Hush, Hush – uma obra de Becca Fitzpatrick a ser publicada no Brasil pela editora Intrínseca (segundo o site oficial da autora) Esta é uma publicação meramente promocional. Os capítulos aqui disponíveis foram disponibilizados pela editora Simon&Schuster, gratuitamente, e traduzidos por uma fã, sem fins comerciais. Se gostou, ajude a divulgar, e não deixe de comprar o livro quando publicado no Brasil. Não apoiamos a pirataria. Qualquer erro ou sugestão, entre em contato com
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Prólogo Loire Valley, França Novembro de 1565 Chauncey estava com uma filha de fazendeiro no gramado do rio Loire quando a tempestade chegou, e como havia deixado o seu cavalo castrado perambular pela campina, não lhe restava nada a não ser seus dois pés para lhe levar de volta ao château. Ele rasgou uma fivela prateada de seu sapato, colocou-a na palma da mão da garota, e a assistiu escapolir, lama batendo em suas saias. Então ele rebocou seus pés e rumou para casa. A chuva envolvia a escura zona rural que rodeava o Château de Langeais. Chauncey caminhou facilmente por sobre os túmulos submersos e o húmus do cemitério; mesmo na mais densa névoa ele era capaz de achar o caminho de casa de onde estava sem ter medo de se perder. Não havia névoa esta noite, porém a escuridão e o ataque furioso de chuva eram traiçoeiros o bastante. Havia movimentação no canto do campo de visão de Chauncey, e ele virou a cabeça para a esquerda precipitado. À primeira vista o que pareceu foi um anjo enorme no topo de um monumento próximo, erguido em sua altura máxima. Nada de pedra ou mármore, o garoto tinha braços e pernas. Seu torso estava nú, seus pés estavam descalços, e calças de camponês estavam baixas em sua cintura. Ele saiu em um pulo do monumento, as pontas de seu cabelo pingando chuva. As gotas escorregavam por sua face, que era escura como a de um espanhol. A mão de Chauncey deslizou para o punho de sua espada. "Quem está aí?" A boca do garoto esboçou um sorriso. "Não brinque com o Duque de Langeais," Chauncey avisou. "Eu perguntei o seu nome. Responda." "Duque?" O garoto se reclinou sobre um salgueiro deformado. "Ou bastardo?" Chauncey desembainhou sua espada. "Retire o que disse! Meu pai era o Duque de Langeais. Eu sou o Duque de Langeais agora, " ele acrescetou sem jeito, e se amaldiçoou por isso. O garoto sacudiu sua cabeça preguiçosamente. "Seu pai não era o antigo duque." Chauncey ferveu com o insulto ultrajante. "E o seu pai?" ele exigiu, levantando a espada. Ele ainda não conhecia todos os seus vassalos, mas estava aprendendo. Ele marcaria o nome da família desse rapaz em sua memória. "Eu perguntarei mais uma vez," ele disse numa voz baixa, balançando uma mão na frente de seu rosto para afastar a chuva. "Quem é você?" O garoto andou em frente e colocou a lâmina de lado. Subitamente ele pareceu mais velho do que Chauncey tinha presumido, talvez até um ou dois anos mais velho que Chauncey. "Um dos que são da descendência do Diabo," ele respondeu. Chauncey sentiu um aperto de medo em seu estômago. "Você está lunaticamente delirante," ele disse entre dentes. "Saia do meu caminho."
O chão abaixo de Chauncey se inclinou. Explosões de dourado e vermelho estouraram atrás de seus olhos. Arqueando-se com suas unhas roçando em suas coxas, ele olhou para o garoto, piscando e arfando, tentando entender o que estava acontecendo. Sua mente vacilava como se não fosse mais dele para comandar. O garoto se agachou para nivelar seus olhos. "Ouça atentamente. Eu preciso de uma coisa de você. Eu não vou embora até eu tê-la. Você está entendendo?" Cerrando os dentes, Chauncey balançou a cabeça para expressar sua descrença - sua resistência. Ele tentou cuspir no garoto, mas o cuspe escorreu pelo seu queixo, sua língua se recusando a obedecêlo. O garoto prendeu suas mãos em volta das de Chauncey; o calor dela o queimou e ele gritou. "Eu preciso do seu juramento de fidelidade," o garoto disse. "Curve-se em um joelho e jure." Chauncey mandou sua garganta rir grosseiramente, mas sua garganta contraiu-se e ele engasgou com o som. Seu joelho direito entortou-se como se tivesse sido chutado por trás, apesar de não haver ninguém ali, e ele tropeçou em direção à lama. Ele se curvou para o lado e tentou vomitar, sem êxito. "Jure," o garoto repetiu. Calor ruborizou o pescoço de Chauncey; foi necessária toda a sua energia para enrolar suas mãos em dois punhos frágeis. Ele riu de si mesmo, mas não havia nenhum humor. Ele não sabia como, mas o garoto estava lhe infligindo a náusea e a fraqueza. Não iria passar até que ele fizesse o juramento. Ele diria o que tinha que dizer, mas ele jurou em seu coração que destruiria o garoto por essa humilhação. "Senhor, eu me torno o seu servo," Chauncey disse venenosamente. O garoto colocou Chauncey de pé. "Encontre-me aqui no início do mês hebraico do Cheshvan*. Durante as duas semanas entre as luas nova e cheia, eu precisarei de seus serviços." *Cheshvan, abreviação de Marcheshvan (do acádio warahsamnu, literalmente "oitavo mês") é o segundo mês do ano civil e o oitavo mês do ano eclesiástico do calendário hebraico. Na Bíblia é chamado de Bul. É um mês de outono de 29 dias, exceto em anos "completos", no qual tem 30 dias. Cheshvan geralmente cai em Outubro-Novembro no calendário gregoriano. (Fonte Wikipedia)
"Uma... quinzena?" Toda a estrutura de Chauncey tremeu sob o peso da sua raiva. "Eu sou o Duque de Langeais!" "Você é um Nefil," o garoto disse em um pedaço de sorriso. Chauncey tinha uma resposta profana na ponta da língua, mas ele a engoliu. Suas palavras em seguida foram ditas com um veneno glacial. "O que você disse?" "Você pertence a raça bíblica de Nefilim. Seu verdadeiro pai era um anjo que caiu do céu. Você é metade mortal." Os olhos escuros do garoto se levantaram, encontrando os de Chauncey. "Metade anjo caído." A voz do instrutor de Chauncey viajou pelos recessos de sua mente, lendo passagens da Bíblia, contando sobre uma raça dissidente criada quando anjos derrubados do céu acasalaram com mulheres mortais. Uma raça temível e poderosa. Um calafrio que não era inteiramente repulsa
arrepiou Chauncey. "Quem é você?" O garoto se virou, indo embora, e embora Chauncey quisesse ir atrás dele, ele não era capaz de comandar suas pernas para sustentar seu peso. Ajoelhado ali, piscando por causa da chuva, ele viu duas cicatrizes espessas nas costas do torso nú do garoto. Elas se estreitavam formando um um V invertido. "Você é - caído?" ele bradou. "Suas asas foram arrancadas, não foram?" O garoto - anjo -, quem quer que ele fosse, não se virou outra vez. Chauncey não precisava da confirmação. "O serviço que eu irei prestar," ele gritou. "Eu exijo saber o que é!" O ar ressoou com a risada fraca do garoto.
Capítulo Um Coldwater, Maine Dias atuais Eu entrei na sala de biologia e fiquei boquiaberta. Misteriosamente aderida ao quadro negro estava uma boneca Barbie, com Ken ao seu lado. Eles foram forçados a dar os braços e estavam pelados, exceto por folhas artificiais colocadas em poucos seletos lugares. Rabiscado acima de suas cabeças com um grosso giz rosa estava o convite: BEM VINDOS À REPRODUÇÃO HUMANA (SEXO) Ao meu lado Vee Sky disse, "É exatamente por iso que a escola poríbe celulares com câmera. Fotos disso na eZine seriam toda a evidência que eu precisaria para levar à comissão de diretores para retirar biologia da grade curricular. E aí nós teríamos esse horário para fazer algo produtivo - como ter aulas a sós com caras populares fofos." "Por que, Vee," Eu disse, "Eu poderia ter jurado que você tinha esperado por essa unidade o semestre todo." Vee abaixou seus cílios e sorriu maldosamente. "Essa aula não vai me ensinar nada que eu já não saiba." "Vee? Tipo, virgem?" "Não tão alto." Ela piscou bem na hora que o sino tocou, mandando nós duas para nossos lugares, que eram lado a lado em nossa mesa compartilhada. O treinador McConaughy pegou o apito que balançava em uma corrente ao redor de seu pescoço e assoprou. "Posições, time!" O treinador considerava ensinar biologia ao segundo ano uma tarefa secundária ao seu trabalho treinando o time da universidade, e todos nós sabíamos disso. "Pode não ter ocorrido à vocês crianças que sexo é mais do que uma viagem de quinze minutos ao banco de trás de um carro. É ciência. E a ciência é o que?" "Chata," algum aluno no fundo da sala gritou. "A única matéria em que eu estou perdendo," disse outro. Os olhos do treinador localizaram a primeira fileira, parando em mim. "Nora?" "O estudo de alguma coisa," Eu disse. Ele andou até mim e golpeu a mesa a minha frente com seu dedo indicador. "O que mais?" "Conhecimento adquirido através de experimentação e observação." Encantador. Eu soei como se estivesse fazendo um teste para ler o audiobook do nosso texto. "Em suas próprias palavras."
Eu toquei a ponta da minha língua até o meu lábio superior e procurei por um sinônimo. "Ciência é uma investigação." Soou como uma pergunta. "Ciência é uma investigação." O treinador disse, esfregando suas mãos juntas. "Ciência requer que nós nos transformemos em espiões." Colocando desse jeito, ciência quase pareceu divertido. Mas eu tinha aulas com o treinador a tempo demais para não criar esperanças. "Para ser um bom detetive é preciso praticar," ele continuou. "O mesmo vale para o sexo," veio outro comentário de-fundo-de-sala. Nós todos contemos uma gargalhada enquanto o treinador apontava ameaçadoramente para o ofensor. "Isso não será parte do dever de casa de hoje à noite." O treinador voltou sua atenção para mim. "Nora, você tem sentado ao lado de Vee desde o início do ano." Eu assenti, mas tive um mal pressentimento sobre onde isso ia dar. "Todas as duas estão na escola eZine juntas." Novamente, eu assenti. "Eu aposto que vocês sabem um bocado sobre a outra." Vee chutou minha perna por baixo da mesa. Eu sabia o que ela estava pensando. Que ele não tinha a mínima ideia do quanto nós sabíamos sobre a outra. E eu não estou falando apenas dos segredos que nós enterramos em nosso diários. Vee é minha gêmea de consideração. Ela tem olhos verdes, cabelos loiros e alguns quilos a mais. Eu tenho olhos escuros, sou morena e tenho cachos volumosos que se mantem mesmo contra a melhor chapinha. E eu sou toda pernas, como uma cadeira de bar. Mas há um laço invisível que nos liga; ambas juramos que esse laço começou muito antes de nascermos. Ambas juramos que ele irá continuar a exisitir pelo resto de nossas vidas. O treinador observou a classe. "Na verdade, eu apostarei que cada um de vocês conhce a pessoa sentada ao seu lado muito bem. Vocês escolheram a carteira que escolheram por uma razão, certo? Familiaridade. Uma pena que os melhores detetives evitem a familiaridade. Ela entorpece o instinto investigativo. O que é razão pela qual, hoje, nós criaremos um novo mapa de sala." Eu abri minha boca para protestar, mas Vee foi mais rápida. "Mas que merda? Estamos em abril. Tipo, estamos quase no fim do ano. Você não pode inventar esse tipo de coisa agora." O treinador insinuou um sorriso. "Eu posso inventar esse tipo de coisa até o último dia do semestre. E se você perder em minha matéria, você estará bem aqui ano que vem, onde eu posso inventar esse tipo de coisa todo de novo." Vee olhou feio para ele. Ela é famosa por essa carranca. É um olhar que não faz nada a não ser uma vaia audível. Aparentemente imune à ele, o treinador levou seu apito à boca, e nós entendemos o recado. "Cada parceiro sentado no lado da mão esquerda da mesa - ou seja, sua esquerda - avance uma carteira. Aqueles na primeira fila - sim, incluindo você, Vee - vá para o fundo." Vee enfiou seu caderno na mochila e fechou o zíper com força. Eu mordi meu lábio e acenei timidamente em despedida. Eu me virei parcamente, observando a sala atrás de mim. Eu sabia o nome de todos os meus colegas... exceto um. O transferido. O treinador nunca o questionava, e ele parecia preferir desse jeito. Ele estava sentado negligentemente uma mesa atrás de mim, escuros olhos frios firmemente fitando o que estava adiante. Como sempre. Eu não acreditei nem por um minuto que ele simplesmente sentava ali, dia após dia, encarando o ambiente. Ele estava pensando
em algo, mas a intuição me disse que eu provavelmente não queria saber o que. Ele colocou seu texto de biologia sobre a mesa e sentou-se na antiga cadeira de Vee. Eu sorri. "Oi. Eu sou Nora." Seus olhos escuros me analisaram, e os cantos de sua boca se inclinaram. Meu coração perdeu uma batida, e nessa pausa um sentimento de escuridão depressiva pareceu se abater como uma sombra sobre mim. Passou em um instante, mas eu ainda estava encarando-o. Seu sorriso não era amigável. Era um sorriso que emanava problemas. Com uma promessa. Eu me foquei no quadro negro. Barbie e Ken encararam de volta com estranhos sorrisos animadores. O treinador disse, "Reprodução humana pode ser um assunto desagradável -" "Eeeca!" gemeu um coro de estudantes. "Requer que lidemos com maturidade. E como todas as ciências, a melhor abordagem é a investigação. Durante o resto da aula, pratiquem essa técnica descobrindo o máximo que puderem sobre o seu novo parceiro. Amanhã, tragam um relatório de suas descobertas, e podem acreditar, eu irei procurar por autenticidade. Isto é biologia, e não inglês, então nem pensem em fantasiar suas respostas. Eu quero ver interação de verdade e trabalho em equipe." Havia um senão... implícito. Eu sentei perfeitamente parada. A bola estava nas mãos dele - eu tinha sorrido, e veja quão bem isso foi. Eu enruguei meu nariz, tentando descobrir a que ele cheirava. Não era a cigarro. Alguma coisa mais rica, asquerosa. Charutos. Eu localizei o relógio na parede e batuquei minha caneta sincronizada com o ponteiro dos segundos. Plantei meu cotovelo na mesa e apoiei meu queixo em meu punho. Soltei um suspiro. Ótimo. Nessa velocidade, eu iria perder. Eu tinha meus olhos fixos à frente, mas eu ouvi o deslizar suave de sua caneta. Ele estava escrevendo, e eu queria saber o que. Dez minutos sentados juntos não o qualificava para fazer nenhuma suposição sobre mim. Passando rapidamente os olhos, eu vi que sua folha estava bastante escrita e ainda vinha mais. "O que você está escrevendo?" Eu perguntei. "E ela fala inglês." ele disse, rabiscando isso no papel, cada ataque de sua mão estável e preguiçoso ao mesmo tempo. Eu me inclinei para o mais próximo dele que eu me atrevia, tentando ler o que mais ele tinha escrito, mas ele dobrou o papel ao meio, escondendo a lista. "O que você escreveu?" eu exigi saber. Ele alcançou meu papel em branco, deslizando-o pela mesa até ele. Ele fez uma bola de papel. Antes que eu pudesse reclamar, ele jogou a bola na lata de lixo que ficava do lado da mesa do
treinador. O lance foi certeiro. Eu fitei a lata de lixo por um momento, presa entre descrença e raiva. Então eu arranquei uma nova folha de meu caderno. "Qual o seu nome?" eu perguntei, a caneta pronta para escrever. Eu olhei de relance para ele e encontrei outro sorriso malicioso. Esse parecia me desafiar a arrancar qualquer coisa dele. "Seu nome?" eu repeti, esperando que eu estivesse apenas imaginando que minha voz vacilou. "Me chame de Patch. Tô falando sério. Me chame." Ele piscou ao dizer isso, eu tinha quase certeza que ele estava tirando uma com a minha cara. "O que você faz em seu tempo de lazer?" eu perguntei. "Eu não tenho tempo livre." "Eu suponho que este trabalho valha ponto, então me faz um favor?" Ele se recostou em sua cadeira, dobrando seus braços atrás de sua cabeça. "Que tipo de favor?" Eu tinha quase certeza que era uma indireta, e eu lutei para achar uma forma de mudar de assunto. "Tempo livre," ele repetiu pensativo. "Eu tiro fotos." Eu copiei Fotografia em minha folha. "Eu não tinha terminado," ele disse. "Eu tenho uma coleção e tanta de uma colunista da eZine que acredita estar fazendo o certo ao comer orgânicos, que escreve poesia em segredo, e que estremece só de pensar em ter que escolher entre Stanford, Yale e... qual é aquela grandona que começa com H?" Eu o encarei por um momento, abalada por quão certo ele estava. Eu não achei que fosse um chute de sorte. Ele sabia. E eu queria saber como - agora mesmo. "Mas você vai acabar não indo para nenhuma delas." "Não vou?" eu perguntei sem pensar. Ele enganchou seus dedos embaixo da minha cadeira, puxando-me para mais perto dele. Sem saber se eu deveria me afastar e demonstrar medo, ou não reagir e fingir tédio, eu escolhi o segundo. Ele disse, "Mesmo sabendo que você teria sucesso em todas as três faculdades, você as menospreza por serem um êxito muito clichê. Preconceito é sua terceira maior fraqueza." "E a minha segunda?" eu disse com certa raiva. Quem era esse cara? Isso era algum tipo de brincadeira perturbadora? "Você não sabe como confiar. Eu retiro isso. Você confia - só que nas pessoas erradas." "E a minha primeira?" eu quis saber.
"Você mantem a vida em rédea curta." "O que isso quer dizer?" "Você tem medo do que não pode controlar." Os pêlos da minha nuca se eriçaram, e a temperatura da sala pareceu esfriar. Normalmente eu teria ido direto à mesa do treinador e pedido por um novo mapa de sala. Mas eu me recusei a deixar Patch pensar que poderia me intimidar ou me amedrontar. Eu senti uma necessidade irracional de me defender e decidi na hora que eu não daria para trás até que ele o fizesse. "Você dorme pelada?" ele perguntou. Minha boca ameaçou abrir, mas eu a mantive firme. "Dificilmente você seria a pessoa a quem eu contaria isso." "Já foi a um psicólogo?" "Não," eu menti. A verdade era eu que estava me consultando com o psicólogo da escola, Dr. Hendrickson. Não era por escolha, e não era algo que eu gostasse de falar sobre. "Já fez alguma coisa ilegal?" "Não." Ultrapassar o limite de velocidade ocasionalmente não conta. Não com ele. "Por que você não me pergunta alguma coisa normal? Tipo... meu tipo de música preferido?" "Eu não vou perguntar o que eu posso advinhar." "Você não sabe o tipo de música que eu escuto." "Barroca. Com você, tudo gira em torno de ordem, controle. Aposto que você toca... violoncelo?" ele disse como se ele tivesse pego a resposta no ar. "Errado." Outra mentira, mas essa enviou ondas de calafrios ao longo da minha pele que deixaram meus dedos coçando. Quem era ele realmente? Se ele sabia que eu tocava violoncelo, o que mais ele sabia? "O que é isso?" Patch cutucou o lado de dentro do meu pulso com sua caneta. Instintivamente eu me afastei. "Uma marca de nascença." "Parece uma cicatriz. Você é suicida, Nora?" Seus olhos se conectaram com os meus, e eu podia senti-lo rindo. "Pais casados ou divorciados?" "Eu moro com minha mãe." "Cadê papai?" "Meu pai morreu ano passado." "Como ele morreu?"
"Eu hesitei. "Ele foi - assassinado. Isso é um pouco pessoal, se você não se importa." Houve um momento de silêncio e o canto dos olhos de Patch pareceram suavizar um pouco. "Isso deve ser difícil." Ele soou sincero. O sino tocou e Patch já estava de pé, encaminhando-se para a porta. "Espere," eu gritei. Ele não virou. "Com licença!" Ele estava além da porta. "Patch! Eu não peguei nada sobre você;" Ele virou-se e caminhou até mim. Pegando minha mão, ele rabiscou alguma coisa nela antes mesmo que eu pudesse pensar em puxá-la de volta. Eu dei uma olhada nos sete números em tinta vermelha na palma da minha mão e a fechei em punho. Eu queria dizer a ele que de jeito nenhum seu telefone tocaria hoje à noite. Eu queria dizer a ele que ele era culpado por ter gasto todo o tempo me questionando. Eu queria um monte de coisa, mas eu apenas fiquei em pé ali, como se eu não soubesse como abrir minha boca. Por fim, eu disse, "Estou ocupada hoje à noite." "Eu também." Ele sorriu e se foi. Eu fiquei presa onde estava, digerindo o que tinha acabado de acontecer. Ele ocupou todo o tempo me fazendo perguntas de propósito? Então eu falhei? Ele achou que um mero sorriso brilhante iria redimi-lo? Sim, eu pensei. Sim, ele achou. "Eu não vou ligar!" Eu gritei para ele. "Nem - nunca!" "Você terminou a sua coluna para o prazo de amanhã?" Era Vee. Ela apareceu do meu lado, rabiscando anotações no caderninho que ela carregava para todo canto. "Eu estou pensando em escrever a minha sobre a injustiça dos mapas de sala. Eu fiquei com uma garota que me disse que tinha feito um tratamento para piolho essa manhã." "Meu novo parceiro," eu disse, apontando para as costas de Patch no corredor. Ele tinha um andar irritantemente confiante, o tipo que você associa a camisetas desbotadas e um chapéu de caubói. Patch não usava nenhum dos dois. Ele era o tipo de cara jeans-escuro-com-camisa-escura-e-botaspretas. "O veterano transferido? Acho que ele não estudou muito da primeira vez. Ou da segunda." Ela me deu um olhar astuto. "A terceira vez é um charme." "Ele me assusta. Ele sabia meu gosto musical. Sem nenhuma dica que fosse, ele disse 'barroca'." Eu fiz um péssimo trabalho tentando imitar a voz grave dele. "Chute de sorte?" "Ele sabia... outras coisas." "Tipo o que?" Eu soltei um suspiro. Ele sabia mais do que eu queria confortavelmente aceitar. "Tipo como eu
funciono." eu disse, por fim. "Eu vou dizer ao treinador que ele tem que nos colocar juntas de novo." "Vá em frente. Eu poderia me aproveitar do resultado disso para o meu próximo artigo do eZine. 'Secundarista se opõe.' Melhor ainda, 'Mapa de sala leva um tapa na cara'. Hmm, eu gostei." Ao final do dia, eu fui aquela a levar um tapa na cara. O treinador indeferiu meu apelo para repender o mapa de sala. Aparentemente eu estava presa com Patch. Por agora.
Capítulo Dois Minha mãe e eu vivemos em uma quinta projetada no século XVIII nos limites de Coldwater. É a única casa em Hawtorne Lane, e os vizinhos mais próximos estão a pelo menos uma milha de distância. Eu às vezes me pergunto se o primeiro construtor se deu conta de que de todos os lotes de terra disponíveis, ele decidiu construir a casa no centro de uma misteriosa inversão atmosférica que parece sugar toda a névoa da costa do Maine e transplantá-la para o nosso quintal. A casa estava neste momento oculta por uma escuridão que lembrava fugas e espíritos errantes. Eu passei a tarde plantada em um banco de bar na cozinha, na companhia de meu dever de álgebra e de Dorothea, nossa governanta. Minha mãe trabalha para a Companhia de Leilão Hugo Renaldi, coordenando leilões de bens e antiguidades por toda a Costa Leste. Esta semana ela estava em Charleston, Carolina do Sul. Seu trabalho demandava muita viagem, e ela pagava a Dorothea para limpar e cozinhar, mas eu tinha certeza que havia uma nota na ficha de trabalho de Dorothea que incluía ter um cuidado extra e maternal comigo. “Como foi a escola?” Dorothea perguntou com um leve sotaque alemão. Ela estava em pé em frente a pia, esfregando uma caçarola com resto de lasanha cozida. “Eu tenho um novo parceiro de biologia.” “Isso é uma coisa boa ou uma coisa ruim?” “Vee era minha antiga parceira.” “Humph.” Mais esfregadas vigorosas, e a carne do antebraço de Dorothea sacudiu. “Uma coisa ruim, então.” Eu suspirei, concordando. “Me conte sobre o novo parceiro. Essa garota, como ela é?” “Ele é alto, moreno, e chato.” E misteriosamente fechado. Os olhos de Patch eram órbitas pretas. Assimilando tudo e dizendo nada. Não que eu quisesse saber mais sobre Patch. Já que eu não gostei do que eu vi na superfície, eu duvido que eu vá gostar do que está escondido embaixo dela. Só que isso não era exatamente verdade. Eu gostei bastante do que eu vi. Os longos e magros músculos de seus braços, ombros largos, mas relaxados, e um sorriso que era em parte brincalhão, parte sedutor. Eu estava em uma luta perturbadora comigo mesma, tentando ignorar o que tinha começado a parecer irresistível. Às nove horas, Dorothea terminou o serviço e fechou tudo ao sair. Em meio a um adeus, eu fotografei a varanda duas vezes; o flash deve ter penetrado a névoa, porque ela me respondeu com uma buzina. Eu estava sozinha. Eu fiz um inventário dos sentimentos se agitando dentro de mim. Eu não estava com fome. Eu não estava cansada. Eu nem estava me sentindo tão sozinha. Mas eu estava um pouco inquieta sobre o meu trabalho de biologia. Eu tinha dito a Patch que não iria ligar, e há seis horas atrás eu estava falando sério. Tudo em que eu podia pensar agora era que eu não queria perder em biologia.
Biologia era a minha matéria mais difícil. Minhas notas oscilavam problematicamente entre A e B. Em minha cabeça, havia uma diferença entre uma bolsa escolar integral e uma parcial em meu futuro. Eu fui para a cozinha e peguei o telefone. Eu olhei para o que restava dos sete números escritos em minha mão. Secretamente, eu esperava que Patch não atendesse à minha ligação. Se ele estivesse indisponível ou não colaborasse com os trabalhos, era uma evidência que eu poderia usar contra ele para convencer o treinador para desfazer o mapa de sala. Sentindo-me esperançosa, eu disquei o número dele. Patch atendeu no terceiro toque. “E aí?” Num tom imponente, eu disse, “Eu estou ligando para ver se podemos nos encontrar hoje a noite. Eu sei que você disse estaria ocupado, mas -” “Nora.” Patch disse meu nome como se fosse a resposta de uma piada. “Pensei que você não fosse ligar. Nunca.” Eu odiei estar pagando minha língua. Eu odiei Patch por estar esfregando isso na minha cara. Eu odiei o treinador e seu trabalho demente. Eu abri minha boca, esperando que algo inteligente saísse dela. “E aí? Podemos nos encontrar ou não?” “Como eu tinha dito, eu não posso.” “Não pode, ou não vai?” “Eu estou no meio de um jogo de sinuca.” Eu ouvi o sorriso em sua voz. “Um jogo de sinuca importante.” Pelo barulho de fundo que eu ouvi quando ele terminou de falar, eu achei que ele estava dizendo a verdade – sobre o jogo de sinuca. Se era mais importante que o meu trabalho de biologia, isso era questionável. “Onde você está?” eu perguntei. “Bo's Arcade. Não é muito a sua praia.” “Então vamos fazer a entrevista pelo telefone. Eu tenho uma lista de perguntas bem -” Ele desligou na minha cara. Eu fitei o telefone sem acreditar, e então arranquei uma folha em branco do meu caderno. Eu rabisquei Imbecil na primeira linha. Na linha debaixo eu acrescentei: Fuma charutos. Vai morrer de câncer de pulmão. Espero que logo. Excelente forma física. Eu risquei a última informação imediatamente até que ficasse ilegível. O relógio do microondas marcava 21h05. Do jeito que eu via, eu tinha duas escolhas. Ou eu inventava minha entrevista com Patch, ou eia até o Bo's Arcade. A primeira opção parecia bem tentadora, se eu apenas pudesse bloquear a voz do treinador avisando que ele iria verificar todas as respostas para ver se eram verdadeiras. Eu não sabia o suficiente sobre Patch para blefar uma entrevista inteira. E a segunda opção? Nem um pouco tentadora.
Eu adiei tomar uma decisão tempo o suficiente para ligar para minha mãe. Parte do nosso acordo para que ela trabalhasse e viajasse tanto era que eu agisse responsavelmente e não ser o tipo de filha que requeria constante supervisão. Eu gostava da minha liberdade, e eu não queria fazer nada para dar motivos para que minha mãe ganhasse uma redução salarial e arranjasse um trabalho local só para manter um olho em mim. No quarto toque, o correio de voz atendeu. “Sou eu,” eu disse. “Só dando um oi. Eu tenho um trabalho de biologia para fazer, e depois eu vou para a cama. Me ligue amanhã no almoço, se você quiser. Te amo.” Depois que eu desliguei, eu achei uma moeda no armário da cozinha. Melhor deixar decisões difíceis para o destino. “Cara eu vou,” eu disse ao perfil de George Washington. “coroa eu fico.” Eu joguei a moeda para cima, peguei ela de volta e me atrevi a dar uma olhada. Meu coração comprimiu uma batida extra, eu disse a mim mesma que eu não tinha certeza o que isso significava. “Agora não está mais nas minhas mãos,” eu disse. Determinada a acabar com tudo o mais rápido possível, eu peguei um mapa que estava em cima da geladeira, peguei minhas chaves, e coloquei o meu Fiat Spider na estrada. O carro provavelmente era fofo em 1979, mas eu não me ligava na cor chocolate dele, a ferrugem se espelhando no párachoque traseiro, ou nos bancos de couro rachados. Bo's Arcade acabou se mostrando muito mais longe do que eu gostaria, localizado perto da orla marítima, uma viagem de trinta minutos. Com o mapa aberto sobre o volante, eu estacionei o Fiat atrás de um prédio de concreto acinzentado com um letreiro elétrico que piscava BO'S ARCADE, MAD BLACK PAINTBALL & HALL DE SINUCA DO OZZ. Pichação inundava as paredes, e ponta de cigarro salpicavam o chão. Claramente Bo's estava cheio de estudantes top de linha e cidadãos modelo. Eu tentei manter meus pensamentos sublimes e indiferentes, mas meu estômago estava um pouco inquieto. Após checar duas vezes se eu tinha travado as portas, eu me encaminhei para dentro. Eu fiquei na fila, esperando para passar pelas cordas. Assim que o grupo a minha frente pagou, eu me espremi, indo em direção a confusão de biscates barulhentas e luzes piscantes. “Tá achando que merece uma volta de graça?” gritou uma voz rouca de fumante. Eu me virei e olhei atônita para o caixa cheio de tatuagens. Eu disse, “Eu não estou aqui para jogar. Estou procurando por alguém.” Ele rosnou. “Você quer passar por mim, você paga.” Ele colocou as mãos sobre o caixa, onde uma faixa tinha sido colada com fita adesiva, mostrando que eu devia quinze dólares. Em dinheiro. Eu não tinha dinheiro. E se eu tivesse, eu não o teria gasto para passar alguns minutinhos interrogando Patch sobre a vida pessoal dele. Eu senti uma uma raiva enorme do mapa de sala e por ter que estar aqui em primeiro lugar. Eu só precisava achar Patch, e aí nós poderíamos fazer a entrevista do lado de fora. Eu não ia dirigir tudo isso e sair de mãos vazias. “Se eu não estiver de volta em dois minutos, eu pago os quinze dólares,” eu disse. Antes que eu
pudesse pensar melhor ou tomar um pouco de coragem, eu fiz algo totalmente fora do comum e mergulhei por debaixo das cordas. Eu não parei por aí. Eu corri pela galeria, mantendo meus olhos abertos, procurando por Patch. Eu disse a mim mesma que não podia acreditar que eu estava fazendo isso, mas eu era como uma bola de neve rolando, ganhando velocidade e força. Agora eu só queria achar Patch e sair. O caixa me seguiu, gritando, “Ei!” Certa de que Patch não estava no andar principal, eu corri levemente escada abaixo, seguindo as placas para o Hall de Sinuca do Ozz. No pé da escada, uma luz turva iluminava várias mesas de pôquer, todas em uso. Fumaça de cigarro quase tão densa como a névoa que envolvia minha casa se anuviava no teto baixo. Aninhado entre as mesas de pôquer e o bar, havia uma carreira de mesas de sinuca. Patch estava esticado sobre a mais longe de mim, tentando acertar uma bola difícil. “Patch!” eu gritei. Assim que eu falei, ele deu a tacada, levando o taco ao topo da mesa. Ele ergueu a cabeça assustado. Ele me encarou com uma mistura de surpresa e curiosidade. O caixa desceu sofregamente a escada atrás de mim, pressionando meu ombro com sua mão. “Lá para cima. Agora.” A boca de Patch fez um outro quase-sorriso. Difícil dizer se era jocoso ou amigável. “Ela está comigo.” Isso pareceu ter alguma influência sobre o caixa, que diminuiu um pouco a pressão em meu ombro. Antes que ele pudesse mudar de ideia, eu sacudi meus ombros, retirando a mão dele, e me contorci entre as mesas até Patch. Eu dei os primeiros passos com desenvoltura, mas vi minha segurança se esvaindo a medida em que chegava perto dele. Eu imediatamente percebi algo diferente nele. Eu não conseguia dizer exatamente o que, mas eu podia sentir isso como se fosse eletricidade. Mais animosidade? Mais segurança. Mais liberdade para ser ele mesmo. E aqueles olhos pretos estavam me prendendo. Eles eram como imãs se agarrando a cada passo meu. Eu engoli discretamente e tentei ignorar a dança enjoativa que meu estômago fazia. Eu não conseguia dizer o que, mas algo em Patch não estava certo. Alguma coisa nele não era normal. Alguma coisa não era... segura. “Desculpa por desligar na sua cara,” Patch disse, vindo para meu lado. “O sinal não é muito bom aqui embaixo.” Aham, claro. Com um aceno de cabeça, Patch fez os outros irem embora. Houve um silêncio estranho antes que alguém se mexesse. O primeiro cara a sair esbarrou em meu ombro enquanto passava por mim. Eu dei um passo para trás para me equilibrar e olhei para cima bem a tempo de receber olhares fulminantes dos outros dois jogadores enquanto eles saíam. Maravilha. Não era minha culpa que Patch fosse meu parceiro.
“Eight ball*?” eu perguntei a ele, levantando minhas sobrancelhas e tentando soar totalmente segura de mim mesma, de meus arredores. Talvez ele estivesse certo e Bo's não era bem a minha praia. Isso não significava que eu ia escapulir porta afora. “Quão altas são as apostas?” *Eight ball é um jogo popular de sinuca. Seu sorriso aumentou. Dessa vez eu tinha certeza que ele estava zombando de mim. “Nós não jogamos por dinheiro.” Eu coloquei minha bolsa no canto da mesa. “Que pena. Eu ia apostar tudo o que eu tinha contra você.” Eu levantei meu trabalho, duas linhas já preenchida. “Poucas perguntas, rapidinho, e eu vou embora.” “Imbecil?” Patch leu em voz alta, inclinando-se sobre seu taco de sinuca. “Câncer de pulmão? Isso deveria ser profético?” Eu assoprei meu trabalho no ar. “Eu conclui que você contribui para a atmosfera. Quanto cigarros por noite? Um? Dois?” “Eu não fumo.” Ele soou sincero, mas eu não caí nessa. “Uhum,” eu disse, colocando o papel na mesa entre a bola oito e a bola roxa. Acidentalmente eu toquei a bola roxa enquanto escrevia definitivamente fuma na terceira linha. “Você está bagunçando o jogo,” Patch disse, ainda sorrindo. Eu encontrei seus olhos e não pude evitar retribuir o sorriso – brevemente. “Espero que não em seu favor. Maior sonho?” Eu estava orgulhosa dessa aqui, porque eu sabia que iria embaraçá-lo. Requeria reflexão prévia. “Te beijar.” “Não teve graça,” eu disse, segurando seu olhar, agradecida por não ter gaguejado. “Não, mas te fez corar.” Eu peguei impulso e sentei-me na beira de mesa, tentando parecer indiferente enquanto o fazia. Eu cruzei minhas pernas, usando meu joelho como apoio para escrever. “Você trabalha?” “Eu sou garçom no Borderline. Melhor restaurante mexicano da cidade.” “Religião?” Ele não pareceu surpreendido pela pergunta, mas também não demonstrou alegria. “Eu pensei que você tivesse dito umas poucas perguntas. Você já está na quarta.” “Religião?” eu perguntei mais firmemente. Patch passou a mão pensativo pela linha de seu queixo. “Religião não... seita.” “Você faz parte de uma seita?” Eu percebi tardiamente que eu não deveria ter soado tão surpresa. “Acontece que eu estou precisando de um saudável sacrifício feminino. Eu tinha planejado seduzir
ela antes, mas se você está pronta agora...” Qualquer sorriso remanescente em meu rosto foi embora. “Você não está me impressionando.” “Eu nem comecei a tentar ainda.” Eu desci da mesa e fiquei em pé em frente a ele. Ele era uma cabeça mais alto. “Vee me disse que você é um veterano. Quantas vezes você já perdeu em biologia? Uma vez? Duas vezes?” “Vee não é minha porta-voz.” “Você nega ter perdido?” “Eu estou te dizendo que eu não fui para a escola ano passado.” Seus olhos me provocavam. Isso só me fez ficar mais determinada. “Você matava aula?” Patch colocou seu taco de sinuca em cima da mesa e dobrou o dedo me chamando para mais perto. Eu não fui. “Um segredo?” ele disse, em tom de confidência. “Eu nunca fui para a escola antes. Outro segredo? Não é tão maçante quanto eu esperava.” Ele estava mentindo. Todo mundo ia a escola. Havia leis. Ele estava mentindo para me tirar do sério. “Você acha que eu estou mentindo,” ele disse em meio a um sorriso. “Você nunca foi a escola, nunca? Se isso é verdade – e você está certo, eu não acho que seja – o que te fez decidir ir esse ano?” “Você.” O impulso para me sentir amedrontada se apoderou de mim, mas eu disse a mim mesma que isso era exatamente o que Patch queria. Permanecendo firme, eu tentei agir aborrecida em vez de amedrontada. Mesmo assim, levou um tempo para que eu recuperasse minha voz. “Isso não é uma resposta de verdade.” Ele deve ter dado um passo para perto de mim, porque subitamente nossos corpos estavam separados por nada mais que uma margem superficial de ar. “Seus olhos, Nora. Esses olhos cinzentos e frios são surpreendentemente irresistíveis.” Ele inclinou sua cabeça para os lados, como se para me analisar de um novo ângulo. “E essa boca curvilínea de matar.” Não tão assustada pelo seu comentário, mas aquela parte de mim respondia positivamente a isso, eu dei um passo para trás. “Já deu. Eu estou indo embora.” Mas assim que as palavras saíram de minha boca, eu sabia que elas não eram verdadeiras. Eu senti uma necessidade de dizer algo mais. Procurando na confusão de pensamentos em minha cabeça, eu tentei achar o que era que eu tinha para dizer. Por que ele era tão sarcástico, e por que ele agia como se eu tivesse feito algo para merecer isso? “Você parecer saber bastante sobre mim,” eu disse, contando a novidade do ano. “Mais do que deveria. Você parece saber exatamente o que dizer para me deixar desconfortável.”
“Você facilita.” Uma fagulha de raiva queimou em mim. “Você admite que está fazendo isso de propósito?” “Isso?” “Isso – me provocando.” “Diga 'provocando' de novo. Sua boca fica provocante quando você diz.” “Acabamos. Termine seu jogo de sinuca.” Eu peguei seu taco de sinuca e empurrei para ele. Ele não o aceitou. “Eu não gosto de sentar ao seu lado,” eu disse. “Eu não gosto de ser sua parceira. Eu não gosto de seu sorriso condescendente.” Minha mandíbula se contorceu – coisa que só acontecia quando eu mentia. Eu me perguntei se eu estava mentindo agora. Se eu estava, eu queria me dar um chute. “Eu não gosto de você,” eu disse o mais convincente que eu pude, e empurrei o taco contra seu peito. “Eu estou feliz que o treinador nos colocou juntos,” ele disse. Eu detectei uma leve ironia na palavra “treinador”, mas eu não consegui encontrar nenhum significado escondido. Dessa vez ele pegou o taco de sinuca. “Eu estou lutando para mudar isso,” eu rebati. Patch achou isso tão engraçado que chegou a mostrar os dentes quando sorriu. Ele veio até mim, e antes que eu pudesse me afastar, ele desenrolou algo do meu cabelo. “Pedaço de papel”, ele explicou, jogado o papel no chão. Quando ele afastou sua mão, eu notei uma marca em seu pulso. De início eu achei que fosse uma tatuagem, mas uma segunda olhada revelou uma marca de nascença marrom avermelhado levemente alta. Tinha a forma de uma gota respingada de tinta. “Este é um lugar infeliz para uma marca de nascença,” eu disse, mais do que um pouco enervada pelo fato de estar posicionada tão similarmente à minha própria cicatriz. Patch casual e notadamente puxou a manga de sua blusa para cobrir seu pulso. “Você preferiria em algum outro lugar mais privado?” “Eu não preferiria ela em lugar nenhum.” Eu não tinha certeza de como eu tinha soado, então falei de novo. “Eu não me importaria se você nem a tivesse.” Eu tentei uma terceira vez. “Eu não me importo com sua marca de nascença, ponto.” “Mais alguma pergunta?” ele perguntou. “Comentários?” “Não.” “Então eu te vejo na aula de biologia.” Eu pensei em dizer a ele que ele nunca mais me veria outra vez. Mas eu não ia pagar minha língua duas vezes em um dia.
Mais tarde naquele noite, um barulho me acordou. Com minha cara afundada no travesseiro, eu esperei tensa, todos os meus sentidos em alerta máximo. Minha mãe ficava fora da cidade pelo menos uma vez por mês por causa do trabalho, então eu estava acostumada a dormir sozinha, e já fazia meses desde que eu tinha imaginado o som de passos arrastando-se pelo chão até o meu quarto. A verdade é que eu nunca me senti completamente só. Logo depois de terem atirado no meu pai até a morte em Portland, enquanto ele comprava o presente de aniversário de minha mãe, uma presença estranha adentrou minha vida. Como se alguém estivesse orbitando o meu mundo, observando a distância. A princípio, a presença fantasma tinha me assustado, mas quando nada de ruim aconteceu, minha ansiedade se foi. Eu comecei a me questionar se havia um propósito cósmico que explicasse o jeito que eu me sentia. Talvez o espírito de meu pai estivesse por perto. Esse pensamento normalmente era reconfortante, mas hoje à noite era diferente. A presença era como gelo na pele. Virando um pouco minha cabeça, eu vi uma forma indefinida se esticando pelo chão do meu quarto. Eu me virei totalmente para encarar a janela, a coluna transparente de luar sendo a única luz no quarto capaz de moldar uma sombra. Mas não havia nada lá. Eu apertei meu travesseiro contra mim e disse a mim mesma que era uma nuvem passando pela lua. Ou um pedaço de lixo flutuando com o vento. Ainda assim, eu passei os minutos seguintes esperando minha pulsação se acalmar. Quando eu encontrei coragem para sair da cama, o quintal abaixo de minha janela estava silencioso e quieto. O único barulho vinha dos arbustos das árvores arranhando a casa, e meu próprio coração pulsando dentro de mim. © 2009 by Becca Fitzpatrick