenticidade a exigiria sempre, porque o gesto essencial de Gordon Pym consiste em singularizar a origem da narrativa, anunciando que as aventuras foram vividas por alguém chamado Gordon Pym, depois contadas por alguém chamado Gordon Pym, uma coisa e outra anunciada e garantida por alguém chamado Gordon Pyrn: se a narrativa gera, por si própria, uma imagem de narrador, que não é uma imagem individual, mas um conjunto de traços por ela fornecidos, Gordon Pym esforça-se por inculcar a idéia de que ele, e apenas ele, é portador desses traços. E é esse esforço de reivindicação da paternidade, de apresentação de si mesmo como causa primeira, como origem e garante da narrativa, que faz de Gordon Pyrn um autor. Com a conseqüência inelutável de transformar a narrativa num acontecimento singularizado: é a narrativa de alguém, alguém que, por isso, nela inscreve o seu nome próprio, ou seja, que a assina. Nessa medida, o complemento de <).utenticidade representa, de fato, um perturbador suplemento de autenticidade. Gordon Pym arrasta para a narrativa qualquer coisa que lá não estava, a singularidade da narração imposta em seu nome e pelo seu nome, e então perde sem remédio a possibilidade de a narrativa provar suficientemente, por si própria, a sua autenticidade: torna-se narrativa que se diz 'narrativa que contém em si própria as provas da sua autenticidade". Assim, o romance abre-se dizendo que vai propor-nos uma narrativa que se basta na demonstração da sua autenticidade, mas, pela mesma operação, mostra 137
que a autenticidade de uma narrativa ou se aceita ou se inculca, por ser . uma dimensão suplementar e não uma presença inerente e irremoYÍvel.
uma nota final, que é tanto a explicitação da inconclusão da narrativa
Ii
Compreende-se, então, que o que essencialmente se decide neste prefácio é menos a autenticidade da narrativa do que a inscrição do' nome de autor, Ou, se se quiser, a estratégia de neutralização da inverossimilhança desenvolve-se através da diferença entre os nomes - o nome de Poe e o nome do seu herói e autor suposto -, colocada como objeto da ficção que inaugura o romance. Gordon Pym não se constitui autor
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p~blico leitor saibaa que ~oi_eledeque, es~eveu o re1at~ da~ aventuras ~ue Y1veu,reclamando condlçao ongér; ou causa prImeIra da narrativa, afirmando-se o garante da sua autenticidade. Origem e garante: é b que faz de alguém um autor, mesmo que através da ficção, isto é, mesmo que saibamos que a figura em causa não é origem e garante senão ficcionaImente. Mas, ainda que na ficção, a operação continua a mesma: a inscrição do nome próprio como assinatura do texto. É isso, de resto, que faz do motivo do autor suposto um processo de escIareçimento romanesco da condição do autor. Só a partir desta operação - a assinatura - ele poderá dizer:
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138
Pym apresentar-se como Setivesse despedido Poe da tarefa de escrever o relato de suas viagens. Sabemos mais, é claro. Sabemos, desde logo, porque isso é válido para Poe como para Gordon Pym, que Poe se constitui autor ao assumir a responsabilidade da forma de apresentação da narrativa de Pym: a qual consiste, desde logo, na enunciação do título (que diz, recorde-se, que a narrativa é de Gordon Pym) e, depois, na passagem da palavra a Pym, para que apresente a narrativa de maneira tal que o que dela diz seja desmentido pela maneira como o diz e pelas condições em que o diz. Sabemos também que é isso que transforma uma narradelimitando uma proveniência, definindo Uma paternidade e \lma propriedade -, de, a partir dessa origem, pressupor uma finalidade, numa palavra, a possibilidade de singularizar a destinação narrativa recortiva em romance: a possibilidade de lhe designar uma da origem SingUlar_}
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se!!!E!emais uma narrativa. Exc~de-a desde o início, porgue o inau( rendo a um que nome próprio. E sabemos.> por isso, que um romance guE a ficção que a apresenta destinando-a ao leitor c narrativ
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Depois deste exposé, ver-se-álogo quanto do que segue reclama como resultado da minha escrita; e perceber-se-átambém que nenhum fato foi alterado nas poucas primeiras páginas escritaspelo sr. Poe. Mesmo para os leitoresque não as leramno Messcnger, é desnecessárioindicar onde acaba a parte dele e começa a minha: a diferença em matéria de estilo percebe-seperfeitamente. (Poe, op. cit., p. 5.)
\ por isso, que a ficção se encerre incompleta, e que seja preciso um terceiro, ,ª"gora anônimo, para, na seqüência da morte de Gordon Pym, escrever
o nome de
Poe na capa, sabemos que Gordon Pym é, na verdade, uma invenção de Poe, que se apresenta como se não se apresentasse, deixando Gordon
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para o público leitor o relato das aventpras que viveu, que quer que o
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Assim, lendo o prefácio depois de ter encontrado
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como narrador dessas aventuras, mas apenas por assumir a paternidade da narrativa e a responsabilidade da sua forma de apresentação: em seu .[suposto por terassim vividoumasnovo aventuras viveu, nemque sequer aparecer nome. Adquire traço que de identidade nem apor experiência das aventuras nem a narrativa lhe garantiam: torna-se aquele que escr~ve
dizer que, de certo ponto em diante, quem escreve não é Poe, mas ele, Gordon Exposição Pym. O autor suposto despede o autorGordon efetivo.Pym Nãoacaba espanta, exemplar do autor suposto: por .
escrita pelo punho de Gordon Pym como a notícia da reCUsade Poe ePl continuá-Ia. E como sabemos que Gordon Pym é um autor suposto? Apenas devido ao fato de o nome de Edgar Allan Poe não ter sido efetivamente removido. E o nome de Poe, di-Io Gordon Pym, garante o estatuto ficcÍonal de uma narrativa. .
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singular de um autor singular. Decide-se nessa destinação o lugar o autor: e o autor suposto é, então, uma ficção com o inegável e apreciável mérito de conduzir o leitor a interrogar o estatuto do autor, impedindo
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tor suposto constitui um procedimento que transporta a figura do autor para o interior da ficção sem o retirar totalmente do exterior da ficção: que funcione valor Por que outras palavras, a figura edoexige au-3 torna-o visível com nUma linhaassumido. de fronteira delimita o romance do leitor uma decisão interpretativa.
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Retenhamos, depois disto e por agora, ao menos uma distinção elementar: tal como o romance não é simplesmente uma narrativa, o autor supost~o é simplesmente ';m narra~emos começar ~a . -----'"
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139
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entender a diferença notando que a figura do autor suposto é especificamente romanesca, enquanto o mesmo obviamente não acontece com
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ce à narrativa que situa o problema em te~s que ajudam a esclarecer o narrador. que está aqui em causa. em No Walter famosoBenjamin ensaio sobre narradordo- romanque é, Encontramos uma ooposição --.:-----:. para ele, como se sabe, fundamentalmente o narrado r tradicional, ou
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o::;QtadQ[ de histórias C!l2.azesde se transmitirem ~ tradiªo -, Be~jamin afirma que o aparecimento do romance é um dos fenômenos que conduz à morte da narrativa:
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contos de fada,lendas e mesmo novelas - é que nem procede da tradilOque o romance as outras formas de narrativa. prosas ção oraldistingue nem a alimenta. Nissode se todas distingue especialmenteda O narradora que retira p que ele conta: a sua própria experiênciaou lhedafoiexperiência transmitid~.E o que eleconta toma-seexperiência para quem o ouve. O roma .Cista mantém-se distante. A ori em do,.!.omanceé o indivíduo isola ~, que já ~lar exe~rmente sobre as suas preocu a ões mais importa ar ue não recebe conselhos nem sabe dá·los. creve! um romance significa fi r em ~ma vida-:tüdo o Que não tem medida ~~enjamin,
1936, p. 201.)
o que daqui se pode
retirar, para o que por agora nos interessa,
nome e na personagem, autor suposto e narrador serão sempre duas entidades estruturalmente inconfundíveis, já que este se coilStttul na ~ cantir uma expenêncÍa md1Vldual, enquanto aquele surge para, pela ficção, proclamar a narrativa dessa experiência romanescamente interessante. Assim, compreende-se que, no processo interminável do fingimento, o autor suposto tem disponível a possibilidade perversa de apresentar a sua narrativa como se fosse a narrativa de outro: numa palavra, a possibilidade de fazer com outro o que o autor efetivo fez com ele. Resta saber, todavia, se esse processo não implica uma desfiguração irremediável do próprio autor suposto. Vamos encontrar esses problemas num caso complexo de recurso ao motivo do autor suposto - Esaú eJacó, de Machado de Assis -::..-Q..... ~t~_rá retomar QJ.~.!ren0Sl-ue-nosiuteressa,m:m~w~:a.p'~r-_ ceber até que ponto o autor suposto arrasta, já por si, uma desfiguração irremediá~l do auto~~----_· ------
2 Uma "advertência" inicial, assumidamente da responsabilidade de um "editor", indica-nos que a narrativa que vamos ler foi de fato escrita por um certo conselheiro Aires:
é que a narrativa tradicional se transmitia numa modalidade de apresenta-
ção que se mantinha intacta, de tal forma que proveniência e finalid~ garantiam um sentido ao ato da narração: dar conselhos e ouvir conselhos, 90S termos de Benjamin. O romance-;em multiplicar as formas de apre-
sentação com a ambição de definir, por seus próprios meios e como se fosse a primeira vez, o sentido com que oferece a sua narrativa: singulariza a sua destinação e nesse processo, que dispensa um espaço próprio no corpo do romance, podendo permanecer implícito, instala os seus narradores. A diversidade romanesca dos narradores é, nesse sentido, solidária ao projeto que retira o interesse do romance da vocação para contar o que não tem medida comum (sem que isso signifique, como teremos oportunidade de discutir a propósito de Brás Cubas, que essa singularização da experiência arraste necessariamente a perda da dimensão exemplar da narrativa). Em conseqüência, ainda que coincidindo no 140
Quando o conselheiro Aires faleceu, acharam-se-Ihe na secretária sete cadernos manuscritos, rijamente encapados em papelão. Cada um dos primeiros seis tinha o seu número de ordem, por algarismos romanos, 1, II, I1I, Iv, V, VI, escritos a tirita encarnada. O sétimo trazia este título: Último. A razão desta designação especial não se compreendeu então nem depois. (Oe; vaI. 1, p. 946.) O "editor" anuncia deste módo urna falta decisiva, já que respeita ao próprio título do caderno, e ainda mais significativa quando se sabe da diferença que separava·o último caderno dos restantes seis: Sim, era o último dos sete cadernos, com a particularidade de ser o mais grosso, mas não fazia parte do MemoriaJ, diário de lembranças 141
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que o conselheiro escrevia desde muitos anos e erá a matéria dos seis. Não trazia a mesma .ordem de datas, com indicação da hora e do minuto, como usava neles. Era uma narrativa; e, posto figure aqui o próprio Aires, com o seu nome e título de conselho, e, por alusão, algumas aventuras, nem assim deixava de ser a-narrativa estranha à matéria dos seis cadernos. Úldmo por quê? (Ibidem.)
a uma enunciação em primeira pessoa e, simultaneamente, outro, onisciente, em 3a pessoa. As digressões e observações sobre o texto vão por conta do primeiro e a narração por conta do segundo" (Brayner, 1979, p. 80). Não se vê, no entanto, como sustentar semelhante partilha de papéis: o~e está o narrado r em "3a pe~soa"? E como conceber um narrador que, afinal, não narra, apenas divaga e profere observações sobre o texto? Eis um exemplo enf que não se pode deixar de seguir ~&oth.-@ando assegura gue dizer de uma -história que ela é -------_.,~...... .....-.;.-
Assim, o Memoria/ e a narrativa são dois produtos distintos do engenho do conselheiro, mas, se nó primeiro o seu estatuto fica claro, no segundo as coisas complicam-se: não se sabe o que Aires pretendia com ele, e fures está morto, nada pode esclarecer. Acresce uma dificuldade suplementar: no corpo da narrativa, em momento algum fures aparece para falar dela no seu todo, dizendo o sentido da composição ou o
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coplª,4~a..PJimeira ou na terceira. pess.o.a_nã~_~osconcede ~~_nhum í~ação inw,ortanre (cf. Booth, 1961b, p. 272), negligenclâii -diga-se de passagem, o fato de que, em rigor, não exist~arrativa senão rlaPrimeira pessoa. Mas aqui, em Esaú eJaeó, que semelhança se pod estabelecer entre o narrado r que diz "eu" e o narrador que diz "eu" em
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destino que lhe projetava, coisa que, para um autor suposto, nada teria de anormal, como
já
vimos com Gorfon
Pym. Aires aparece, é certo,
Casmurro é o próprio Dom Casmurro, há tanta razão para pensar qu aquele que diz "eu" em Esaú eJacó é o conselheiro Aires, como para Se QuinC3sque Borba ou em Casmurra diz "eu" em Do~m. pensar o "eu" de Dom Qpincas Borba éSeo aquele próprioqueMachado de Assi apenas a razão persistente mas insustentável, da forma mais grosseira, ou mais ingênua, de identificação, a que leva o leitor a supor que é o autor quem fala sempre güe o romance não instala um narrador definido por traços individualizadores. Assim, deveremos entender a presença do conselheiro Aires de outra forma: em Esaú e lacó, o romance reprod~,
cúmulo, mas bem um diferentemente, "memorÍal", figura onde co:ne! faztcliversas personagem: anotações, que mantém, sem que parao Memorial que compunha os seis primeiros cadernos abrigasse, por sua vez e a fazer fé no "editor" (que o Memorial não está ainda publicado), qualquer referência à narrativa. Em suma, o conselheiro Aires não é o narrador. O narrador, este resulta de uma escolha que, em si mesma, se reconhece e aceita sem dificuldade de maior: fures simplesmente escolheu uma modalidade de narração que o afasta do lugar e da função de narrador. Os problemas e os equívocos começi1m, porém, quando se verifica que essa modalidade retórica consiste, afinal, no chamado "nar"radar na primeira pessoa": um narrador que diz "eu", que trata o conselheiro Aires como um "ele", que divaga, comenta, interpela o leitor, em suma, como diria Augusto M~er, um narrador em que parece estar ~vo o espírito e o estilo de Brás Cubas. Ora, justamente porque nos aparece ,um narrador que diz "eu" depois da "adVertência" que institui fures como autor suposto, se não se tiver presente a necessária distinção entre autor suposto e narrador, esta situação torna-se incompreensível,
\
o que acontece, por exemplo, com .s-.ô.,~~ªBtawr, que sustenta a respeito ou Esaú gera equívocos, que podem mais arguto. É de éJaeÓ". "QIanto a Bsaúmacular .eJaeó, ohádiscurso mesmo crítico um desdobramento na flgura do narrador, um conselheiro Aires pseudo-autor, identificado
útiÍizado em Qpincas Borba. Não há como poupar a leitura ao confrontoficção com cf!?.. umaautor duplasuposto, ficção: ao que conta de a história d;s dois processo constituição dQ gêmeos narrad~~~ pela de Flora, naturalmente, amas ainda, dessao econselheuo ao mesmo Alres tempoco~/ que \ essa, acomp'@hando-a, ficção que antes apresenta romancist~.
.~,
I
Ora, é justamente porque fures começa por aparecer na qualidade de romancista que o problema da relaçã'o entre o Memoriaf e a narrativa se levanta e subsiste sem resolução: a escolha de um narrador que não se identifica com Aire.s é o primeiro e mais importante indicador de que a narrativa se distingue dos primeiros seis cadernos - trata-se de uma . escolha do próprio fures, que se justifica por uma opção mais vasta, opção pelo romance, que, por sua vez, apenas o próprio Aires poderá apresentar. Ora, a opção pelo romance não é, nos termos da "adver-
o,"
142
143
~~
tência", questão ociosa, porque vários elementos concorrem para relacionar a narrativa com os seis . cadernos anteriores: desde logo, a presença de Aires como personagem, depois, o fato de essa personagem também manter um "memorial", mas principalmente o título Oltimo: afinal. a própria questão da razão de ser do título, que ocupa o grosso da «advertência", resume-se ao problema da opção romanesca de Aires.
Ignora-se, porém, até onde vai essa falta. porque a escolha de um título diferente, em conjunção com a natureza do escrito, sugere que a narrativa está disponível para uma situação de autonomia relativamente aos restantes cadernos. Tudo se passa como se fures tivesse abandonado a narrativa à sua sorte, qu como se a morte de A1resviesse deixar a narra-
"Último" aparece remetendo para os seis cadernos anteriores, ou essa idéia é apenas sugerida pela circunstância ocasional de o caderno se
h~es sua sorte. Empiricamente morto na qualidade morto, nadequalidade romancist~,;9Ç! de,J/ tiva abandonadaestáà estruturalmente
encontrar junto dos outros, caso em que o sentido de "último" se deveria . procurar exclusivamente na narrativa? Este conjunto de interrogações incide sobre a unidade global da escrita do conselheiro e emerge exigindo· as marcas da decisão de fures. Aires, porém, está morto,. nada pode acrescentar ao texto que deixou escrito: e o texto que deixou escrito, para o. "editor", não. transmite qu~lqu"r decisãr' ~orque subsiste como narratIva - e narrativa em que Aires e /Suposto nao ser autor. ,,~ " de, em nome A primeira conseqüência dest~ situação está na impossibilidade &J\V do conselheiro Aires, equacionar a relação entre os sete cadernos, ou seja, a impossibilidade de estabelecer a relação entre os dois tipos de cadernos fundada no nome próprio do seu autor. Mas a narrativa tem, mesmo nas circunstâncias descritas, a possibilidade de construir, por seus próprios meios, a figura do seu destinador, de se libertar da relação com os outrOs textos assinados por Aires, adquirindo, em suma, uma existência autônoma, que é, como se compreende, o que justifica a sua plJblicação separada do Memorial Daí que apenas a narrativa se publique, e daí que o título seja alterado. Assim, poder-se-á defender que o sentido da opção romanesca do pseudo-romancista se dá a ler ao longo da narrativa, e provavelmente não temos outro caminho, se qu.isermos compreender o alcance estratégico da sua instalação como autor suposto: só que, e nisso reside o aspecto crucial para o que agora nos interessa, qualquer decisão nesse campo pertence à esfera de risco do leitor, que em momento algum encontra quem quer que lha legitime. Falta precisamente uma instância legitimadora, que apareça perante o leitor com autoridade para dizer o sentido da forma com que se apresenta a narrativa: mas falta calculadamente, ou melhor, essa instância legitimadora está delimitada - é o conselheiro Aires enquantoromancista -. mas delimitada pela "advertência" como instância em falta. 144
eafinal, esta última condição se descobrisse qu~,J não tinha morrido,permaneceria mas apenas mesmo mudara gue de identidafk..adotand<0 o pseudônimo Machado de Assis. Fosse por decisão, fosse por acaso, a --
"""?
--
m~ fures deixou a narrativa entregue a si mesma, isto é, disponível para se tornar diferente de si mesma.I Mas, nos termos da "advertência", não é possível ultrapassar essa figura de Aires morto: é o seu legado que persiste por interpretar. Percebe-se a dificuldade na posição do "editor"; não tem outro caminho senão publicar a narrativa legitimada por uma opção que não pode fundar em fures. Com a "advertência", reapresenta a narrativa. A "advertência", porém, funciona como suplemento que recusa graduar-se em complemento: longe de se organizar para suprir plenamente a falta original, não renuncia ao risco de a sublinhar, delimitando com clareza o espaço da falha. Altera o título, mas dá notícia do enigmático título . original; liberta a narrativa da origem chamada Aires, mas, pela mesmíssima operação, preserva-a, designando Airescomo origem material do escrito, origem irremovíve1 e, aO mesmo tempo, inacessível, incapaz, . portanto, tor" sublinha de funcionar que Aires assinou como garante de fatodoa sua texto. 'narrativa Numa no palavra, preciso o "edi-1 mo-) mento em que inscreveu o título Último. Daí que a procura do sentido da opção romanesca de fures se apresente como forma de delimitar o sentido com que o nome de Aires aparece a assinar a narrativa: será sempre a opção romanesca de Aires, nunca a do "editor"> mas será sempre também uma opção construída pelo leitor e atribuída a Aires pelo próprio processo da construção - sem garantia ou sequer probabilidade de coincidência harmoniosa com a presumível opção de Aires. Não há lugar para a figura do "autor implicado", nos termos em que a define Booth, porque está vedado, desde a origem, o caminho para o que Booth chama "a leitura ideal" (cE Booth, 19613, p. 153). Verifica-se uma inversão 145
do processo de autorização, porque agora é a necessidade de singularizar a destinação da narrativa que obriga a reconfigurar o nome de Aires: e então, Aires, ao abandonar a narrativa à sua sorte ou ao ser obrigado pela morte a abandonar a narrativa à sua sorte, abandonou de fato o seu nome, entregando-o aos acidentes de uma destinação indeterminada. Abandono, de resto, tão irremediável como anômalo, porque ó nome de Aires, sem deixar de designar a sua presença no texto, fica disponível para receber as figurações construídas pelo leitor, constituindo-se conjunto aberto de possibilidades que a origem não permite controlar. E é esse preço que Aires paga voluntária ou involuntariamente pela inscrição do seu nome próprio enquanto nome de autor. o sentido do seu nome dependerá sempre da leitura do texto que assina. Se se quiser, adotando uma formulação que poderá ter alguma utilidade nas próximas
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páginas, o seu nome designa~á, :~quant~ no~e de autor, um morto e o seu legado, sem assegurar a viabIlIdade de acesso entre um e outro: bem diferentemente, opera a disjunção que o) separa do mesmo passo que os mantém unidos. .
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3 Alinhemos agora três tipos de considerações que nos permitirão delimitar os traços decisivos do procedimento do autor suposto, con· firmando e completando o que já concluíramos através do exemplo de Gordon Pym.
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Neste ponto, não se
a) A indicação do nome próprio do autor realiza a função decisiva na delimitação do respectivo estatuto: a assinatura. Ora a assinatura tem eficácia paradoxal: por um lado, o nome de autor designa uma origem, anterior ao texto e idêntica a si própria - e nessa medida institui a responsabilidade de destinação da narrativa como responsabilidade irremovíve1 e intransmissível; por outro lado e na mesma operação, o nome de autor, ao inscrever-se como garante da unidade e da singularidade ~o texto, é afetado por uma potencialidade de sentido, assume significações que a origem não pode calcular e tampouco controlar - e nessa medida define a responsabilidade de destinação da narrativa como 146
responsabilidade que se reconfigura para responder ao apelo do leitor como se respondesse desde sempre. Assim, não há autor sem assinaturá que imponha a presença do autor, mas o texto assinado separa o nome próprio do portador, perturba-lhe a referência, de modo que a marca de presença do autor é, ao mesmo tempo, a força que o torna ausente. Então, se o autor não aparece para, expressamente, reinscrevendo o seu nome, assumir e declarar que assume a responsabilidade de destinar a narrativa - como era o caso de Gordon Pym -, a simples presença da assinatura cumpre essa função. A responsabilidade de autor é, por isso, rigorosamente intransmissivel, e dai que a única forma viável de transmissão seja a que justamente nega a transferência: a apropriação, figura gêmea da atribuição, já que uma e outra se fundam na possibilidade de o nome de autor funcionar como nome de autor na ausência do portador do nome e na ignorância ou na ocultação das intenções, dos projetos ou das determinações com que o inscreveu no limiar do texto. E daí, sobretudo, que a indicação pelo outro do nome de autor seja ainda uma forma de assinatura, porque realiza a mesma função que a indicação voluntária: no fundo, a operação de atribuição funda-se na idéia de que o texto atribuído tem em si as marcas da assinatura do autor, repondolhe o nome no lugar convencional como se de lá tivesse sido removido por acidente. Mas, qualquer que seja a natureza do acidente - neste caso, a morte de Aires -, o processo está invertido, parte-se do texto para o nome, porque este inscreveu-se disponível para s,e,configurar em resposta a uma leitura do texto.
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~11;~
seguir Genette quando sustenta que o
fato de "o destiDª®I= _~e...ge autor não ser necessariamente o próprio autoó~m . ~. tm a indicação de nome de autor da assinatur.~_ cf. Genette, 1987, p. 46). D fato, O nome de autor pode ser inscritp pel '- --.,----.' . co e ISSO bom exemplo, posto Genette não o cite: mas exemplo que nos ensina que, ainda que inscrito pelo editor, o nome próprio enquanto nome de ,autor responsabi· liza sempre o autor, e, neste caso, o autor está disponível para ser responsabilizado désde o momento em que inscreveu um título. A assinatura realiza um ato performativo ao fornecer ao leitor um nome próprio capaz de designar a singularidade de uma destinação, e só cumpre essa função se, como insiste Derrida (cE Derrida, 1971b, pp. 390-92), 147
0i
paço que está no liIIl;iar'dos textos, parando o interior do exterioI:,.. _ fazendo fronteira, criando uma moldu tecto-urrrÔbJcto abordável, porque delimitado. A assinatura inscreve-se aí, e por isso não é nem simplesmente interior ao texto assinado, nem simplesmente exterior: em qualquer dos casos, valeria apenas como simples indicação de nome próprio, incapaz de realizar os efeitos específicos do ato de assinar, porque a assinatura, inscrevendo um nome próprio, é sempre mais que um nome próprio.
puder desligar-se de uma intenção presente e singular, porque é dessa forma paradoxal que a ligação à origem se efetua e se preserva. A verdade é que Genette trata as modalidades de indicação do nome de autor no
)tt L \") que próprios chamae, em "peritexto particular, editorial" sem levar semem interrogar conta o oefeito estatuto que ados indicação nomes do nome produz sobré o próprio autor: justamente porque apenas considera o processo num único sentido, isto é, como fonte de autoridade anterior, já consciente notara que eovoluntária. nome próprio um autor e designa~miÔ1elFouca Num deensaio bem "não é propriamente um nome próprio entre outros" (ef. Foucault,
<~') :r )
1969~, p. ~e espeC1al,(í5é~ anômalo~e
os trabalhos de Derrida sobre a assinatu.ra (cf., em 1971b, que de esse funcIOnamento próprio 1984b) é afinalmostraram a sua condição possibilidade. Em
particular, no que respeita à literatura e à formação da noção de literatura nãomoapenas noçãonomoderna, sentido em a assinatura que o ordenarpento tem~éfeito de institucional performativo da literatura jurídico, dela depende, mas ainda porque o texto assinado legisla, estabeleée uma ~mpõe
a si próprio e a quem o lê (sobre isto, veja-se,em particular,
/ Derrida~
., ,
SSlmse compreende que a narrativa de Aires se possa publicar libertada da presença de Aires. E assim se compreende, em especial, que, tal como aconteceria se Aires publicasse a narrativa por sua iniciativa, e tal como acontece com Machado de Assis ao interpor Aires como
\ \
'. <
,.·:r~ ) qualquer autor suposto, intenção a assinatura e a qualquerpossa projeto, valersem pordeixar si própria, de singularizar sobrepor-se umaa .
literatura resiste à imposição e trapaceia a exigência. O motivo do autor suposto é uma das armas da resistência e um dos artifícios da trapaça: expõe a condição do autor como origem e garante de um texto para lhe UdeStinaçãO. Por isso a assinatura se impõe, "e o leitor a exige: e por isso a paralisar o fu,nclonamento. , ( b) O nome próprio do autor marca a responsabilidade indivi'-~ dual de destinação da narrativa na condição de se inscrever num espaço interrogado nos trabalhos sobre o parergon (cf., em especial, Derrida, esseGenette, espaço próprio e a sua natureza chama especialparatexta. que Derrida eÉque com outra orientação, umtem es-
~1"ÓPriO. 978a),
148
I
Aires, como vimos, oaparece compertence um estatuto duplodaem Esaú e Jacó. enquanto personagem, seu nome ao interior na'itãfiVã;,/} ~antoal,!!gr sUP~~J:!!:t"?~9J::xt<;~~~~ da na . a "advertência" do "editor'~. O nome da personagem não chega para o i en Icar como autor, tendo presente que nem sequer coincide com o narrador; mas a inscrição do nome enquanto nome de autor não fica simplesmente de fora, porque, desde a "advertência", o nome de Aires adquire uma duplicidade que não teria sem o processo da atribuição._~glmJjçida~ gue permit~Jlor ~)Ç~IDQL-,_a !~i~r? citada de Sônia Brayner, que aponta UI!!~_5:!i.YÊ~Q,.Q.,a. fjg!lr.a. 90. narrador, -impensável sem a.~1!.~!9E()AQ_P:C?!l:l~,_de autor na "adv~rtêQQ,ª"._e..~~r:n . queessã-íilcIlcãÇãc;se estend~$.~.?:9_ 纺j!ll.1t~ cl:anan:~~v~.}\l1as,.ao.mesmo te~po, como ler o texto sem assumir que Aires-Rersona~em não.éAires-'ãutõf; mas umãconstrUaõ-dê-Aí'res-ai:tt~r( É impossível confundi-l os, poFcausa d~linha que' d~marca o '~;lor de um e o valor de outro: a "advertência" cria um espaço próprio para a assinatura, instituindo uma fronteira para além da qual o nome "Aires" se repete permitindo o reconhecimento do conselheiro mas tomando-o diferente. Assim, o sentido do 1:;.
--
nome de Aires-personagem depende do aparecimento do nome "Aires" como nome de autor, e este, por sua vez, fica determinado pelo aparecimento do nome uAires" como personagem ..Des~~,m-ºçlo, a ficção, ao jogar com a iterabilidadedo nome próprio, expõe a nature;~legisladora dessaíronteirnlue-ôel1mít;'·à,- unidiâe- e' a~horfi.ogehêÍdadé·ôa-riâirÚíva-. ". ----j'i·'ti~~~;s-ri;o ci;~omepróp-iio' sêrécóiífígurã-p;r;;~p~nder ao apelo do leitor. Agora, podemos verificar como a fronteira delimitada pela "advertência" radicaliza esse efeito: quer como autor, quer como personagem, o nome "Aires" desligou-se de vez do indivíduo chamado Aires, que usava o título de conselheiro e deixou sete cadernos 149
na secretária quando morreu, e, ao desligar-se, dividiu-se. Já não é o nome que, por si só, assegura a estabilidade de uma designação, são os espaços espeáficos em que o nome ocorre que lhe perturbam a referência, dividindo-a numa dupla referência problemática: será ix:opossívelencarar Aires-Eersonagem esquecendo Aires-autor, mas se~ente impo; síve1confundi-Ias. .
-__
Aqui chegados e antes de prosseguir, podemos estabelecer uma conclusão decisiva sobre o traço distintivo do autor suposto: o motivo do autor suposto consiste na exposição ficcional do própn~ '&a-;.nnatuliiãe7nífõi. Re roduz a fronteira ~ .---~J:~o, e nessa medida legisla inapelavelmente s·~bre ~ t~"a atribuído; mas reprodu-Ia no Ínterior da ficção, e nessa medida sofre, por sua vez, a ação legisladora de uma outra assinatura que necessa-
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.
Claro que se pg.deci...supo-t-que-.Â:if€s--prmonagemRão passa.4.e ..-.~!DP-º-rta-y-º~çllL.d.e....UlD....,y!.~L(ó'@ ..4LA-ir.es:autor: mas, então, por que razão fures compõe a narrativa de que é autor figurando nela como se não fosse autor? O problema da distância de Aires a Aires permanecerá insuperável. Para apreender a narrativa como totalidade unificada que uma dada instância nos destina; é preciso que O nome de fures se divida e depois se reunifique, designando a singularidade dessa destinação: é i
preciso reconhecer que ocorre
já
afetaqo pela divisão, prometendo
a
'b .
O leitor sempre,e,do pfln~lpIo .c\d, q~e ao isso, fim, exigindo-a. a procurar respon. / possibilidad~ de estara reun~ficação mais \ der à questão: de que(m) falamos quando falamos do conselheiro fures? \ Mas não encontrará, no interior da ficção, uma voz autorizada que ~( defina procura-Ia ~ distà:ncia no exterIOr e~tre da Aires-autor ficção, em e Aire~-personagem: maIS um nome, que daí ~~e Ja apareCIa tenda. a \ __antes: Machado de AssÍs.
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riamente se apresentou antes da assinatura ficcionaI. Assim, não haverá autor suposto sem essa peculiar ficção em que alguém se apresenta assinando um texto e dizendo que o assina depois de uma outra assinatura se ter proposto à leitura .. E será preciso ter em conta este traço, se se ....9uiser distinguir o autor supo~_toda figuras uito mais freqüentes, ae narradores dramatizados, ou das formas diversas de ocultação o nome . próprio de autor, comO-a-ps0~deflí~~~as...lõrmas...roiiii?1ex:as-cte dispersão do autrl.r...f.omo a hetero~a. O motivo do autor sup~t~ enfim, nem oculta o autor efetivo, nem anula a ficção de autor: ele assenta na diferença entre dois autores, ou seja, na diferença entre duas assinaturas inscritas num texto úníco. Assim, se não há autor suposto sem uma fronteira ficcional que o instale, criando a diferença que o apresenta enquanto construção da responsabilidade de outro e, em conseqüência, gerando as condições para
cl.)1 de fato,..Q. romllpq:. arrasta..uma. 9.A!;ra obrigago E,araguem lê: não esquecer ~e o seu._~).ltoré,_atiº-ªl~Machado de Assis. Obrigação de ~ta1''ffiodo7o;te-que:à-~ua custa, se tende a ~quecer uma outra, não menos
çõesoconvencionais do motivo que o ficcional, relacionam com o que problema da que leitor nele reconheça uma figura percebe-se as exPlica-(
( coerciva: a de pressupor que Machado de Assis não fala senão para instalar Aires como autor suposto, ficando, nessa medida, colocado no exterior / da narrativa. São duas obrigações que já encontramos no jogo com o : nome próprio e a assinatura de Aires e que sabemos inseparáveis, porque ~~. resultam uma e outra da capacidade legisladora da assinatura. Desta forma, a assinatura de Machado, presente ainda antes da "advertência", que, aliás, se lhe atribui demasiado depressa, indica-nos que todo o jogo com o nome próprio e a assinatura de Aires constitui o acontecimento inaugural do romance - trata-se de ficção -, mas indica-
fecundidade que ainda apresenta e a sua utilização de forma tão inve~ossímil) como a que vamos encontrar em Memórias póstumas de Brás Cubas). O
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nos sobretudo que apenas o nome de Machado nos permite designar Esaú eJaeó como romance que se destina enquanto totalidade unificada. 150
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verossimilhança do discurso se quedam àtendo margem maisa \ importante (o que, aliás, se romanesco verificaria facilmente, em do conta
decisivo está no jogo com a própria noção de autor. Çriando ~ções para o reconhecimento do autor suposto como figura ficcional, o rn..Qtlvo l:emuriu;I~!Eõ.':.Qereversã
ficÇi;~~~i;~~
151
implica que colocar em cena é um modQ de colocar em causa, de tomar irrecuperável a estabilidade do autor c:fetivo.Adotando, para o que aqui nos interessa, uma caracterização de Eduardo Prado Coelho a respeito de Pessoa, diremos que a instalação do autor suposto e.p.gendra"um processo generalizado de Iicdonalização que não tem regresso viável, e, por isso mesmo, a identidade supostamente real só é recuperável em termos de uma identidade também ela fictícia" Coelho, 1987, .47. Está aí ~~~-ºJ:~diQl~vo...dº-autor suposto: nfuLapen~strói _~~J1tol:,_cº.m9"transforma o autor real -
a ficção -
O que está aqui em causa é muito simplesmente a necessidade de reconhecer que a fronteira ficcional que instala o autor suposto nem por isso se deve entender como fronteira fictícia, porque a nossa leitura não dispõe de liberdade para proceder como se lá não estivesse. Considerando ainda a "advertência" de Esaú eJacó, cclmpreende-se que essa fronteira é, ao certo, se O realmente atua: outro modo, nunca\.saberlamos quem saberíamos autor efetivo do de romance, no estrito sen~do em que nunca Bsaú eJacó deveria ou não integrar-se na obra completa de Machado. E é por essa mesma razão que o nome de Machado pode aparecer como o único capaz de designar a destinação do romance enquanto totalidade unificada. Não há, então, uma única leitura do romance que não assuma, implícita ou explicitamente, o valor efetivo dessa divisão. Importa, no entanto, assumi-Io para além do ponto suportado pela necessidade de encIausurar o nome de Machado numa significação cristalizada, porque a informação do nome do destinador não diz, de imediato, o sentido da destinação. Niss'o reside, aliás, um dos traços da escrita literária: o nome abandonado a um não-saber; apelando a um. leitor que lhe respeite a singularidade, designadamente a singularidade com que se abandona aos acasos de uma destinação incerta. Aí, o que se lança ao leitor é c sentido
da destinação enquanto problema c~cial da leitura: sentido que, entretanto, o leitor nã.o pode designar senão pelo nome próprio de autor. E é por eSSarazão que o nome, de uma forma essencial e constitutiva, fica abal1donado à !õuasorte. noção do "autor implicado" por Paul Ricceur. Aproximando a noção de Booth da noção de estilo de G. Granger, Ricceur defende que "noobra pelo nome seu autor não problema implica nenhuma conjeetura ~ mear uma Encontramos umadoversão deste na abordagem da 152
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asserção sobre a presumível intenção do autor, mas a singularidade da a respeito da psicologia da invençâo ou da descoberta, portanto nenhumaj resolução de um problema» (cf. Ricceur, 1985, p. 235), e é essa resolução de um problema que configura o "autor implicado": a singularidade de um problema recebe um nome próprio, o· do autor. Mas, a partir do momento em que faz entrar em cena o nome próprio, a aproximação de Ricceur representa um verdadeiro afastamento, que, aliás, revela um ponto frágil da noção de Booth: o nome próprio já não designa um homem real construindo uma "versão superior de si mesmo", como o entendia Booth, mas apenas essa "versão." construída pejo leitor, perdendo-se o termo de comparação com o homem real. Numa palavra, a leitura apropria-se do nome próprio, sem saber que se apropria: assume o texto como fruto da escolha de alguém, não como existência autônoma, mas, se o texto não estivesse dotado de autonomia que lhe confere a assinatura, não seria possível configurar um "autor implicado". A menção do nome próprio do autor para designar o "autor implicado" tem justamente o efeito paradoxal que já conhecemos: marca não a presença, mas a ausência do homem real, do autor efetivo, ou o que se lhe queira chamar. A ausência, isto é, a sua perda definitiva: a impossibilidade de, a partir da sua identidade ou da sua escolha enquanto romancista, estabelecer o sentido da destinação do romanCe. O afastamento operado por Ricceur, além da mais, apresenta ainda um outro momento, não merios importante: é que o "autor implicado" designado pelo nome próprio do autor real estende-se aa conjunto da obra de autar, operação de modo algum autorizada pela noção de Booth, que entende cada obra como uma versão diferente do autar, ou seja, cada obra constrói o seu "autor implicado" (cf. Booth, 1961 b, p. 89). Enquanto o "autor implicado" constitui uma categoria retórica dependente da autonamia de cada texto de ficção, o nome próprio é também princípio de unificação e de homogeneização de um conjunto de textos. Verifica-se, então,. que o caráter incontornável da assinatura se traduz, numa circularidade: cada obra é dotada de autonomia para gerar imagens de "autor implicado", mas toda a obra derronta, ao mesr'Ío tempo, imagens já constituídas de "autor implicado", que inape1avelmente se importam de outras obras do mesmo autor. O que perturba a autonomia de um teXto singular não é a categoria do "autor implicado", mas a autonomia 153
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de outros textos portadores da mesma assinatura, ou, se se quiser, todo o texto vive a sua, autonomia em tensão, obrigado, por um lado, a impor a sua singularidade no interior de um conjunto e forçado, por outro, a cumprir as características que fazem a singularidade do conjunto. Assim, o texto singular é ao mesmo tempo menor e maior que o conjunto que integra. O motivo do autor suposto joga, também aqui, um papel muito especial: a fronteira ficcional que o constitui não se limita a demarcar um interior da ficção, demarca também esse interior de um exterior já delimitado, isto é, o exterior formado pelo conjunto das obras do mesmo autor efetivo. Assim, funcionando como fronteira ficcional, mas não como fronteira fictícia, o motivo do autor suposto vem pôr em cena e em causa a unidade e ahomogeneidade do conjunto da obra do romancista que a ele recorra com maior ou menor freqüência, porque será sempre preciso mostrar q~e a obra singular atribuída ao autor suposto é um dos elementos do cotljunto e não um outro conjunto dotado de autonomia própria. Nisso s~ joga, assim, todo o peso e todo o valor de uma assinatura: na inscrição de outra que a excede.
4 Não é outra coisa o que se passa com Esaú eJacó.
problema da presença de Machado enquanto autor efetivo do romance, ou ainda, o problema .da diferença que o separa de Aires, autor suposto. !:!m problema eseedfico da escritaJ,ºrnan~ca g~~~. impõe E_um duplo co~strangimento: "não es~cer~3ue escrevi tudo isto, não e~q~ec~r~~ ,-~~bém que nada disto foi escritop~~·z)i;~';" Não 'exisf~qualCtüer'-m:elO·· de ~~'péfàrêsta-'aupiã lnte~dição: 'senão recusando, à partida, conduzir ao limite as conseqüê'ncias do recurso ao autor suposto. Assim, ao cabo e ao resto, Machado aparece perante o leitor tão morto quanto o conselheiro fures: um e outro nos destinam ficções dotadas de capacidade para se separarem da origem, um e outro abandonam os respectivos nOmes à sua sorte. Isto não significa que o romance se tome ilegível, que seja impossível estabelecer uma leitura capaz de equacionar a diferença que separa Aires de Machado: significa, sim, e é o fundamental, que o romance se organiza recusando constituir-se instrumento de decidibilidade da leitura, e que resistirá sempre a todas as respostas às perguntas "de que(m) falamos quando falamos do conselheiro fures?" e "de que(m) falamos quando falamos de Machado de Assis?" Acresce o outro valor efetivo da fronteira ficcional: separa a narrativa de Aires do exterior formado peI~s outras obras de Machado de Assis, e, dessa forma, coloca em causa a relação de Esaú eJaeó com o conjunto romanesco rnachadiano. Desde logo, e em um nível de elementar evidência, não é possível assumir simplesmente que o conselheiro Aires é mais uma versão de Brás Cubas, ou de Dom Casmurro: o que implica que não é possível assumir simplesmente Aires como mais urna versão de
Se retomarmos o que atrás verificamos, compreendemos que a assinatura de Machado de Assis se constitui dupla garantia: de que a questão "de que(m) falamos quando falamos do conselheiro fures?", encontrará uma resposta viável; de que essa resposta se converterá em resposta a uma outra questão, já nossa conhecida: "de que(m) falamos quando falamos de Machado de Assi.s?"Mas tais garantias são concedidas ao leitor pelo mesmo processo que as subverte; porque a criação de uma fronteira ficcional no interior da ficção obriga a urna reciprocidade irremovível: o autor suposto exige a autorização do autor efetivo, ou não haverá lugar para a reunificação do seu nome dividido, mas o autor efetivo, ar sua vez, apenas se configura através do autor suposto. O romance com autor suposto destina-se enquanto totalidade unificada ao lançar ao leitor o problema da sua apreensão enquanto totalidade unifícada, ou, se se quiser, a assinatura de Machado apresenta-se para colocar ao leitor o
E assÍm se compreende como surge o problema de Augusto Meyer, que pudemos comentar no capítulo anterior. Cada autor suposto ameaça exceder o autor efetivo, justamente porque todo o autor suposto configura o autor efetivo, precisando dele, ao mesmo tempo, para se configurar. Não se trata de repor o velho lugar-çomum do criador dominado pelas
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Machado. Mas é preciso aceitar q1J~ ~ ~ni~ade da obra de Machado se define pela pluralidade desses:autores supo~t6s:.~,éa rede de diferenças que separam entre si fures, BrãS--Cuoás e DóíüCasmurro que permite aceder a urna unidade que se possa designar com o nome de Machado de Assis. Por outras palavras, a instalação de um autor SUP()sto,na modalidade que encontramos em Esaú eJaeó, constitui um traço distintivo da assinatura de Machado depois de Memórias póstumas de Brás Cubas.
o que é e donde vem esse "pensamento
cri~turas, mas de subli~ar que"nesta forma específica de· ass·inatura, a um~ade e a homogen~ldade da obra assinada por Machado estão, desde a ongem, ~arcadas pelo problema da sua unidade e da sua homogenei~ade. Ou.amda, a obra romanesca mach~diana destina-se enquanto totahda~e ulllfi~da ao legar ao leitor o problema da sua destinação enquanto total~d~de umficada. A concepção do pessimismo é apenas uma das formas poSSIveISde resolução do problema, nem sequer a única capaz de estabilizar o nome de Machado numa referência que funcione como centro de gravidade do discurso crítico: trata-se de uma solução'que se autoriza na tradição e se fortalece com a peculiar sedução daquele pnnápio de desmascaramento "digno de confiança" de que falamos no caPítulo anterior (no próximo capítulo, entretanto, veremos outra razão para o privilégio da concepção do pessimismo). No entanto, será impossível ignorar a sólida resistência que os autores supostos de MachJcio vão oferecendo: por muito grande que se apresente a convicçãot\iunfante, o autor suposto insiste - e nessa insistência pode encontrar-~e sempre um pequeno ponto em que a resistência se contornou ilusoriamente.
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de E;tgê~io ..Ç2mes, "O..... estético de dificuldades M~chado denum Assi~, um Encontramos umtestamento bom exemplo destas estudo dos momentos fundamentais da tradição critica machadiana. O objetivo
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de Eugênio Gomes consiste na demonstração da unidade de uma "tetralogia romanesca" de Machado, que se iniciaria em Memórias póstumas de Brás Cubas e teria em Esaú e Jacó o momento terminal. O estudo ineide, por
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isso, neste último romance e, como não podia deixar de ser, debate-se com a figura do conselheiro fures. A este respeito, a tese de Eugênio Gomes parece enquadrar-se pacificamente na tradição: o conselheiro seria um alter ego de Machado. Mas um alter ego particular, justamente aquele que lhe. permite defender que toda a obra romanesca de Machado, do Brás Cubas em diante, se entende como tetraLogia que obedece a um "principio metafisico", o qual se encontra, segundo Eugênio Gomes, na filosofia de Schopenhauer: «Embora houvesse procurado retrair-se a subordinar as suas criações a determinada tese. a verdade é que Machado de Assis, em seus quatro principais romances, mantém-se fiel àquele ·i
pensamento [de Schopenhauer], e outro não haveria de ser o 'pensa-mento interior e único' que presidiu à elaboração de baú eJacô' (Go-
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-.. " ...•.
~.
mes, 1958c, p. 1.116). 156
~:
interior e único"? Tratase de uma expressão que encontramos na "advertência" de baú eJacó: a cJ.adopasso, o "editor" afirma que o conselheiro Aires escreveu a narrativa com "um pensamento interior e único". Ora, essa expressão vai ser o centro da gravidade do e es, que procurará saber em que consiste esse ensamento interior e únic " convencido de que, uma vez encontrado, o.po erá atribuir 'sem mais a Machado. Todo o ensaio ficaria preju9icado se o ensaísta não assumisse, sem qualquer demonstração em apoio, que o "pensamento interior e único" é o pensamento do próprio Machado e o pensamentQ que subordina ;;organiza toda a ficção de Machado. E di-Io logo de entrada: "o 'pensamento interior e único\ que presidiu à elaboração de Esaú e Jacó' (idem, op. cit., p. 1.099); ou mais claramente, atribuindo-o a Machado: "por trás desse conflito psicológico (a oposição entre os caracteres dos dois gêmeosl ~tá o pensameIito do aU!QL_.º.~~m~nto interior e único', que ele atribuiu ao Conselheiro Air~" (idem, op. cit., p. 1.101). Nestes termos, mesmo que aceitemos, deixando sem discussão, que a figura do conselheiro Aires é claramente um a/ter ego de Machado, que o confronto entre lS gemeos a O mais angustiante testemunho daquela or de viver' que Scho enhauer diagnosticou tão bem através da sua doutrina filosófica" (idem, op, cit., p. 1.112) e que tudo isso contribui para delimitar o conteúdo do tal "pensamento interior e ,
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UntCO ,~.~.? se ve como assumIr gue esse pensamento mtenor e UfilCO deva ser atribuído a Machado nos termos em que Eugênio Gomes o .atribui, isto é, como sentido global da destinação dos quatro roman"CeS que formam-;'"~t~~rõg}a" cfUiye-fáfà o ensáí:5.!A:DeIãtõ:-flcãrá sempre por demonstrar a natUreza da relação de Machado enquanto autor efetivo com o "pensamento interior e único" que o "editor" anuncia na narrativa de Aires e, a partjr do momento em que essa questão se coloca, a generalização ao conjunto dos quatro romances ficará seriamente afetada. ensaio de Eugênio Gomes acaba por mostrar, afinal, que a dificuldade maior não está em estabelecer qual seja o dito «pensamento interior e único", mas em assegurar uma relação estável que o ligue a uma origem chamada Machado de ASSIS. É o ponto em que se colocam algumas perguntas CÍnicas ou ingênuas, consoante o gosto: se esse "pensamento interior e único" se apresenta como "pensamento interior e único" do
°
157
próprio Machado, para que i.nte~por Aires na qualidade de autor suposto? E se Machado, de modo contrário, não partilha com Aires o "pensamento interior e único", por que razão procura centrar nele a atenção do leitor sem do mesmo passo se demarcar? No fundo, a pergunta é apenas uma: por que motivo o "editor" ammCia uma narr;1tiva escrita com um "pensamento interior e único" sem dizer qual seja?
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Como é evidente, estas perguntas não encontrarão resposta num discurso crítico ocupado com o conteúdo do "pensamento interior e único": são pergUntas que já o entendem subordinado a outro tipo de razões, de específica natureza romanesca, que fazem com queEsaú eJacó não se reduza à transmissão de um "pensamento interior e único", ainda que romanescamente atribuído ao autor suposto. Trata-se da ficção em que alguém apresenta outro que terá escrito uma narrativa dotada de Um
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nos termos estabelecidos por Eugênio Gomes, a resposta à segunda resulta numa nova.questão: não pura e simplesmente a transferênciâ do "pensamento interior e único" para Machado, mas a questão do efeito romanesco da invenção de um autor suposto que escreve uma narrativa dotada de um "pensamento interior e único". Não custa verificar que o alcance dessa questão, apesar de tudo, . foi entendido por Eugênio Gomes. Em primeiro lugar, está em causa uma concepção de romance que 'recusa subordiná-lo "a uma determi-
"pensamento interior e único". Trata-t de uma idéiadodeautor romance. em concreto, um dos momentos do proc~Jo de instalação suposto,
nada tese". Atendendo ao processo de instalação do· autor suposto em Bsaú eJacó, não há viabilidade de definir um sentido para a destinação machadiana do romance que não passe por uma concepção de romance; em termos rápidos, a concepção que recusa ao discurso romanesco a capacidade e a vocação para transmitir ou ilustrar concepções do mundo. De outro modo, e visto que aí o ensaio de Eugênio Gomes coloca os problemas, no nível de "um ponto de vista intelectual sobre a vida e o
justamente o momento que Eugênio pomes contornou demasiado de: pressa, mas que persiste, neutralizando o proCesso das atribuições.
destino", não se compreenderia todo o processo' de fingimento que neutraliza o mecanismo da atribuição e deixa o leitor num não-saber
No entanto, convém não andar com a mesma pressa supondo já que Eugênio Gomes leu mal. Deixando de lado o fato, importante .mas agora negligenciável, de o seu esforço crítico se integrar numa estratégia de leitura da obra machadiana empenhada em secundarizar a ficção de autores - e não tomando em conta as diferenças de perspectiva crítica, cujo concurso, como é evidente, será sempre decisivo na diferença de leituras -, a verdade é que, escolhendo o "pensamento interior e único" para centro de gravidade do ensaio, Eugênio Gomes esteve longe de tomar uma decisão infundada, porque justamente aquela expressão garante, junto do leitor, a homogeneidade, a unidade e a,coesão do texto que·vai ler e que supostamente Aires escreveu. Por outras palavras, nessa expressão se reafirma o que mais atrás entendemos como garantia fornecida ao leitor pela assinatura de Machado: a garantia de que a questão "de que(m) falamos quando falamos do conselheiro Aires?" encontrará resposta viável. Daí o salto imediato para·a outra garantia que também vimos estar ligada à primeira: de-que a resposta, uma vez encontrada, se converterá em resposta à questão "de que(m) falamos quando falamos de Machado de Assis?" Mas esse salto torna-se ponto frágil do ensaio, porque, mesmo admitindo que a resposta à primeira questão se aceita
irremovível: ninguém lhe diz em que consiste a concepção do mundo de Aires, que idéia dela fazia o "editor", ninguém lhe diz sequer se Machado procurou, com o romance, transmiti-Ia, criticá-Ia, relativizáIa ou parodiá-Ia. Machado obriga o leitor a pensar a natureza do discurso romanesco ao recu!;ar-Ihe, desde o início, trânsito fácil no caminho que liga o divertimento romanesco a uma concepção do mundo ou a uma plural idade de concepções do mundo. Mas, pór outro lado, dificultando o trânsito, não nega a existência do caminho: bem pelo contrário~ insinua-o. E é esse o tema maior do ensaio de Eugênio Gomes: a alegoria. Não precisamos seguir os termos do ensaísta brasi-
fortalece insistentemente a singularida,de da experiência que apresenta, levando-a ao ponto de a propor como experiência singular da escrita.
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leiro, mas podemos sublinhar o problema de que esses termos procuram dar conta: o romance machadiano sugere a relação com uma visão da vida e do mundo, mas a sugere pelo processo da alegoria, isto é, pondo em cena uma experiência singular e dispersando sinais disponíveis para serem lidos como indicação de que a destina enquanto experiência exemplar. A dificuldade surge precisamente na passagem do sentido literal ao sentido próprio da alegoria: porque o romance machadiano
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Como escreveu Jorge de Sena, "a ação dos romances é o .ato de eles serem escritos" (Sena. 1969. p. 333). Donde resulta qu'e é, o próprio autor suposto que aparece afetado de uma'vocação alegórica manifesta: ou 'seja, o próprio processo de destinação de uma narrativa exemplar é ele mesmo singularizado. proposto à leitura com uma singularidade que resiste sempre a qualquer esforço para a transportar para o nível de exemplaridade. Assim se compreende a importância dos nomes próprios nos romances machadianos: note-se apenas que. nos cinco romances decisivos. não há um único que não tenha um nome próprio no título. O caso de Dom Casmurro. aliás, é verdadeiramente exemplar a esse respeito: o título ' coincide com a assinatura'do autor suposto, e todo o drama consiste na
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Capítulo 8
divisão sem reunific~ção possível do seu-nome; daí que o romance abra com a "explicação do título", que é múito mais a história de uma mudança de nome. Os nomes próprios s;ao os corpos estranhos da lingua que asseguram o máximo de singu.Ilrização possível: e também, em " conseqüência, a resistência máxima à'(passagem para um plano de exemplaridade. A força do motivo do autor sUpOsto não ~em outra razão de ser: um nome próprIO resiste sempre, reconfigu;;:;e, acolhe novas sigID:
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, Neste quadro se reforça a idéia que mais atrás aEresentamos: o romance com autor suposto destina-se enquanto totalidade unificada ao lançar ao leitor. o problema da sua apreensão enquanto totalidade unificada. A alegoria é a figura dessa destinação: apresenta uma e;Kperiência singular e sugere uma dimensão em que se constituiexperiênáa exemplar. Mas, a uni-Ias, está uma disjunção que o romance cuida de não anular: esse cuidado constitui a marca indelével da responsabilidade de Machado. Nela se decide a concepção machadiana do romance, a forma específica da assinatura de Machado ou ainda, se se quiser. a sua relação com o carhp'o das concepções do mundo que todo'o romance 1ft
DEFUNTO AUTOR
Machado na literatura brasileira, que, como justamente sublinhou José , Guilherme Merquior.consiste J??-Jntrodu -o de uma orienta ~o roble, matizadora ele se desconhecida 1977,o pp. 153-54). defronta se,fiaténele dissolver: nelacf.seMerquior. decide, enfim, lugar decisivo de
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Ora, vamos vê-Io agora, tudo isso se inaugura num episódio famoso: o aparecimento de Brás Cubas, autor suposto.
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Os leitores familiarizados com a bibliografia crítica machadiana conhecem um dos lugares"Comuns mais persistentes na apreciação dos autores supostos de Machado: a idéia de que não têm preocupações literárias e qe que exibem uma cultura literária inferior., Num estudo ;!cente, pode ler-se uma apreciação como esta' "Brá.LC!!..bas goza o~ .E.!ivílégios de escrever