Maria de Lourdes Lauande Lacroix
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Maria de Lourdes Lauande Lacroix
J e r ô n i m o d e Al b u q u e r q u e M a r a n h ã o Guerra e fundação no Brasil colonial
Maria de Lourdes Lauande Lacroix
São Luis UEMA 2006
J e r ô n i m o d e Al b u q u e r q u e M a r a n h ã o Guerra e fundação no Brasil colonial
Universidade Estadual do Maranhão José Augusto Silva Oliveira Reitor Iran de Jesus Rodrigues dos Passos Divisão de Editoração Coleção Leitura Maranhenses – volume 2 Organizadores Alan Kardec Gomes Pacheco Filho José Henrique de Paula Borralho Helidacy Maria Muniz Corrêa Capa Edgar Rocha e Nazareno Almeida Diagramação Zeca Diniz
Imagem da Capa
Foto cedida pelo SENAC de São Paulo do mapa feito pelo português João Teixeira Albernaz, em torno de 1615, talvez doado por La Ravardière a Diogo de Campos Moreno.
Lacroix, Maria de Lourdes Lauande Jerônimo de Albuquerque Maranhão: guerra e fundação no Brasil Colonial / Maria de Lourdes Lauande Lacroix, São Luís, UEMA, 2006. 167p. (Coleção Leituras Maranhenses, v. 2) ISBN: 86036-15-3 1. História do Maranhão. 2.Batalha de Guaxenduba. 3. Fundação de São Luís. I. Título CDU:94(812.1).02
Maria de Lourdes Lauande Lacroix
A Lamartine Maranhão, pelo incentivo e a persistente cobrança do trabalho. Aos implacáveis Flávio Reis e Flávio Soares, leitores atentos, pelas inúmeras críticas e sugestões. A José Maria de Jesus e Silva, pela cuidadosa revisão do texto.
A Gilles, meu marido, presença constante e indispensável.
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SUMÁRIO
Prefácio
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Nota ao leitor
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Os Albuquerque de Portugal
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A Capitania de Pernambuco
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Jerônimo de Albuquerque
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Jerônimo de Albuquerque Maranhão
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Guerra e colonização
47
A Jornada do Maranhão segundo Diogo de Campos Moreno.
61
Jerônimo de Albuquerque Maranhão e a expulsão dos franceses
111
Sobre o relato de Diogo de Campos Moreno
121
A Batalha de Guaxenduba na historiografia.
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Jerônimo de Albuquerque Maranhão e a fundação de São Luis
147
Fontes impressas
161
Referencias bibliográficas
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Maria de Lourdes Lauande Lacroix
Prefácio
É muito oportuna a publicação deste livro da historiadora e professora universitária Maria de Lourdes Lauande Lacroix sobre a saga do grande povoador e guerreiro Jerônimo de Albuquerque Maranhão e do povoamento e ocupação da importante capitania que hoje forma o Estado do Maranhão, procurando certificar fatos históricos e estabelecer prioridades, a fim de melhor esclarecer a evolução do estado situado entre o Nordeste e o Norte do país. O livro analisa a projeção histórica dos Albuquerque desde a vida portuguesa, onde foram guerreiros e comensais da Casa Real, a transferência de dois irmãos para Pernambuco, Brites, esposa, e Jerônimo de Albuquerque, cunhado do donatário Duarte Coelho, seu lugar-tenente, e seu relacionamento com colonos e com indígenas. Do seu casamento com a filha do cacique Arcoverde deixou numerosa prole, destacando-se o filho que realizou
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a conquista do Rio Grande do Norte e, depois estendeu sua ação ao Maranhão, a fim de lutar contra os franceses que invadiram a porção setentrional do Brasil e, segundo tradição recente, fundaram a cidade de São Luis. Baseou-se na rica bibliografia existente, em autores como Abbeville, Berredo, Bettendorff, Borges da Fonseca, Evreux, João Francisco Lisboa, Diogo de Campos Moreno, Frei Vicente de Salvador, Varnhagen e outros autores modernos, com elevado espírito crítico como Capistrano de Abreu, Raymundo Faoro, Gonçalves de Mello, Pedro Puntoni, Paulo Maranhão, Ricardo Vainfas, etc que, em textos memoráveis, fizeram análises do problema. A autora já publicou em 2002 o livro A Fundação Francesa de São Luis e seus Mitos onde contesta que a Capital do Maranhão tenha resultado de uma fundação francesa, mas que, ao contrário, teria sido uma complementação da ação administrativa do herói de Guaxenduba, como demonstra a historiografia dos séculos XVII, XVIII e XIX. O presente trabalho traz uma análise segura da ação do mameluco pernambucano, conquistador dos espaços indígenas do Nordeste e da atuação um pouco dúbia do funcionário do Reino, Diogo de Campos Moreno, que deixou um interessante livro do processo de conquista portuguesa do Brasil, no início da colonização, que poderíamos chamar, com alguma liberdade, de pré-holandês.
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Como somos partidários de uma maior divulgação de estudos de história regional e local, a fim de que possamos aprofundar os estudos da história brasileira, e como o livro de Maria de Lourdes Lacroix traz informações fundamentais sobre o início da colonização do Maranhão, consideramos da maior importância a sua edição e parabenizamos a Universidade Estadual do Maranhão pela sua divulgação. Recife, 22 de novembro de 2006. Manoel Correia de Andrade
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Nota ao Leitor
Na década de setenta do século passado, São Luís ganhou várias avenidas, e o governo do Estado resolveu homenagear as nacionalidades de alguns personagens históricos que por aqui passaram ou que ajudaram a construir a capitania do Maranhão, franceses, holandeses, portugueses, africanos e guajajaras. Além destes, dois dos principais comandantes que disputaram a posse da terra no início do século XVII: Daniel de La Touche, Senhor de La Ravardière, e Jerônimo de Albuquerque. Um erro histórico passou despercebido por décadas, até a vinda de Lamartine Maranhão, pernambucano descendente do conquistador português, que nos alertou para o fato de que o nome Jerônimo de Albuquerque, dado a uma avenida de São Luís, era do pai do nosso primeiro capitão-mor, uma vez que o líder da expedição, no ato da assinatura do armistício entre franceses e portugueses, acrescentou ao seu nome o sobrenome “Maranhão”, passando-
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o a todos os seus descendentes. Esclarecido este equívoco, em documento encaminhado ao vereador José Joaquim Guimarães Ramos, o edil levou ao plenário da Câmara Municipal o Projeto de lei nº 161, de retificação do nome da avenida, sendo aprovado por unanimidade em 2 de setembro de 2005 e sancionado pelo Prefeito de São Luís em 24 de março de 2006 (Lei nº 4.583). Após a decisão da mudança do nome da avenida, recebemos a sugestão de escrever um perfil histórico de Jerônimo de Albuquerque Maranhão. Raramente quem escreve história se liberta de certo ranço de buscar os antecedentes de qualquer objeto de estudo. Este trabalho não fugiu à regra, pois, para escrever sobre as atividades que motivaram o pernambucano a acrescentar ao seu nome o agnome Maranhão, fomos rastrear as suas origens, sua vida em Pernambuco, suas andanças pela Paraíba, Rio Grande do Norte, Caeté e, por fim, acompanhar sua trajetória na verdadeira saga que foi a Jornada do Maranhão.
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Os Albuquerque de Portugal
É célebre a frase: “os fidalgos fazem os reis e estes fazem os nobres”, ou seja, o monarca podia dar o título de nobre a qualquer pessoa, porém a fidalguia era hereditária, como é o exemplo dos Albuquerque, uma das mais antigas famílias de Portugal, unida a várias outras, inclusive com as de sangue real das casas de Castela e Portucalense. Dom Afonso Teles de Menezes, segundo senhor de Menezes, Medelim, Monte Alegre e outras terras foi o primeiro povoador de Albuquerque, vila de que também teve o senhorio. Dom Afonso Sanches, filho natural de Dom Dinis, rei de Portugal, com Dona Aldonza Rodrigues Telha, ao casar com Dona Tereza Martins, neta pelo lado materno de Dom Sanches, rei de Castela, tiveram João Afonso, primogênito que acumulou os títulos de seus ancestrais e foi nomeado Alferes-mor do rei de Castela. Aumentou seu status quando casou com Dona Izabel de Menezes, que acumulava os títulos de Senhora de Menezes,
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Monte Alegre, Vinha e outros lugares. Seu sogro, Afonso de Menezes foi o povoador de Albuquerque e para homenagear o lugar onde o pai de sua mulher havia erguido um castelo, acrescentou Albuquerque ao seu nome, de onde também foi senhor. Da reconhecida posição dos Albuquerque, fidalgos freqüentadores do paço real, e de muita influência nos destinos do reino, foram escritos vários poemas. O bispo de Malaca, Dom João Ribeiro Gajo, compôs a seguinte homenagem: do limpo sangue dos Godos do filho Del rei Diniz e de Teresa Martins vêm os Albuquerque todos com as quinas e a flor de Liz O grande poeta lusitano, Luís de Camões, também prestou homenagem aos Albuquerque: Esta luz é de fogo e das luzentes Armas com que Albuquerque ira amansando De Ormuz os Perseus... Um dos membros mais destacados da família foi Dom Afonso de Albuquerque, tio-avô de Jerônimo de Albuquerque. Como vice-rei da Índia, entre 1509 e 1515, duplicou a área ocupada pelo Estado português e amealhou grande riqueza no Oriente, mandando ouro, prata, especiarias e cereais, administrando com habilidade suficiente para fazer preponderar paz e tranqüilidade. Durante seu governo, Portugal desfrutou de grande prestígio na Ásia
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e se transformou em um dos países mais prósperos da Europa. Intrigas de mercadores resultaram em sua dispensa da função por Dom Manuel I, o Venturoso. Dom Afonso, amargurado, queixou-se: “Mal com os homens por amor a el-rei e mal com el-rei por amor aos homens”. Pediu para ser levado a Goa e faleceu ao chegar na capital oriental do Império português. Pelos fidalgos Albuquerque e outros poucos que vieram para o Brasil com o donatário, na segunda metade do século XVII, Pernambuco passou a ser considerada, pelos descendentes dos povoadores, como a capitania ímpar, pelo seu caráter aristocrático. Observe-se que ainda não foi encontrado nenhum documento em que Duarte Coelho falasse que trouxe uma “arribada de fidalgos à fundação da Nova Lusitania”. Em carta a D. João III, o donatário usa as expressões “moradores” e “povoadores”, subtendendo que a maioria da população era plebéia: pessoas nobres e honradas, juntamente com o povo. Nobres beneficiados, residentes em Portugal, mandaram seus agentes e feitores povoarem Pernambuco. Os nobres vindos com Duarte Celho eram “presença rala e excepcional”. Naqueles tempos não havia a expressão nobres da terra, antes, havia nobres na terra. O termo “principal”, como substantivo ou adjetivo, era usado para designar os de certa projeção política ou econômica. Jorge, neto de Duarte Coelho e quarto donatário, em suas
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Memórias diárias, alude a “nobre” para os ricos com séqüito de homens livres e escravos, ocupantes de cargos públicos, militares, religiosos e chefes indígenas. As posições sociais e as fortunas eram instáveis e quase equivalentes, motivo pelo qual não havia um rigor no uso dos termos, como em Portugal. O vocábulo “povo” também incluía nobre, clérigo, rico, pobres, raramente distinguindo o nobre do popular. Gradativamente, foi acentuando-se a diferença entre mazombos e reinóis. Somente em meados daquele século construiu-se a imagem do caráter aristocrático da colonização duartina. O novo coletivo adotado pelos descendentes de “pessoas principais”, passados a “nobres da terra”, possibilitou a ascensão, à condição fidalga, de famílias sem nenhum suporte para a referida promoção estamental. A necessidade desse status assegurador de posição política e social deveu-se, dentre outras coisas, à ascensão econômica dos mascates do Recife que puseram em xeque a hegemonia desses herdeiros tradicionais. Os Albuquerque e alguns membros de outras poucas Casas faziam parte, de fato, da aristocracia do Reino. Outros, porque vieram com o donatário, ou lutaram contra os holandeses, ou ocuparam cargos civis e
Mazombo – filho de português nascido no Brasil que poderia adotar (no sentido de manter) tanto a nacionalidade lusitana quanto a brasileira (no sentido figurativo), pois tudo era parte do Império Português.
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militares, ou conseguiram posição social como senhores de engenho, foram considerados nobres por seus filhos e netos, confundindo-se com a nobreza metropolitana. O mito da aristocracia açucareira pernambucana tomou corpo com a sua aceitação pelos naturais de Pernambuco, livres e não nobres, em decorrência dos confrontos entre mazombos e mascates. Como disse Evaldo Cabral de Mello, forjava-se a primeira coalisão nativista da história pernambucana, apontada por documentos de 1710-1711: “a nobreza e os mais moradores”, a “gente e os nobres da terra”, dentre outras expressões. Nessa segunda metade do século XVII, várias famílias pleitearam o status de nobre, providenciando levantamentos genealógicos, que muito contribuíram para a formação da ideologia nativista pernambucana. O matrimônio também foi outro meio de aquisição de nobreza. Antonio de Sá da Maia casou com Dona Catarina de Melo Albuquerque, neta de Jerônimo de Albuquerque e Dona Felipa de Melo; Felipa de Sá casou com João de Albuquerque, o morgado, primogênito dos filhos legítimos de Jerônimo.
Evaldo Cabral de Mello. Rubro Veio: o imaginário da restauração pernambucana. 2ª. Edição Revisada e aumentada, Rio de Janeiro: Topbooks, 1997, p. 168.
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A febre genealógica também afetou o Reino. Brás Teles de Menezes solicitou notícias da ascendência brasileira do sogro, “um Albuquerque Maranhão de Cunhaú”. Historiadores como Rocha Pita, Borges da Fonseca e Fernandes Gama classificaram os primeiros colonos como “nobilíssimos”, esquecendo que os fidalgos eram a minoria no meio de uma massa de reinóis, plebeus, desejosos de enriquecer, mesmo corrompendo e tiranizando. Os linhagistas pernambucanos são seguros em relação aos filhos da nobreza palaciana e de toga, como é o exemplo dos Albuquerque, porém, quando se trata de nobres da província ou estrangeiros, as afirmações são duvidosas. Colonos plebeus se tornaram nobres pela antiguidade na capitania – os chegados na segunda metade do século XVI e nos primeiros trinta anos do século XVII – sem nenhuma justificativa de ascendência e status social desses povoadores. No máximo declinam sua naturalidade. Os holandeses operaram como linha divisória: o antes e o depois. Na contraposição entre as estirpes “antigas” e “modernas”, o critério da antiguidade suplantou o da nobreza reinol, a ponto de, ao longo do século XVIII, ter mais valor o descendente de um colono duartino, de um herói da guerra dos holandeses, vereador de Olinda, provedor da Santa Casa de Misericórdia, que ser ori-
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ginário de um morgado minhoto ou de um fidalgo da Casa Real. Os filhos de reinóis com indígenas também formaram famílias ilustres, e esta consideração veio nutrir o mito fundador e o mito integrador. O casamento com filhos e netos de Albuquerque com Maria do Espírito Santo possibilitou a muitos mazombos requererem suas origens e considerarem-se fidalgos, pelo parentesco. Verdadeira “democracia de fidalgos”, como se expressou Nabuco. Matias de Albuquerque Maranhão foi o único filho de Jerônimo que deixou descendentes e, hoje, a família Maranhão se encontra espalhada por vários estados brasileiros, muitos deles conservando a vocação de seus ancestrais, de senhores de engenho e usineiros, os Maranhão de Cunhaú e Matary.
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A Capitania de Pernambuco
Embora um dos menores reinos europeus, Portugal explorou territórios da Ásia, África e América do Sul. Tal feito foi devido, inclusive, à habilidade e necessidade de a Coroa conferir aos nobres e funcionários competentes, em suas colônias, as mais variadas tarefas, promovendo circulação funcional e geográfica. Duarte Coelho, filho ilegítimo de um Gonçalo Coelho, um não fidalgo de nascimento, foi elevado à nobreza por Dom João III, pelos seus feitos no Oriente. Duarte cumpriu missão na China, no Sião; esteve na expedição descobridora da Conchinchina; lutou na conquista de Malaca, derrotando as forças navais chinesas; como embaixador de Portugal na Tailândia estabeleceu o comércio pacífico dos portugueses em Malaca. Acompanhou 3
O reino português já estava suficientemente estruturado, com poderes concentrados no monarca, sem problemas internos ou guerras externas, condições que o capacitaram, desde o século XV, a promover a empreitada ultramarina.
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seu pai no comando da esquadra guarda-costas do Atlântico Sul e do caminho para o Oriente, visitando o Brasil em 1532. Em março de 1534, Duarte Coelho recebeu de D. João III, por doação hereditária, a capitania de Pernambuco, lá chegando em março de 1535. “A Coroa não confiou a empresa a homens de negócios, entregues unicamente ao lucro e à produção. Selecionou, para guardar seus vínculos públicos com a conquista, pessoas letradas ou guerreiros provados na Índia, a pequena nobreza, sedenta de glórias e riquezas”. Quando, em 1530, Martim Afonso de Souza criou Tabelionatos, distribuiu Sesmarias e estabeleceu as bases para a produção do açúcar e sua comercialização, a história da capitania de Pernambuco inaugurou suas páginas de luta armada entre tupis e portugueses. “Esta luta/símbolo resultou na fundação da Vila Igarassú – a mais antiga cidade do Brasil. A partir de então, os conflitos entre brancos e índios não cessaram e os assaltos e investidas passaram a ser constantes e duradouros”. Elevado à nobreza em 06.06.1521, recebeu seu escudo d’armas em 06.06.1545. ANTT, Chancelaria de D. João III, Doações, livro 35, fls 75v. In: José Antônio G.de Mello e Cleonice X.de Albuquerque. Cartas de Duarte Coelho a El Rei. p. 3. Seguindo Capistrano de Abreu, Raymundo Faoro, Os Donos do Poder. Porto Alegre,Editora Globo, 1979, p. 119 Maria Idalina da Cruz Pires. A Guerra dos Bárbaros, resistência e conflitos no Nordeste Colonial. Recife: Fundarpe, 1990, p. 58.
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O donatário e sua mulher, Dona Brites Albuquerque, talvez aquilatando a situação, mudaramse definitivamente de Portugal, com o propósito de viver na capitania desde os primeiros dias de sua formação, onde permaneceram por quase cinqüenta anos. Nas ausências do titular, sua esposa esteve à frente dos destinos da região por mais de dez anos, somados os diferentes afastamentos. Seus filhos nasceram no Brasil e formaram a primeira geração de pernambucanos. Dona Brites e o irmão Jerônimo traziam a estirpe dos Albuquerque. Jerônimo, nascido em 1514, em Viana do Castelo, província do Minho, jovem nobre, rico, filho de uma das mais prestigiadas famílias lusas, com 21 anos de idade foi destacado a prestar serviços à Coroa, na donataria de Pernambuco. Sua decisão de acompanhar a irmã e auxiliar o cunhado na tarefa, obedeceu, dentre outros motivos, ao propósito de auxiliá-los naquela arriscada empreitada de conquista. Difícil, porque em terra desconhecida, de notórias desvantagens físicas e perigos naturais, infestada de animais selvagens, insetos daninhos, insegurança pela reação dos donos do solo, audácia dos piratas e revolta dos degredados. Jerônimo foi o braço direito de Duarte Coe
Muitos donatários nunca vieram ao Brasil ou desanimaram com as primeiras dificuldades, motivo pelo qual Pernambuco se destacou de muitas outras capitanias. Os Albuquerque eram descendentes do Rei Trovador, D. Dinis.
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lho na conquista do solo pernambucano. As cartas do donatário a El Rei demonstram seu interesse na constituição de uma colônia com base na agroindústria. Contrário às aventuras em busca de ouro e prata, por saber que a atividade extrativa não iria fixar o homem à terra; defensor das liberdades e privilégios dos colonos quando funcionários reais tentaram desconhecer as regalias previstas no Foral da Capitania; desfavorável ao apresamento de índios por navios itinerantes, semeadores de animosidade e perigo aos colonos; avesso à exploração indiscriminada dos recursos naturais, como a derrubada das matas de pau-brasil, por este posicionamento enfrentou várias oposições, lutando contra grupos os mais diversos. No dizer de José Antônio Gonsalves de Mello: “um fundador de nação, um defensor da estabilidade social e da ordem jurídica. Um criador de riqueza baseada na agricultura e não um explorador de bens da natureza. Um fundador de colônia de plantação e não de colônia de exploração”. Pelo visto, só podia angariar inimigos. Priorizava “moradores e povoadores”, ou seja, aqueles que, com seus capitais e seu trabalho, desbravavam a terra, fundavam a base econômica e estabeleciam as relações de comércio. Esse comportamento jus-
Cartas de Duarte Coelho a El Rei. op. cit. p. 6.
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tifica porque duas gerações da família do primeiro donatário passaram por momentos difíceis para estabelecer a colônia. O povoamento da capitania foi seguido de permanente luta. A paz, as tréguas e alianças faziam parte da guerra. A desafeição entre as raças e respectivos mestiços ebulia e as guerras ferviam contínuas, como afirmou Capistrano. “O índio catequizado, reduzido e vestido, e o índio selvagem ainda livre e nu, mesmo quando pertencentes à mesma tribo, deviam sentir-se profundamente separados. O português vindo da terra, o reinol, julgava-se muito superior ao português nascido nestas paragens alongadas e bárbaras; o português nascido no Brasil, o mazombo sentia e reconhecia sua inferioridade”.10 O português, refratário ao duelo, transportou para a donataria o uso da força na resolução das contendas. Uma das maneiras do superior eliminar o desafeto era mandar aplicar surras, intimidar, subornar, assassinar, dentre outros atos de violência, apoiados pela impunidade. Contra piratas, também a reação era enérgica. Do confronto entre navios de bandeiras diferentes resultavam morte, aprisionamento, confisco e agressões as mais variadas. Os 10 Capistrano de Abreu, Capítulos de História Colonial (1500-1800). Brasília: Editora Universidade de Brasília: 1963, p. 96.
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homens eram sacrificados na maioria das tribos e a antropofagia era praticada em meio a festas rituais. Fazia parte da vida do ameríndio a guerra entre tribos, assaz incentivada com a chegada do europeu. “De rixas minúsculas surgiam separações definitivas; grassava uma fissiparidade constante” resultando em grandes migrações.11 “No livro de Thevet (1575), as guerras entre os índios no Brasil são representadas como embates sem regras, caóticos. Para o olhar europeu, os indígenas, desprovidos de uma ‘arte da guerra’ não passavam de guerreiros violentos e impetuosos”.12 A vida de Pernambuco foi de crises e prosperidade, conduzida com vigor e habilidade pelo primeiro donatário. A ocupação de Olinda e a instalação dos primeiros engenhos, fazendas de algodão e de gado custaram muitas vidas, e essas realizações foram atribuídas à energia do donatário e a muita crueldade de todos os lados. As disputas se arrastaram por décadas, sem vencedores nem vencidos. A resistência nativa à abertura de novas rotas para o interior, com ataque a pessoas, a propriedades e até mesmo a povoações, autoriza Rocha Pita a afirmar que as terras doadas a Duarte Coelho em léguas foram conquistadas a polegadas. A dureza e certos
11 Capistrano de Abreu, op. cit, p.39. 12 Pedro Puntoni, A Guerra dos Bárbaros. São Paulo: Editora Hucitec, 2002, p.225.
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posicionamentos de Duarte e Coelho sempre foram assegurados na Corte pelos Albuquerque. Quando Thomé de Souza chegou ao Brasil, trazendo um regimento que definia suas atribuições, conferindo poderes quase ilimitados e absolutos, o titular de Pernambuco reagiu e logo o rei abriu uma exceção. O donatário liderou os trabalhos e refregas, sempre auxiliado pelo irmão de sua mulher.
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Jerônimo de Albuquerque
O título de senhor de engenho era aspirado por muitos porque trazia consigo “o ser servido, obedecido e respeitado de muitos”.13 Os proprietários constituíam a aristocracia local com ares de gente nobre, cujos membros mais importantes eram os senhores de engenho e donos de grandes propriedades agrícolas, condição primeira para a tão aspirada projeção social. “Os senhores de engenho mais importantes formaram, e assim permaneceram por muito tempo, uma aristocracia rural patriarcal, cuja autoridade nas próprias terras era quase absoluta, e que exercia forte influência sobre os assuntos públicos por meio e sua participação nas câmaras municipais”.14 13 André João Antonil. Cultura e Opulência do Brasil por suas Drogas e Minas, São Paulo: Companhia Nacional, 1967, p. 139. 14 Charles R. Boxer. O Império Marítimo Português. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 321.
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Em 1542, Jerônimo de Albuquerque liderou esse quadro quando, por autorização de seu cunhado, levantou o primeiro engenho de Nossa Senhora da Ajuda, pondo-o em imediato funcionamento. Em janeiro de 1547, lutando contra os tabajaras próximo aos Montes Guararapes, o jovem português foi flechado no olho, feito cativo de guerra e levado para a aldeia. Conforme o costume tribal, os covardes eram mortos e abandonados na mata. Este não foi o caso do prisioneiro, famoso como valente lutador e motivo de animação de seus algozes a devorá-lo para absorverem suas virtudes. Como era costume da tribo só imolar o vencido ferido depois de restabelecido, o aprisionado foi confinado numa ocara aos cuidados da princesa Muira Ubi, filha do morubixada Arcoverde e considerada uma das mais belas virgens da tribo. Do convívio, veio a paixão pelo caraíba. No momento do sacrifício, a princesa intercedeu junto ao cacique e, com o apoio geral, conseguiu salvar aquele com quem se casou. Entretanto seria batizada para poder constituir um lar e, conforme o ritual da religião católica, Muira Ubi passou a ser cristã no dia de Pentecostes, recebendo o nome de Maria do Espírito Santo Arcoverde. Como o casamento se realizou conforme o ritual indígena, a comunidade portuguesa não reconheceu sua validade, embora esta aliança tenha se tornado proveitosa aos lusitanos: os tabajaras, ligados àquele cacique, passaram a ser seus fiéis
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aliados. Dessa união realizada em 1547, tiveram oito filhos, todos legitimados no ano de 1561, por edito real de Dona Catarina. Gozaram dos mesmos direitos dos filhos legítimos, tais como, acesso à nobreza, às armas, às honras e às insígnias paternas, isto porque nasceram antes do casamento católico com uma portuguesa.15 Mesmo antes do século XVIII, época em que foi criado o mito fundador da “colônia aristocrática”, o cruzamento de troncos reinóis com mulheres indígenas deu início a famílias “autorizadas”, não havendo nenhum estigma social dele resultante. Muito pelo contrário: seus descendentes foram considerados a estirpe povoadora por excelência. Na segunda metade do século XVIII, a família donatarial foi extinta como linhagem, pelo seu absenteísmo, enquanto os Albuquerque permaneceram fazendo parte da nobreza pernambucana. Pelos registros, o cotidiano de Jerônimo era de trabalho e guerra, especialmente depois do falecimento de Duarte Coelho, em 1554, quando Dona Brites assumiu a administração da capitania, em razão da ausência de seus filhos, estudantes na Corte.16 Estas circunstâncias animaram os índios caetés e outras tribos a formarem uma federação para ata-
15 Paulo Maranhão, A Família Maranhão. Do Cunhaú a Matary. Recife: Comunigraf Editora, 2001, p.70-73. 16 Paulo Maranhão, op. cit., p.64
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car Pernambuco, sendo enfrentada por Jerônimo de Albuquerque. A necessidade de um titular levou a rainha Dona Catarina a ordenar o regresso de Duarte e Jorge Coelho de Albuquerque. Em 1560, o primogênito assumiu a capitania como segundo donatário. Um alargamento da agricultura e da pecuária no Agreste e no Sertão aconteceu nesse período, embora os Albuquerque tenham enfrentado constantes dificuldades com silvícolas e calvinistas, companheiros de Villegaignon, banidos do Rio de Janeiro e invasores do Recife, em 1561. Depois da vitória, Jorge regressou à Corte em 1565, e Duarte, em 1572. Mais uma vez Dona Brites encarregou-se do comando da capitania porque ambos os filhos estiveram em Alcácer-Kibir, convidados por Dom Sebastião para recolocar no trono de Marrocos seu aliado Mulley Maomet, deposto por Mulley Abdelmelk, hostil à presença lusa na região. Em 1578, aos 41 anos de idade, Duarte Coelho de Albuquerque, segundo titular de Pernambuco, morreu na batalha, sem deixar herdeiros. Jorge Coelho de Albuquerque, recuperado dos ferimentos, voltou para Pernambuco como terceiro donatário de uma das capitanias mais desenvolvidas. Em 1587, sua renda pessoal atingiu quarenta e nove mil cruzados, provenientes de dízimos dos engenhos, vinte mil cruzados obtidos da exploração de pau-brasil e dez mil cruzados de re-dízimos. Seu filho Mathias de Albuquerque Coelho, nomeado governador da
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Bahia à época da invasão holandesa, se destacou no comando da guerrilha que rechaçou os flamengos. Duarte de Albuquerque Coelho, filho de Jorge e neto de Duarte Coelho foi o quarto donatário, continuando a história de Pernambuco. “Esses anos de luta igualmente testemunharam os feitos amorosos do prolífico conquistador Jerônimo de Albuquerque. Descrevem-no como naturalmente de índole amena e agradável; e, dado que tinha muitos filhos das filhas dos chefes tribais, tratava-os com consideração”.17 De um lado, nativos sem as convenções sociais européias e do outro, a liberalidade da vida colonial bastante permissiva, não comportavam preconceitos contra mamelucos, o que propiciava a Jerônimo de Albuquerque intercalar entre trabalho e guerra, a orgia, e, do coito com várias mulheres, nasceram muitos descendentes. Seus filhos com Maria do Espírito Santo Arcoverde, Jerônimo, Manoel e André casaram com moças de famílias tradicionais e exerceram cargos relevantes. André foi alcaide-mor de Igarassu e governou a Paraíba entre 1607 e 1612. As cinco moças também constituíram suas famílias: Catarina casou com o fidalgo florentino Felipe
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Boxer, op. cit, p.108.
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Cavalcanti;18 Izabel, com Felipe de Moura; Antonia, com Gonçalo Mendes Leitão, irmão de D. Pedro Leitão, segundo bispo do Brasil; Joana, com Álvaro Fragoso, fidalgo da Câmara d’El Rei, e Brites, com Gaspar Dias de Ataíde e em segundas núpcias, com Sibaldo Lins, parente do duque de Toscana. Dona Catarina, rainha de Portugal pela menor idade do neto Dom Sebastião, reprovou a vida libidinosa de Jerônimo de Albuquerque, e “para evitar que continuasse o sobrinho de Afonso de Albuquerque, o descendente dos reis, a seguir a lei de Moisés, mantendo trezentas concubinas”, ordenou seu casamento com Felipa de Mello, filha de Cristóvão de Mello, transferido da Corte e destacado a prestar serviços na Bahia. Deste casamento, realizado em 1562, tiveram onze filhos. Os filhos deixados por Jerônimo de Albuquerque justificam a reprovação da rainha: oito herdeiros do primeiro casamento, nove mestiços e uma branca de ajuntamentos eventuais, e onze do segundo matrimônio, somando-se vinte e nove filhos do Adão Pernambucano, como foi chamado.
18 Quando alguém perguntou a Felipe Cavalcanti por que tinha casado com a neta de um bugre, ele respondeu: “neta de um bugre não. Neta de um rei”. Os caciques eram considerados reis pelos índios e Muira Ubi Arcoverde era uma princesa índia.In: Paulo Maranhão, op. cit.,p 81.
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Jerônimo de Albuquerque Maranhão
Jerônimo, filho primogênito de Jerônimo de Albuquerque e Maria do Espírito Santo Arcoverde, nasceu em 1548, em Olinda, trazendo a herança européia do pai e a indígena da mãe. Das temporadas de convivência com o avô Arcoverde aprendeu a língua tupi, assimilou a cultura e os costumes nativos. Na casa dos pais, conviveu com os brancos, aprendeu a ler e escrever no colégio dos padres jesuítas, onde recebeu formação religiosa e educação. Os dois ambientes freqüentados desde os primeiros anos de vida lhe possibilitaram granjear confiança em ambos os lados. Aos seis anos de idade perdeu o tio Duarte Coelho, circunstância que obrigou seu pai a dar redobrada ajuda a sua tia Brites na condução dos destinos da Capitania, especialmente para o estabelecimento da paz ameaçada pela confederação de tribos caetés. Nesses tempos de reação nativa, a
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Nova Lusitania quase fugiu ao controle português, e o sinal de rebelião dos nativos - o ritual antropofágico do Primeiro Bispo do Brasil, Dom Pedro Fernandes Sardinha - bem demonstra o ambiente hostil e a responsabilidade do seu pai como chefe das forças de defesa. Seu lar foi uma verdadeira escola militar, exercitando-o, “... no manejo das armas com seu pai e avô materno nas campanhas porfiadas contra os índios do lado de Iguaraçu”. 19 Coadjuvando seu avô Arcoverde, o rapaz de apenas vinte anos lutou contra os piratas franceses, traficantes de pau-brasil fornecido pelos índios potiguares da Paraíba, região praticamente constituída pelas terras pertencentes à capitania de Itamaracá. Naquele momento, era importante a definitiva ocupação do porto da Paraíba, cabeça de toda a faixa litorânea vasculhada pelos gauleses e com feitorias estendidas até o Maranhão. Embora o jovem Jerônimo não tenha desempenhado papel relevante na luta, destacou-se pelo comportamento corajoso como cabo de guerra e assimilou a maneira impetuosa de atacar, tática usada por soldados portugueses na Ásia e repetida no Brasil. A participação do neto do cacique nas lutas em sistema misto, onde forças convencionais com artilharia usada por tropas regulares, eram auxiliadas por soldados 19 César Marques, Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão. Maranhão: SUDEMA/Cia Editora Fon-Fon e Seleta, 3ª. Edição, 1970, p.295.
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da terra e índios como tropas volantes, o adestrou para confrontos futuros. Como diz Evaldo Mello, “a guerra do Brasil inseriu-se na guerra de Flandres. O recurso à guerrilha originou-se não numa concepção militar, mas numa conveniência prática”.20 Do matrimônio com Dona Catarina, nasceram Antonio, Matias e Jerônimo, homônimo do pai e do avô.21 Jerônimo lutou para conquistar terras, implantou uma unidade agrícola denominada Casa de Cunhaú, que lhe deu riqueza e poder, além de manter a união dos filhos mediante ações políticas e atividades econômicas. O prestígio da família, do Rio Grande do Norte até Pernambuco, passando pela Paraíba, se estendeu ao Maranhão, por ocasião da conquista, como comandante e depois primeiro capitão-mor. Seu filho primogênito, Antonio de Albuquerque Maranhão, fidalgo da Casa Real por nomeação de Dom Filipe, rei de Portugal, capitão integrante das forças vindas de Pernambuco para a conquista do Maranhão, foi Comandante do Forte de S. José do Itapari e, com o afastamento do pai e posterior falecimento em Cunhaú, em 1618, o substituiu como 20
Evaldo Cabral de Mello reportando-s às lutas entre pernambucanos e holandeses, em 1630. Olinda Restaurada. Guerra e açúcar no Nordeste, 16301654. 2ª. Edição revista e ampliada, Rio de Janeiro: Topbooks, 1998, p. 351. 21 Dona Catarina era filha de Antonio Pinheiro Feio, colaborador do genro, inclusive como Feitor da Armada na Jornada do Maranhão.
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segundo Capitão-mor do Maranhão. Governou dispensando os conselhos dos dois capitães mais experientes, não guardando o exemplo de ponderação de Jerônimo de Albuquerque Maranhão. Na verdade, muitos capitães agiam como sátrapas. Seu adjunto, o capitão Diogo da Costa Machado, em carta ao rei, disse: “Estava Antonio de Albuquerque tão elevado com o cargo e acostumado a fazer tudo à sua vontade, que não sofreu o meu conselho nem a ordem do governador, e sendo-lhe notificado desistiu do cargo”.22 Extinta a capitania de Itamaracá, a Paraíba passou a ser governada por agentes nomeados pelo rei, dentre os quais Antônio de Albuquerque Maranhão.23 Durante a invasão holandesa, viajou para a Corte onde se casou, não mais voltando para o Brasil. Matias de Albuquerque Maranhão sempre acompanhou o pai nos momentos importantes da vida, ajudou a organizar a Casa do Cunhaú24, participou das lutas contra os franceses no Maranhão, 22 Carta de Diogo da Costa Machado ao rei. Studart, Documentos para a História do Brasil 1, 245. Apud Varnhagen, op. cit., Segundo Tomo, p.151 23 “Nesta capitania sustentou contra os holandeses uma tremenda luta, sagrandose herói autêntico pelo patriotismo, coragem e capacidade de sacrifício”. Antonio Lopes, op. cit, p.59. 24 No prefácio do livro de João D’Albuquerque Maranhão, História da Casa de Cunhaú, Recife, Arquivo Público Estadual, 1956, Gilberto Freire escreveu: “A Casa do Cunhaú está decerto entre os centros patriarcais de decisiva influência no desenvolvimento da sociedade luso-americana, através do que já se sugeriu que se designasse familismo...”
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da organização da capitania, e administrou os assuntos concernentes aos nativos da Ilha. A historiografia conta com entendimentos díspares sobre as relações deste neto de Maria do Espírito Santo com os tupiambás do Maranhão. César Marques, acreditando no seu bom desempenho junto aos aparentados, afirmou que Jerônimo de Albuquerque Maranhão “cuidou tanto da sorte dos indígenas a ponto de colocar à frente deles, como governador, seu segundo filho, o Capitão de Infantaria Matias de Albuquerque”. 25 A afirmativa de Varnhagen sugere várias interpretações: “... prosseguiu nas guerras em que se achava empenhado no distrito até o Pará, que se desejava pacificar, a fim de deixar livre a comunicação por terra entre as duas capitanias. Era Matias ainda mais conhecedor que o pai do modo de levar os índios, mostrando-se com eles, primeiro valente e destemido e, depois da vitória generoso, mas não confiado”. 26 Antonio Lopes assevera que a herança da bravura paterna foi expressa pelos irmãos Albuquerque Maranhão através de truculências. Imputou a Matias as primeiras chacinas em grande escala em Tapuitapera e Cumã, quando substituiu Martim
25 César Marques, op.cit. p. 297. 26 Francisco Adolfo de Varnhagen. História Geral do Brasil, São Paulo: Edições Melhoramentos, 7ª Edição Integral, 1962, II Tomo, p. 151.
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Moreno, forçado a voltar para Portugal por motivo de doença. Em 1619, como capitão-mor do Pará, continuou a guerra aos índios, até sua volta a Pernambuco.27 Auxiliou seu irmão Antonio na Paraíba, combateu os holandeses em Pernambuco e, vencido, viajou para a Bahia, seguindo para o Rio de Janeiro, onde permaneceu até 1655. Governou a capitania da Paraíba, entre 1657 e 1663, recolhendo-se ao engenho de Cunhaú, até seu falecimento, em 1685. Foi o único que deixou descendência duradoura. Jerônimo de Albuquerque Maranhão, o filho caçula, passou boa parte de sua vida em Portugal. Conforme alguns historiadores Jerônimo faleceu em 1671, a bordo do navio, na altura de Pernambuco, quando retornava de Lisboa em companhia de seu tio Affonso Furtado de Mendonça, Primeiro Visconde de Barbacena, designado para o cargo de Governador e Capitão Geral do Brasil. Outros afirmam que Jerônimo morreu em combate contra os holandeses, no Oriente.28 27 Conforme Paulo Maranhão, op. cit. p. 118, quando Antonio renunciou ao governo do Maranhão, Mathias viajou para o Pará, assumindo o governo, por ocasião do falecimento do primo Jerônimo Fragoso de Albuquerque, sendo destituído do cargo vinte dias depois, sob a alegação da provisão de permissão de substituição expedida pelo falecido não ter mais validade legal. 28 Antonio Lopes refere-se a um terceiro Jerônimo, “o caçula da família” “valorosissimo soldado e teve morte heróica em campo de honra (1635), quando se batia desesperadamente defendendo o forte de Cabedelo contra forças de desembarque da esquadra de Lichthardt comandada pelo ilustre Sigismundo Van Schopke”. Antonio Lopes, Alcântara.Subsídios para a história da cidade. São Paulo: 2ª. Edição, Editora Siciliano, 2002, p.59.
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Todos os membros de sua família exerceram funções administrativas e participaram das contendas militares contra estrangeiros e nativos. Os dois primeiros séculos da história do Maranhão incluem os Albuquerque: nos três primeiros anos, os Maranhão, e depois os Coelho de Carvalho. Voltemos à atuação de Jerônimo de Albuquerque no Nordeste. Julgando indispensável para a segurança da colônia a ocupação do porto do Rio Grande do Norte, e em virtude do desempenho de Jerônimo de Albuquerque, o capitão de Pernambuco, Manuel Mascarenhas Homem, o escolheu “pelo seu valor e procedimento”29 para “capitanear a gente de guerra, que devia acompanhá-lo nesta tentativa”.30 Expulsar o pirata francês era tão importante quanto dominar os índios potiguares, seus aliados. O nome do mameluco já facilitava a operação, pois adotava métodos não convencionais do ponto de vista dos modelos europeus. Os expedicionários chegaram à barra do Rio Grande a 17 de dezembro de 1597. Imediatamente entraram no porto e estabeleceram a povoação que, por alusão à época, denominaram de Natal. “Retirando-se Mascarenhas, ficou só em campo Jerônimo de Albuquerque, e prontamente os índios sublevados pediram paz, e 29 Paulo Maranhão, A Família Maranhão: do Cunhaú a Matary, Recife: Comunigraf Editora 2001, p.85. 30 Marques, op.cit, p.295.
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prestando obediência depositaram em terra arcos e flexas”. 31 Duas hipóteses podem ser aventadas para justificar essa atitude dos indígenas. A primeira seria o temor de que eles se viram possuídos diante da brutal agressividade dos portugueses. A segunda teria como explicação a prudente estratégia de Albuquerque, que, considerada a fragilidade de suas fortificações, a escassez de equipamentos militares e de abastecimento, preferiu trocar a força das armas pela persuasão, conquistando, assim, a confiança do chefe Sorobabé, com quem iniciou uma profícua aliança. Ainda sobre Jerônimo de Albuquerque, assim se manifesta Serafim Leite: “Acabado o forte do Rio Grande do Norte que se intitula dos Reis o entregou Manuel Mascarenhas a Jerônimo de Albuquerque dia de S. João Batista era de 1598, tomando-lhe homenagem, como se costuma, e, deixando-lhe muito bem fornecido de gente, artilharia, munições, mantimentos e tudo mais necessário, se veio no mesmo dia com a sua gente dormir na aldeia do Camarão, onde Feliciano Coelho estava como seu arraial aposentado, e no dia seguinte se partiram para
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Ibidem.
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a Paraíba com muita paz e amizade, que é o melhor petrecho contra o inimigo”. 32 A nobreza de serviços portuguesa era ávida de títulos, honrarias e postos militares, para garantir poder e prestígio. A Coroa tinha consciência desse fato e, por considerar relevantes os serviços de Albuquerque, decidiu premiá-lo com o foro de fidalgo da Casa Real, e provimento na capitania do forte do Rio Grande do Norte, pelo período de seis anos.33 Investido no cargo de capitão-mor, Jerônimo de Albuquerque liderou o grupo fundador e povoador da cidade de Natal, construiu o forte e iniciou o povoamento, impedindo, com isso, o tráfico de pau-brasil pelos franceses, empurrados para o norte, mais particularmente para o Maranhão, ainda desabitado e desguarnecido. Aquele momento de muito prestígio como cabo de guerra, pelas proezas, conquistas militares e feitos administrativos considerados bastante expressivos, especialmente por representar um elo nas complicadas relações entre índios e brancos, foi propício para Albuquerque estabelecer sua sesmaria. Organizou a Casa do Cunhaú, primeiro engenho para a fabricação do açúcar no Rio Grande do Norte, célula-mater do desenvolvimento da indústria açucareira na re-
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Leite, Serafim. Apud Paulo Maranhão,. op. cit., p.85-86. Carta patente de 09 de janeiro de 1603.
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gião litorânea da antiga capitania de Itamaracá, foco de expansão para o sertão, a partir do Rio Grande do Norte, onde foram levantadas fazendas de algodão e de criação de gado. “Longo seria enumerar os muitos trabalhos e sofrimentos por que passou, pelos caminhos da Paraíba para o Norte, e de muitas arribadas ao Rio Grande e Ceará”. 34 Conforme a patente de 29 de maio de 1613, Gaspar de Sousa incumbiu o já sexagenário Jerônimo de Albuquerque de fundar a nova capitania de Caeté, “... pela confiança que dele tinha, e ser experimentado nas guerras deste Estado e pela satisfação, que tinham de sua pessoa os índios”.35 De volta a Pernambuco, a 17 de junho de 1614, nova tarefa lhe foi atribuída: a conquista e descobrimento das terras do Maranhão em poder dos franceses, e “... não foi honrado só com a nomeação de capitão comandante em chefe do descobrimento e conquista; coube-lhe mais a glória de receber carta directa e particular do monarcha, empenhando-o à empresa venturosa, honra extraordinária e grande que os príncipes raríssimos dispensam aos seus vassalos e súditos”. 36 34 Marques, op. cit, p. 296. 35 Ibidem. Embora Marques assinale Caeté, existe um município na divisa entre o Rio Grande e a Paraíba, denominado Coité, a provável capitania fundada por Albuquerque. 36 Pereira da Costa, F.A. Dicionário Biográfico de Pernambucanos Célebres. p. 426. Apud: Paulo Maranhão, op. cit. p. 89.
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Guerra e Colonização
O processo de colonização do Brasil foi repleto de episódios sangrentos. Para sua expansão e preservação, o império português enfrentou duas lutas diferentes: contra a reação dos naturais da terra e no combate às tentativas de pirataria de diversas nacionalidades. A concentração dos núcleos coloniais ao longo do litoral tornava-os vulneráveis ao ataque de rivais europeus. A proteção colonial se fazia combinando o poder naval garantido pela Coroa com a defesa local, de responsabilidade da Colônia, com praças e efetivos oriundos dos seus próprios recursos. Privações eram constantes em tempo de guerra terrestre, uma vez que os colonos dependiam da produção local, e os próprios povoadores portugueses sustentavam contingentes militares com a renda de suas cidades. A sociedade colonial já estabelecida foi capaz de arcar com parte substancial do ônus da defesa, ajudada pelas peculiaridades espaciais. A Coroa não tinha recur-
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sos suficientes para disponibilizar armadas, além daquelas para socorros, deixando na terra somente artilharia, munições e o mínimo de contingente. Impossibilitados de contar com o emprego de um poder naval eficiente, os pernambucanos sempre apelaram para a defesa local, a guerra terrestre com soldados da terra e uma minoria de tropas portuguesas. Sente-se certa usura por parte do Reino com socorros periódicos em homens, armas, munições e uma frota praticamente transportadora de reforços. Até a navegação entre Portugal e o Nordeste, necessária para aprovisionar o colono nos períodos de guerra, ficava por conta da marinha mercante e de suas “caravelas à desfilada”. O Nordeste foi deficitário de contingente pela dificuldade de recrutamento de tropas luso-brasileiras. Somente em 1593, após o ataque do pirata inglês Lancaster, Pernambuco teve duas companhias: uma em Recife e outra em Olinda, com gente de guerra vindo de Portugal e soldados da terra, entre mosqueteiros e arcabuzeiros. Em Itamaracá não havia tropa regular; na Paraíba, as três companhias localizadas na cidade, em Cabedelo e no interior eram ainda mais modestas que as de Pernambuco; no Rio Grande viviam cento e trinta pessoas entre famílias dos soldados, gente de serviço, degredados e escravos de particulares; em caso de ataque inimigo ou levante da indiada, Salvador também estava vulnerável com suas três precárias compa-
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nhias. Em 1609, Pernambuco contava com sessenta soldados em Olinda e cinqüenta no Recife para socorrer também Itamaracá; a Paraíba, com vinte mosqueteiros no Cabedelo e trinta arcabuzeiros na cidade; no Rio Grande, sessenta mosqueteiros. Contingentes irrisórios e quase simbólicos perante as constantes ameaças de piratas e silvícolas. Não fosse a milícia urbana e rural, mais numerosa e socialmente mais valorizada, equipada às custas dos colonos, as capitanias não teriam como enfrentar seus oponentes. As autoridades da capitania de Pernambuco confiavam mais na eficácia da guerra de emboscada que no profissionalismo da guarnição. Menosprezavam as tropas oficiais, relegandoas a serviços subalternos e permitindo seus soldados exercerem ofícios manuais como o de alfaiate e sapateiro, uso adotado em todo o Estado do Brasil, onde parecia “coisa desnecessária o haver soldados”.37 Diogo de Campos Moreno discordava, afirmando que “a guarnição tinha a tarefa de garantir a segurança da colônia contra estrangeiros e índios, e de preservar a potestade da Coroa face aos pró-homens, que nos seus engenhos eram uns verdadeiros régulos”.38 Não havia experiência e treinamento militares nos efetivos. Não raro, os recrutas portu-
37 Mello, Evaldo Cabral de. Olinda Restaurada. p. 225. 38 Campos Moreno. Relação das praças-fortes. p. 201-2. apud: Mello, Olinda Restaurada. p. 225.
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gueses eram incorporados à força em aldeias das cercanias do Porto, do Minho, do Trás-os-Montes, do Alentejo, do norte de Portugal. Tupis e tapuias também eram integrados às tropas e atuavam como excelentes coadjuvantes. Conforme Cuthbert Pudsey, depois de treinados como soldados, os tupis eram cuidadosos em suas vigias, aprenderam o uso de armas de fogo, alguns foram bons mosqueteiros, audaciosos e precisos na execução de tarefas. Os tapuias, embora com incomparável força física, se jogavam no chão por medo das armas de fogo, preferindo as suas. Muito rápidos, perseguiam o inimigo até alcançá-los para matar. De modo geral, os nativos foram bons colaboradores nas refregas: enfrentavam lugares ásperos e difíceis, nadavam com excepcional velocidade nos rios, cortavam espinheiros e mato espesso, projetavam as emboscadas, etc. Os luso-brasileiros recorreram ao indígena para serviços auxiliares. Transportavam mantimentos, armas, munições, soldados feridos, construíam jangadas para travessia dos rios, ajudavam na edificação de defesas e paliçadas, na reparação das fortificações, no cultivo dos roçados de mandioca a cargo das mulheres que acompanhavam seus maridos na guerra, dentre outros trabalhos ocasionais. De reconhecida contribuição, quase indispensáveis, sempre eram solicitados para integrarem os contingentes. Foram eles que transmitiram ao colono português sua experiência
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em emboscadas e assaltos, além da feitura de armadilhas, fojos e estepes postos nos caminhos e veredas e muitos outros ardis de guerra. A agilidade e mobilidade dos naturais do país eram associadas a técnicas necessárias às longas marchas pelo interior do Nordeste, requeridas pelas lutas e muitas vezes necessárias ao retornarem a pé de uma capitania a outra. Luso-brasileiros, muitos com sangue aborígine nas veias, não raro eram acompanhados por negros e mestiços, tornando, assim, fluida a linha divisória que distinguia as operações de cunho militar, do banditismo de grupos salteadores e desertores das tropas que infestavam o interior. A guerra com largas marchas e ataques de surpresa por pequenos grupos exigia mobilidade física, conhecimento da terra e técnicas de sobrevivência no mato. Neste caso, era mais necessária a colaboração do índio e do mameluco que do soldado da guarnição ou do colono do litoral. Perspicazes, os nativos eram eficientes em seguir rastros e descobrir emboscadas, andar por entre os matos com ânimo para enfrentar qualquer operação perigosa, além de serem bons espingardeiros e de ótima pontaria. Outro grande problema enfrentado pelo colono foi o da alimentação. Portugal, despreparado para atender às necessidades da expansão ultramarina em geral e da colonização do Brasil, em particular, não teve como suprir a colônia, de maneira regular e satisfatória, de trigo e outros víveres. Em
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Pernambuco, só os grupos privilegiados recebiam trigo, azeite e vinho. No período duartino, a farinha de mandioca, a aguardente de cana e o azeite de dendê ou de coco eram considerados alimentos de bugre. Com toda essa possibilidade de substituição, o colono ainda teimava em conservar os hábitos alimentares do Reino. Somente nas vicissitudes do abastecimento de gêneros reinóis houve adesão aos víveres coloniais. Algumas frutas e cereais foram transplantados da Europa para a colônia. No Maranhão, plantava-se melão, limão, laranja, couve, ervilha, feijão, batata e abóbora de diversas espécies. O abastecimento das tropas luso-brasileiras diferia do modelo militar usado na época. A farinha de mandioca substituiu o trigo, o centeio e a cevada “que sustentam mais e são mais sãs”; muitas vezes, o biscoito - pão cozido para as longas viagens marítimas - era trocado pelo milho. A cesta básica de um soldado, para um mês, era um alqueire de farinha, um quartilho de vinho, vinte arráteis de carne e sete arráteis de peixe secos. Os escravos que trabalhavam nas obras de fortificação recebiam ração idêntica. Para a Jornada do Maranhão contaram com seis mil alqueires de farinha, cem arrobas de peixe e vinte canastras de sardinha, ao todo e para tempo indeterminado. Pela deficiência do regime alimentar, os soldados do Reino não tinham a mesma resistência
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dos mazombos ao enfrentar a guerra nos trópicos. Subalimentados e maltratados pelo clima, tinham dificuldade de se reabilitar das “doenças do Brasil”. Privados dos cuidados médicos, pelo menos até 1636, por falta de serviços hospitalares, remédios, instalações apropriadas e dieta compatíveis, muitos eram vítimas de enfermidades contínuas e convalescenças demoradas. Em carta, Manuel Álvares de Figueiredo disse a Felipe IV: “As mesinhas que Vossa Majestade tem mandado para a cura dos doentes, usa-se delas como roupas francesas, pois as menos se gastam com os soldados e gente de guerra, as mais por contemplações, outras se vendem e se dão por mãos de cirurgiões que as furtam e vendem e ganham sua vida com elas. E hoje, há muito tempo que não há com que se cure um soldado; e o que tem um real para as poder comprar as compra da mão destes para se haver de curar. De outra maneira, não há senão padecer e perecer”.39 Em decorrência das longas viagens marítimas e da falta de alimentos frescos, os soldados eram acometidos de escorbuto e disenteria. Quando estropiados nas andanças eram infectados de tétano, 39 4. XII, 1636, AHU, Pco.II. In Mello, Olinda Restaurada. p. 257.
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malária, bicho de pé, causando dificuldades nas operações militares. Algumas práticas sem higiene comprometiam a saúde, como, por exemplo, não enterrar cadáveres inimigos, deixando sua consumação a cargo dos urubus, arrastar seus mortos com cordas ao pescoço e transportar feridos em redes para locais inadequados, por falta da assistência devida. Militares e civis portugueses, mazombos e naturais da terra constituíam as tropas que enfrentavam os constantes conflitos coloniais contra a ação estrangeira ou a reação dos nativos inimigos. A heterogeneidade de sua composição resultou na mistura de táticas de guerra européia e formas de luta nativa. Na guerra do Maranhão, soldados do Reino e soldados da terra combinaram as técnicas de guerrilha com a arte militar européia. O meio físico, uma sociedade e economia distintas forjaram novas circunstâncias capazes de modificar o procedimento da arte e da tecnologia militar da época, aplicando táticas e estratégias mais eficazes, compatíveis com o momento. O primoroso modelo da “guerra de Flandres”, a guerra de ricos, de sítio pelo controle de posições fortificadas, batalhas campais nas grandes planícies ou nos eixos fluviais, com artilharia minando e forçando a rendição das praças-fortes assediadas, esse exemplo sofisticado foi pouco adotado, mesclando-se com as técnicas indígenas de guerra volante, do mato, sem teoriza-
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ção nem compêndios militares, antes, com experiência prática e bravura. Para o colono, as regras de guerra da Europa eram de pouca utilidade, onde “o desordenado acometer tem dado muitas vezes grandes vitórias e cá (na Europa) só prevalece a disciplina e a ordem militar”. 40 Em solo colonial o emprego do cavalo foi reduzido. A topografia e a cobertura vegetal com matas, canaviais e mangues, sem grandes espaços abertos, solo lamacento nos meses de chuva, falta ou precariedade de um sistema de caminhos, dificultavam a mobilidade dos animais. Em suas escaramuças, os guerrilheiros, especialmente índios e mamelucos, eram mais velozes que os animais e precisavam estar livres de qualquer peso. No Brasil, houve preferência da artilharia pesada, de sítio e de maior alcance. A artilharia ligeira, de menor alcance usada na Europa foi considerada antifuncional. Além do transporte individual incômodo pelo peso, ela era impotente para atingir o soldado da terra, ágil e malicioso no campo de luta, difícil de ser alvejado por estar habitualmente em ordem dispersa. Sempre o mais barato foi utilizado na guerra colonial. A maioria das peças era de ferro, embora se deteriorassem mais facilmente, comparadas às de bronze. As mechas de morrão, produto europeu 40
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mais caro feito de linho, de chama duradoura e indispensável ao disparo das peças, foram substituídas pela embira, de qualidade inferior e de breve chama. A luta pela sobrevivência dava versatilidade ao homem da terra. O deslocamento das tropas pelas praias seria mais confortável, porém o perigo de um ataque naval obrigava as forças luso-brasileiras a se deslocarem pelos caminhos interiores, mesmo com o prejuízo da diminuição dos contingentes reinóis, por motivo de fuga pelo mato, ou porque os soldados se perdiam no trajeto ou chegavam doentes e extenuados. A vantagem consistia na segurança e facilidade de estorvar a marcha do inimigo com a surpresa dos assaltos. Nem todas as armas usadas na Europa eram convenientes para a guerra no Brasil. O regimento que El Rei deu a Gaspar de Sousa previa falcões, berços, meio berços, arcabuzes, bestas, lanças ou chuços e espadas. A falta de recursos restringiu o número e modelos das armas adquiridas. Nos anos vinte do século XVII somente 1/8 dos moradores dispunha de armamentos apropriados. Praticamente o arsenal estava reduzido: ao soldado, mosquete, arma mais nobre; ao homem comum, arcabuz; a espingarda foi preferida como arma de fogo de muita utilidade no combate individual em guerra volante, também por ser facilmente escondida nos ataques surpresa e mais cômoda de portar nas em-
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boscadas, por prescindir de mecha. Acrecente-se a isso, a vantagem de não falhar quando molhada pelos aguaceiros tropicais, dispensando as constantes reparações exigidas pelos arcabuzes. O oficial tinha como arma branca a espada, de preferência curta ou estoque, adequada às lutas corpo a corpo. A pouca alusão a mosquetes indica sua inutilidade no Brasil. Os apetrechos indígenas foram muito utilizados nas guerras do Brasil, em decorrência da transmissão das técnicas nativas a colonos e escravos, quando companheiros de regimento. A eficiência do arco e flecha foi aventada: “até à descoberta da espingarda de agulha, um bom arco indígena nas mãos de um arqueiro americano em pleno vigor primitivo era superior, como arma de ataque e de distância, ao arcabuz, ao mosquete ou à espingarda de pederneira”.41 O manejo da azagaia e do tacape era mais rápido que o do arcabuz. Os dardos e cacetes, com dentes ou ossos agudos eram muito eficientes. Atirados com precisão esmagavam a cabeça do inimigo. Com o tempo, no entanto, o índio pacificado desaprendeu o fabrico e o uso do arco e a flecha. Embora a cultura militar indígena tenha sido atingida no que se refere aos equipamentos, suas táticas de guerra prevaleceram, sintetizadas em uma arte 41 Georg Friederici, Caráter da descoberta e conquista da América pelos europeus. Rio, 1967, p.162. apud Mello, Olinda Restaurada. p. 348.
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ou estilo militar mais adequado às suas condições do Brasil. Empresa iniciada com duzentos e oitenta soldados comandados por Diogo de Campos Moreno e duzentos e quarenta flecheiros liderados por Jerônimo de Albuquerque, a conquista do Maranhão foi alternada por decisões ora do veterano de Flandres ora do mameluco pernambucano. Aplicaram o sistema misto de forças: as convencionais, concentradas no forte Santa Maria, guarnecido por artilharia e tropa regular, e a dos índios, fora da praça-forte, em postos avançados e vagando em companhias volantes, vigilantes e prontos a impedir a penetração do inimigo. Recorreram à guerrilha por conveniência prática, sem exército profissional nem gente treinada em exercícios volantes, única forma dominada pela indiada inadaptada à disciplina militar. Jerônimo de Albuquerque distanciou-se dos métodos e parâmetros europeus, tanto pela sua formação quanto pelos problemas típicos da guerra colonial: falta de fortificações, dificuldade de abastecimento, carência de armas, reduzido e pouco adestrado efetivo, razão pela qual as técnicas militares dos nativos foram mais facilmente praticadas pelos expedicionários da jornada do Maranhão. Assim foi colonizado o Brasil, com ações bélicas que adequavam as regras do sistema militar europeu à situação colonial. As unidades militares regulares, regimentos de infantaria e de artilharia
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somente implantados a partir de 1625, funcionaram de maneira precária, pela falha na remessa dos reforços enviados de Portugal. Essas condições obrigavam ao recrutamento compulsório, inclusive de degradados, sem disciplina e treino militar. Foi premido pelas carências militares, de um lado, e as condições difíceis do sistema ecológico, por outro, que se desenvolveu a forma de “guerra do Brasil”.
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A JORNADA DO MARANHÃO SEGUNDO DIOGO DE CAMPOS MORENO
Fernand Braudel, referindo-se aos acontecimentos de modo geral, disse que “simples fatos podem ser os indicadores de uma realidade de grande dimensão e uma estrutura”.42 O fato passa a existir quando é escrito e toma grande ressonância pelo aumento das impressões das testemunhas para ilusões dos historiadores. Pela torrente de discursos, o acontecimento se torna sensacional e assume um inestimável valor. A batalha de Guaxenduba, ponto culminante da Jornada do Maranhão, é um desses fatos carregados de significações, verdadeiras camadas que vão se colocando no correr dos séculos. De suposta autoria do sargento-mor do Estado, Diogo de Campos Moreno, a Jornada do Ma42 Jornal Le Monde, 14.12,1979. Apud: Georges Duby. O Domingo de Bouvines: 27 de Julho de 1214 Trad.. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1993, p.10.
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ranhão é um dos poucos trabalhos que fornecem subsídios para o resgate do momento analisado. O coadjuvante do comandante Jerônimo de Albuquerque faz um relato de cunho administrativo, precioso como fonte de informações, embora saibamos tratar-se da visão de um português do reino, que havia sido preterido para o comando da expedição e, por isso mesmo, não estava muito confortável em receber ordens de um mameluco. Verificamse divergências no temperamento e na formação de ambos. Diogo de Campos Moreno, um oficial da burocracia portuguesa, versado em guerras européias; Jerônimo de Albuquerque, um conquistador de sertões, familiarizado com as matas e com os índios. O autor só descreveu o que foi possível ver ou o que interessou registrar. O movimento francês foi superficialmente enfocado. Talvez a natureza oficial do documento só demandasse falar da preparação da expedição, do apoio logístico, recrutamento e composição das tropas, convocação dos índios, das inúmeras dificuldades no trajeto até Guaxenduba, finalmente, da luta e expulsão dos invasores. A incessante crítica, ora velada ora explícita, invariavelmente presente no relato de Moreno, com relação ao tratamento dado por Albuquerque aos nativos, parece comportar duas intenções: a de esmaecer o carisma do mestiço, ressaltando a incapacidade de aliciar seus parentes, e a valorização da bravata portuguesa. No decorrer do relato, nu-
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merosas decisões do comandante também foram censuradas, tais como: não castigar rebeldes, por compreender as circunstâncias favoráveis aos protestos, e decidir liberar índios espiões sem coagi-los a informar sobre as forças inimigas, dentre outras atitudes compatíveis com sua visão de comandante experiente em guerras no Brasil. O “milagre de Guaxenduba” deve, pois, ser analisado no contexto da inadequação das formas européias utilizadas pelos franceses, em contraste com o tipo de “guerra do Brasil” de Jerônimo de Albuquerque e seus comandados. Pensar que os franceses recuaram porque “vieram para civilizar e não para guerrear” faz parte da fantasia amparada no mito da fundação francesa de São Luís, pois os preparativos em contingente, armas pesadas e modernas, grande estoque de munição, frota, canoas, flechas, arcos e outros equipamentos bélicos artesanais de tribos aliciadas da Ilha, de Cumã e Tapuitapera, eram de quem pretendia guerrear e esmagar o adversário. Naqueles tempos de expansão européia, “civilizar” significava, em termos práticos, exatamente anexar, guerrear, dominar e explorar economicamente a colônia em benefício do reino. Várias tentativas de reconhecimento das forças contrárias, com escaramuças traiçoeiras e o grande ataque do dia 19 de novembro, demonstram a intenção de dizimar facilmente os contrários, valendo-se de
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sua superioridade. O recuo, depois das baixas de soldados franceses, mostra a perplexidade perante um momento surpreendente e quase inexplicável. O relato de Diogo de Campos Moreno, escrito de maneira a expressar sua discordância das táticas adotadas, pode ser lido como elogio às avessas de quem pouco entendia das formas da guerra entre os nativos. De Pernambuco a Guaxenduba A perda de muitos homens e navios desencorajou os donatários a organizarem as capitanias do Norte, embora os portugueses nunca tenham desistido de conquistar “tantas grandezas, que parecia fabuloso o sítio, as terras, as gentes, e tudo o mais que dali se prometia”.43 Da terceira década do século XVI aos primeiros anos do século XVII, houve várias investidas frustradas dos portugueses para alcançarem o Maranhão. Jesuítas também tentaram, pela serra de Ibiapaba, entretanto o triste registro da morte do padre Pinto, “homem de grande bondade e exemplo de vida”, assassinado pelos tapuias, ”salvajes, que a todos fazem o mesmo, andando como feras sempre no campo”44, arrefeceu o
43 Diogo de Campos Moreno, Jornada do Maranhão Por Ordem de Sua Majestade Feita o Ano de 1614. São Paulo: Siciliano, 2001, p.27. 44 Idem, op. cit., p.30.
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ânimo dos religiosos. Este insucesso não esmoreceu o governador do Estado do Brasil, Dom Diogo de Meneses. Em carta a S. Majestade “conta da importância da costa de leste-oeste, e de seus portos até o Maranhão”, da presença constante dos franceses e da relevância da conquista. O monarca “... mandou que, com particular cuidado e diligência, se tornasse a informar das coisas daquela Conquista, e do modo melhor em que podiam fazer-se”.45 A recomendação do Rei foi imediatamente obedecida pelo governador e, em 1611, Diogo de Campos foi mandado até Jaguaribe para melhor averiguação. A amizade de Martim Soares com o cacique Jacaúna, principal daquela região belicosa, tornou viável a empreitada. Reunidos os titulares das capitanias do Norte, incluído o de Pernambuco, concordaram em ser “convenientíssimo fazer-se a Conquista, e irem-se assegurando e povoando primeiro alguns pontos de aquela costa com pequenos presídios”.46 O projeto seria possível somente se avançassem aos poucos e por etapas e assim o fizeram. Um ano antes de a empresa francesa aportar em UpaonAçu com o objetivo de fundar a França Equinocial, os portugueses já iniciavam ações preliminares da ocupação do Maranhão. Martim Soares foi a pessoa 45 Ibidem 46 Idem, p. 31.
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indicada porque, além de sobrinho e protegido de Diogo de Campos Moreno, aprendeu com facilidade as artimanhas das guerras do Brasil. Como capitão do Ceará, fundou a igreja de Nossa Senhora do Amparo e construiu um forte – importante ponto estratégico para impedir o comércio francês - capaz de abrigar duzentos soldados além de moradores. Seu bom desempenho resultou na captura de alguns navios estrangeiros.47 O novo governador do Estado, Gaspar de Sousa, trouxe recomendação de S. Majestade para, junto a Pernambuco, ultimar a empreitada. As dificuldades eram de todo gênero, e temerária a incumbência: poucos recursos financeiros, índios agressivos ou arredios por serem testemunhas de várias tentativas frustradas, recusa de colonos a integrarem expedição tão perigosa devido à distância da capitania de Pernambuco e freqüência constante de piratas na orla, inclusive, já com feitorias instaladas em muitos locais. Holandeses e, especialmente, franceses freqüentavam todo aquele litoral. Em 1611, Martim Soares atacou e matou quarenta e dois homens de um navio holandês, tomando a própria embarcação, mantimentos, arma, 47 Martim Soares Moreno, muito jovem, em 1603, acompanhou a expedição de Pero Coelho para expulsar franceses, investigar a existência de minas e explorar a costa até o Maranhão. Integrou-se de tal maneira com os índios que, nu e pintado de genipapo, combateu e matou mais de duzentos franceses e holandeses, conforme registro de Studart em Documentos para a história do Ceará, I, p. 135. apud Mello, Olinda Restaurada. p.353.
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artilharia e munições. Naquela mesma ocasião, os portugueses afugentaram do porto de Mucuripe outra nau com a mesma bandeira, matando alguns homens do batel. Eram amiúdes as notícias de piratas franceses em feitorias no litoral norte. Além dos constantes conflitos com piratas e aventureiros, a morosidade na comunicação entre povoados e a sede da capitania, e de Pernambuco com a Corte não assegurava qualquer providência ou reforço a tempo de evitar mortes por ataque de nativos ou por fome. Uma carta do Ceará para Pernambuco demorava um mês para chegar ao seu destino. Isto sem contar com a lentidão no atendimento de ações necessárias, proteladas tanto pela burocracia quanto pela falta de recursos do Estado português. Depois de três anos de uma primeira tentativa de reconquista do Maranhão, Jerônimo foi indicado “por ser experimentado nas coisas do Sertão e dos índios, como por ser grande truxamante ou língua entre eles e, com nome de seu benfeitor e parente, ser mui aceito e conhecido em toda aquela costa, nas quais qualidades parece que consistiu o maior peso da expedição, que sem índios era impossível fazer-se”.48 O capitão da conquista avaliava todos os entraves para um bom desempenho da incumbência, acostumado que era a tarefa semelhante em outros 48 Moreno, op. cit., p. 33.
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locais. Comparando os recursos recebidos para a conquista e povoamento do Rio Grande do Norte aos oferecidos para a Jornada do Maranhão, a desproporção era de desanimar qualquer chefe.49 Não havia dinheiro para a guerra e faltavam provisões para alimentar os soldados, abastecidos somente de farinha de mandioca.50 Como costumava acontecer nas campanhas do Estado português, o comandante também participou do financiamento da empreitada, garantindo, então, o mínimo indispensável. Um conquistador de sertão como Jerônimo de Albuquerque não era um funcionário da Coroa. Ele exercia atribuições públicas, mas equipava o grupo, parte às suas custas, parte por conta do Estado. O chefe conseguiu menos do que esperava, porém pôde escolher alguns flecheiros mais destros e completar o contingente, composto de soldados inexperientes e mal alimentados. Sobre a tropa, Manuel de Sousa d’Eça comentou: “Os quatro capitães que hoje estão no Maranhão, todos juntos não chegam a 80 anos”. Talvez pela pouca idade dos capitães, as técnicas militares dos nativos foram 49 Para a tropa do Rio Grande do Norte: um cruzado de tributo sobre cada caixa de açúcar que saía de Pernambuco, o dinheiro que estava recolhido dos defuntos e ausentes, dízimas e doação de particulares, todos os navios de provimento que estavam no Recife, vinhos, azeites, comidas, nove peças de bronze, muitas de ferro coado, munições, armas e comida. 50 Azeite, biscoitos e vinhos eram produtos quase indispensáveis e não estavam disponíveis para aquela jornada.
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mais facilmente assimiladas pelos expedicionários da Jornada do Maranhão, priorizadas a experiência prática e a bravura, quiçá fruto do pavor. Embora a guerra mista exigisse menos que os majestosos confrontos europeus, havia grande dificuldade em amealhar recursos. Da parte do governador, os apertos eram muitos: chegou a pedir farinha, dinheiro e “navios mancos, pequenos e velhos” emprestado de particulares. Esses parcos meios seriam compartilhados com os presídios do Ceará e do Buraco das Tartarugas, inclusive de pólvora e munições de guerra. Nem os dois reverendos padres capuchos nomeados para a Jornada receberam alguma ajuda da Fazenda de Real, antes pediram esmolas, cálices, ornamentos e tudo o mais necessário para o culto divino. Com os mantimentos recebidos dos fiéis, “fizeram infinitas caridades a todos os da Jornada”, a trezentos homens de mar-e-guerra, duzentos índios, suas mulheres e crianças. A frota de cinco caravelões, insuficiente para comportar brancos e índios, mal vestidos, mal armados e mal nutridos, sem os alimentos costumeiros a qualquer viagem. Carecia também de mezinha, um físico, um barbeiro, dentre outras exigências, especialmente por se tratar de uma conquista tão arriscada. 51 Outros fatores agravantes dificultavam o sucesso na empreitada do Maranhão: os franceses 51
Moreno, op. cit. p. 38.
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eram em maior quantidade e melhor arregimentados; os índios a serviço dos gauleses, superiores em número; a dificuldade de receber provimentos ou outros recursos de Pernambuco era muito maior em decorrência da distância entre o campo de guerra e a capitania. Consciente dessas adversidades, a duras penas o contingente chegou ao Ceará. A primeira providência do titular da Jornada foi pedir a colaboração de Martim Soares no reconhecimento da costa até o Maranhão. Restava povoar pontos estratégicos, próximos à serra de Ibiapaba, e fazer as pazes com os índios teremembés. Albuquerque conseguiu assentar uma povoação em Periquaquara, erigiu um altar a N. Senhora do Rosário, conversou com os índios de Ibiapaba e chamou o principal Diabo Grande para ouvi-lo. Não sendo possível tal entendimento, o velho cabo de guerra voltou para Pernambuco em 1612, por sentir ainda não ser o momento. As três instâncias de poder, S. Majestade, o Governador do Brasil e o Donatário de Pernambuco, não abandonaram a idéia da conquista do Maranhão, embora dispuzessem de ínfimas posses. A ameaça holandesa fez a Coroa prometer, em junho de 1613, quatrocentos homens, ministros de guerra e artilharia para socorrer Gaspar de Sousa. Um irrisório contingente para a envergadura da luta foi fornecido, porém, “... quando para a jornada do
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mar para o efeito não servisse, seria para a Jornada do Maranhão, donde ninguém se deliberaria ir por sua vontade”.52 Em abril de 1614, cinqüenta soldados ficaram disponíveis para guarda de tudo; em 26 de maio, partiu “um caravelão da Costa apercebido de trezentos alqueires de farinha somente para levar socorro aos das Tartarugas que havia três meses que comiam ervas do campo”.53 Não obstante essas circunstâncias, o perigo era iminente. Uma nau com trezentos franceses parou no Buraco das Tartarugas rumo ao Maranhão, e dos cem homens que saltaram naquele porto um foi morto e sete saíram feridos pelos militares da fortaleza lusitana. Da parte dos portugueses, a baixa foi de um morto e quatro feridos. Este incidente levou Gaspar de Sousa a recomendar urgente ação de Jerônimo de Albuquerque na arregimentação de índios, provisões e regimento, e nomear Diogo de Campos Moreno auxiliar do capitão da Conquista. Foram formadas quatro companhias de sessenta soldados cada uma. Depois dos preparativos, arregimentação de militares, adesão de padres, nativos, portugueses, até mesmo aventureiros, estava organizada a expedição, inclusive com outros particulares, como foi o caso do engenheiro do Estado 52 Idem, p. 35. 53 Idem, p. 34.
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Francisco Frias de Mesquita e do capitão Gregório Fragoso de Albuquerque, que, às suas custas, se dispuseram servir uma companhia.54 No Rio Grande do Norte, o capitão da conquista conseguiu um número de parentes inferior ao que esperava arregimentar.55 Na partida, o mameluco se recusou ir por mar. Depois do protesto do comandante e da indiada, prevaleceu a opinião do sargento-mor. Acomodaram-se em “tão desguarnecidas e cativas embarcações”, com dificuldade de transportar as tropas, armas e víveres. Partiram do Rio Grande do Norte, a 5 de setembro de 1614. Chegando à baía do Iguape, onde atracaram, o capitãomor, os índios e suas mulheres, muito maltratados do mar, desembarcaram no Mucuripe, preferindo caminhar até as aldeias do Ceará. 56 No Ceará, a expedição supriu brancos e nativos, residentes na casa e a serviço do forte de Nossa Senhora do Amparo, de roupas, armas, munições e ferramentas, em troca de farinha para as naus. O chefe da jornada e duzentos e vinte flecheiros, ainda a pé, encontraram-se com a armada em Paramiri. Cinqüenta índios embarcados no Rio Grande do Norte ficaram no Ceará com a aquiescência do chefe e protesto do seu coadjuvante. Os brancos se 54 Idem, p. 40. 55 Foram relacionados duzentos e trinta e quatro flecheiros, trezentas mulheres e meninos, o que é questionável. 56 Moreno, op.cit., p. 48. Mucuripe é o atual porto de Fortaleza.
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sustentavam em Deus através de orações e Missas solenes celebradas pelos capuchos. Para os índios talvez aquelas preces não significassem muito. Pela descrição do sargento-mor, imagina-se um avanço lento, com muita precaução, devido o comportamento reticente dos aborígines da região. Em Camuri acamparam para um balanço da viagem e tentativa de aliança com os tabajara de Buapava. A útil adesão dos terebembés do Parnaíba e de Tutóia foi possível depois do entendimento com Martim Soares.57 Diabo Grande, cacique de uma das tribos mais numerosas da serra de Ibiapaba e influente em toda região, negou ceder alguns dos seus para a expedição, sob a alegação de que a tribo adoecera, queimaram as casas e aldeias e todos estavam no campo até passar o perigo de contagio. Dois soldados, emissários que foram àquela serra avisar da chegada da armada, ratificaram a alegação através de uma carta pedindo “barbeiro e mezinhas para se curarem, que também o mal os tinha apalpado”. 58 Quanto mais se aproximavam do Maranhão, “sem deixarem atrás coisa alguma que asseguradamente fosse amiga”, mais certeza da vulnerabilidade da armada. Parar seria desonroso e continuar, 57 Idem, p.52. Moreno grafa Pará referindo-se ao atual rio Parnaíba e Ototoi, ao rio Tutóia 58 Idem, p.53. Mesmo com a carta confirmatória dos soldados, Moreno ainda duvidou da epidemia que assolou a tribo
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perigoso.
“O mito geográfico e político orienta, mais do que o mundo da verdade, o passo, cauteloso e ardente, do português. A conduta dos homens, a par dos interesses econômicos vinculados ao mesmo rumo, funcionaliza o mito”.59 A visão da descoberta impulsionou aquela gente a atingir o objetivo. Uma estratégia foi discutida com os mestres e pilotos, concordantes em chegar ao Periá, mais por necessidade que por razão de guerra.60 Reparadas e arrumadas as peças de ferro nas embarcações, as pessoas também foram distribuídas com dificuldade entre os barcos, porque com os soldados e índios de Jeriquaquara crescia a exigüidade de espaço nos navios. Embora com muito desconforto, todos embarcaram, “... donde era impossível irem deitados, nem haver mais que comer farinha e água, porém era tal o desejo de todos saírem daqueles degredos e de verem se mais avante podiam melhorar sua sorte, que todo o outro trabalho lhe parecia glória”.61 Com um movimento de muito atrevimento, aportaram no Periá, saltaram, reconheceram o local e, enquanto o engenheiro buscava um sítio para a 59 Raymundo Faoro, Os Donos do Poder, 5ª Edição, Porto Alegre: Editora Globo, 1979, p.157. 60 Moreno, op. cit., p.54. 61 Ibidem.
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fortificação, tomaram posse daquele novo mundo, com ato solene em nome do rei da Espanha. Plantaram uma “grandíssima cruz de forte madeira, por padrão e posse tomada desta primeira barra do Perejá”.62 Faltava boa água e só havia farinha. O nervosismo da tripulação, expresso em protestos inaceitáveis pelo sargento-mor, atento em tirar devassa para serem castigados alguns dos causadores, foi compreendido pelo capitão da conquista: tolerou a reação dos companheiros e a recusa de alguns nativos do Ceará e de Ibiapaba de se integrarem ao grupo. Planejou a imediata saída, barra-a-dentro do Maranhão, convicto de um entendimento com os tupinambás, e que “todos se haviam de vir à sua obediência”.63 O sargento-mor discordou da saída do Periá, mas seus argumentos não impediram Jerônimo de Albuquerque de levar adiante a idéia de se aproximar do seu alvo de conquista o mais breve possível. Em 15 de outubro, mandou um batel com dois pilotos, seis marinheiros e seis soldados particulares reconhecerem o Maranhão, sua barra e a Ilha Grande. 64 Voltaram com a notícia de terem achado um bom local em matéria de abastecimento d’água, bem sombreado e imperceptível ao inimigo.65 62 O antigo Perejá, atual rio Periá desemboca em Primeira Cruz, nome dado ao município em razão da primeira cruz plantada no Maranhão. 63 Moreno, op. cit., p. 56. Este convencimento irritava o sargento-mor. 64 Idem, p. 58. 65 Idem, p. 59.
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O mameluco, hábil em refrear ou inspirar seus homens, ordenou o embarque, liberando os que quisessem ficar. Pelo relato, todos seguiram. O percurso foi difícil: infinitas ilhas, verdadeiro labirinto onde constantemente os navios se perdiam e se reencontravam com o auxílio dos dois caravelões mais ligeiros; a vazante das marés encalhava a frota, como bem mostra a descrição abaixo: “... minguando o mar dezenove palmos de água, se acharam os navios grandes em seco, de modo que, calçados e vestidos, os homens saíam a passear na areia que quase ficou enxuta, e andaram de uns em outros navios, que parecia encantamento...” 66 Não era só o prazer de passear na areia. As sensações se alternavam, entre facilidades e dificuldades. De maré cheia, na noite escura, com infinito trabalho e perigo, entraram pelo canal de Mamuna e, novamente em maré vazada, navios encalhando com pesadas munições, artilharia e mantimentos, eram esvaziados e recarregados “sem haver em todo aquele caminho, de dia nem de noite, uma hora de repouso”.67 Em determinada circunstância, entre ilhas tão estreitas e mato tão alto e cerrado, verdadeiro esquadrão de perigos, os navios ficaram no 66 Idem, p. 60. 67 Ibidem.
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seco e, em certo momento, foram empurrados no lameirão mais de seiscentos passos até chegarem às águas mais fundas para seguirem os caravelões, “... que se adiantaram tão desordenadamente quanto a necessidade os obrigava, porque a gente era tanta e tão apinhada que não havia água que os sustentasse contra a excessiva quentura do sol, nem o mantimento era mais que uma pouca farinha de guerra seca, de modo que todos desejavam chegar àquele lugar, em que tinham sua esperança”.68 Primeiro, o chefe planejou chegar à Ilha de Santa Ana, chamada de Guajavás, donde se faria a praça d’arma para chegar ao Maranhão. Ao que tudo indica, quanto maior o desafio, mais o comandante demonstrava esperança: os caravelões, perdendo de vista o batel de sonda, tomavam diferentes canais; os navios grandes encalhavam a cada passo e também se apartavam; a escuridão da noite desnorteava cada vez mais os navegantes. Eis que uma jangada, pilotada por um navegador bem experiente, surgiu de um canal muito estreito e encaminhou os navios que, no dia 25 de outubro, reunidos, chegaram à ilha de Santa Ana. Cada sucesso alentava o comandante. No dia seguinte, se fizeram
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Idem, p. 61.
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à vela por entre bancos perigosíssimos para navios tão carregados. As oito embarcações chegaram a salvo em Guaxenduba. Enfim, estava ocupada aquela grande barra do Maranhão pelos lusitanos, com seus barcos em ala, e todas as bandeiras tendidas. Tal aparato chamou a atenção dos ocupantes da Ilha Grande, defronte duas léguas e meia: uma fumaça por toda a costa, como um aviso, perdurou por bom espaço de tempo. Foi confirmada a presença do inimigo francês “porque aqueles fogos não são feitos por acaso, nem por bárbaro”, como disse Diogo de Campos Moreno, muito preocupado em descarregar os navios e tratar de construir uma fortificação, dada a exposição dos recém chegados, em uma praia cuja maré vazante impedia qualquer tipo de defesa e possibilidade de ir ou desembarcar dos navios.69 Outro inconveniente preocupava o sargentomor: o porto era desviado da barra mais de quatro léguas, “... de sorte que com grande facilidade lhe podem tirar o favor e serventia da costa quaisquer navios, de modo que, tirando ser água de beber, e boas terras e madeiras ao redor de si, tudo o demais que se busca em razão de guerra lha falta; mas já chegados ali, e descobertos, não havia outro remédio”.70 Imediatamente amarraram os navios, saltaram, distribuíram a cada um sua arma e trataram 69 70
Idem, p. 62. Ibidem.
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do reconhecimento do sítio para escolher o lugar e forma da fortificação. Depois de apresentadas a solução nativa, uma casa no meio de uma cerca de mato cortado, “pois cá nestas partes não se usavam outras fortalezas”, e a proposta européia de um plano mais sólido, prevaleceu a segunda. Francisco Frias de Mesquita traçou um sexágono perfeito, capaz de alojar toda aquela gente “e se defender com mui pouca, acomodando-se com o terreno”.71 Depois da Missa e com base no calendário litúrgico (dia do festejo do nascimento de Nossa Senhora) os capuchos tiraram sorte e nominaram o forte de Santa Maria e “este dia se começou com todos os soldados, cada companhia seu lanço”.72 A diferença entre a força do inimigo e a falta do mínimo assegurador de suas vidas talvez tenha resultado no incentivo a um árduo trabalho na construção da única garantia de defesa, o forte. “...assentaram três peças de artilharia em uma esplanada, que para isto fizeram com seus cestões, enquanto os baluartes e cortinas da obra se firmavam de grossas vigas, assentados sobre grade e cruzados de per alto com fortes travessas, e logo até o meio altura de um, estando feita uma trincheira com seu en71 72
Idem, p.63. Ibidem.
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tulho de oito palmos de largo por dentro todo a roda, e cada baluarte, duas garitas no alto da cerca para as sentinelas, de modo que com doze soldados se vigiava e escortinava tudo”.73 Grande labuta em terreno duro e seco, porém, a necessidade de defesa os forçou a trabalhar com afinco, não obstante todas as insuficiências, como está registrado: “A comida, somente água e farinha, porque do mar nem da terra inda não podiam valerse, e assim cada dia dos soldados de Jeruguaguará morriam, e dos demais, adoeciam sem nenhum humano remédio ou consolação alguma”.74 Além da miséria, pairava enorme ansiedade pelo perigo deflagrado através de vários sinais. A gente do mar e de serviço descarregava os navios quando uma grande canoa com índios conturbados, embora aparentando alegria, dirigiram-se a Albuquerque com depoimentos conflitantes sobre os franceses. O anfitrião não deixou transparecer sua desconfiança, presenteando-os com vestidos e coisas de resgate.O comandante preferiu liberá-los sem forçar qualquer confissão. Mandou cinco parentes, dentre os quais um índio velho de muita importância, para falar aos de Upaon-Açu e, como garantia, reteve dois filhos de um dos principais da Ilha. 73 74
Idem, p. 64. Ibidem.
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Poucos dias depois, outro ato furtivo dos tupinambás: algumas índias e moços mariscavam bem distantes do quartel quando foram agredidos com terrível brutalidade.75 Despedaçaram quatro moças, mataram um curumim e cativaram algumas outras nativas e meninos, levados na canoa em que vieram. Rapidamente os do forte Santa Maria tomaram os seqüestrados, mataram dois agressores, renderam a canoa e prenderam o capitão da operação. A primeira embaixada foi de reconhecimento dos navios e pessoas recém-chegados. Em uma segunda canoa, conforme os costumes e ritos de suas guerras, os integrantes vieram para quebrar cabeças como sinal de impossibilidade de paz entre uns e outros silvícolas. Contudo, o velho guerreiro continuava esperando pela paz. O prisioneiro revelou o número de franceses, fortes, artilharia pesada de ferro e de bronze, navios, os principais portos e as canoas dos nativos das redondezas sob total obediência do major e a prontidão para o ataque. Disse também da condição dos enviados portugueses a ferros e sob tortura, apertados com cordéis, para informarem o cenário e planos portugueses. A 2 de novembro, a quarta investida francesa aconteceu como um sinal de alerta: fogo de ar75 A constante observação das praias pelos homens dos fortes e policiamento naval francês da baía de Guaxemduda representava perigo, porém, pela fome e pelo paladar, os índios arriscavam mariscar frutos do mar.
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tilharia ligeira, de menor alcance, usada na Europa, proveniente de duas lanchas e dois pontos da terra em frente do forte Santa Maria foi revidado pelos portugueses, com sua artilharia pesada, a de sítio, de maior alcance. Houve um recuo, porém, com a maré alta, surgiram outras lanchas em reconhecimento do campo lusitano, sendo imediatamente rechaçadas.76 Ouvidas estas novas e confirmadas com a tentativa de ataque naquele Dia de Finados, o chefe da Jornada, logo no dia 5, mandou a Pernambuco em busca de socorro, os dois caravelões mais velozes e melhor velejados. Em vão, a nau Regente tentou impedí-los. As freqüentes ameaças francesas apressavam seus oponentes: terminando uma tarefa, iniciavam outras. Sempre armados, atravessavam matos, rondavam os portos das praias, guardavam postos fazendo emboscadas, reconheciam pistas, observavam o mar, trabalhavam nas obras e na descarga dos navios, tudo com muita atenção porque, a todo o momento e dos mais distintos lugares, apareciam lanchas, canoas e patachos. “... descalços, despidos, rotos do mato, transidos, pálidos, mas mui animosos andavam todos os soldados e oficiais, com uma conformidade grande”.77
76 77
Moreno, op. cit., p. 66. Idem, p. 67.
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Uma quinta escaramuça francesa ocorreu no dia 7 de novembro. Uma bandeira branca, sinal de paz, apareceu em uma coroa de areia, defronte do forte Santa Maria. Como mandam as regras da guerra, Jerônimo de Albuquerque, presumindo um entendimento, mandou uma caravelão e, ao aproximar-se, franceses com roupões largos e armas escondidas, iniciaram um tiroteio, auxiliados por outros mosqueteiros entrincheirados na areia. Os vintes soldados do caravelão responderam com tiros de mosquetes e os agressores recuaram. No dia 10, uma canoa foi interceptada por sentinelas da emboscada do Munim. Dois índios fugiram “nadando como golfinhos mais de duas léguas” e outros foram levados até Albuquerque. Admoestado pelo sargento-mor para forçá-los a dizer o que acontecia do lado francês, o comandante reagiu, dizendo: “Senhor, isto não é guerra de Frandes. V. M. me deixe com os índios, por me fazer mercê, que eu sei como me hei de haver com eles, que sei que me vêm buscar de paz”. 78 Além de retrucar convictamente, confirmou sua atitude, dando vestidos, espelhos e resgate, deixando-os sair livremente. Um índio que tinha sua mãe e parentes em Pernambuco preferiu ficar, e avisou ao frei Manuel que naquela noite viria uma missão de sondagem das forças inimigas prepara78
Idem, p. 68.
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das para tomar ou queimar os navios lusitanos e cercá-los por mar e por terra. Por ordem de Diogo de Campos Moreno, uma esquadra de soldados ocuparia os navios e avisaria os companheiros de bordo, ordem imediatamente sustada pelo capitão, sob a alegação de que não estavam ali para defender navios podres, senão a terra, de que estavam de posse. Perguntado que satisfação daria se ficassem sem os navios, logo respondeu: “Eu darei por escrito a V.M., cada vez que ma pedir”. Depois de uma decisão tão firme, todos foram recolhidos ao forte e ficaram em boa vigia, aguardando os inimigos. A chegada sorrateira dos navios franceses, desapercebidos pela gente do mar, foi rechaçada pela artilharia do Forte com enérgico poder de fogo, dando em umas e em outras embarcações, até que os três comandantes da operação, desenganados da força de seus navios, levaram a caravela que estava mais ao mar, o patacho e um barco, escapando os outros três navios portugueses, mais abrigados da artilharia. Embora essas tentativas dos ocupantes de Upaon-Açu tenham sido frustradas “Não se pode contar a soberba com que o inimigo dali em diante corria o mar livremente, de uma a outra parte dos quartéis portugueses, e como tinham ocupado todo o canal com velas, dando tanta inquietação e tão novos trabalhos aos do forte Santa Maria, que nem comer nem trabalhar deixavam
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a gente, antes, armando as três embarcações que tomaram, com elas vinham a se meter debaixo da artilheria, tirando as mosquetadas aos que andavam na praia”.79 As idas e vindas dos navios, a superioridade da frota, da artilharia, o número de militares, fora as inumeráveis aldeias amigas da Ilha até o Pará, uma profusão de canoas armadas, munições de guerra, toda essa parafernália atemorizava os portugueses e acabrunhava os nativos amigos, especialmente porque os franceses haviam tomado facilmente três embarcações. O sargento-mor propôs mandar alguns selvagens e quatro soldados até Ibiapaba, ao Ceará e a Pernambuco falar das ocorrências e pedir reforço urgente. O mameluco, observando a postura dos seus aparentados, tão encolhidos e espantados, mostrou o perigo, porque se “um só fosse, sem dúvida se haviam de ir todos”. Quando pensaram descobrir outros canais mais discretos aos olhos inimigos para chegarem a Pernambuco sãos e salvos em busca de ajuda, já era tarde. Jerônimo de Albuquerque, além da convicção de líder, também confiava em seus conhecimentos sobre a questão do armamento apropriado para aquele tipo de luta, onde preponderava a surpresa dos assaltos, facilitados pela densa vegetação.
79
Idem, p. 70.
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A batalha de Guaxenduba No dia 19 de novembro, a baía de Guaxenduba amanheceu repleta de embarcações à vela e a remo, verdadeiro teatro de guerra. Silenciosamente foram se aproximando da praia próxima ao forte Santa Maria. Parte do contingente saltou, desfraldando inúmeras bandeiras, trombetas, caixas, buzinas, “que não houve mais o que fazer que acudir aos do forte Santa Maria, cada qual à sua estância”.80 Da fortaleza, o capitão-mor, o sargento-mor e oitenta soldados observavam como se posicionava o inimigo. Franceses na vanguarda já tomavam posto. Em seu auxílio, outro grupo se lançou à água, molhando armas e bandeiras. Seguiram-se os índios, cobertos de paveses, tintas de mil cores e, empenados ao seu modo, ocuparam todo o espaço. Aos olhos dos portugueses “parecia estar ali todo o inferno”.81 Jerônimo de Albuquerque e alguns arcabuzeiros se aproximaram e travaram uma escaramuça para ver a reação de seus opositores. Localiza-se nessa descrição, a noção de uma arte ou estilo militar próprio do Brasil. Dois franceses e um soldado português caídos fizeram o Capitão-mor retroceder à sua fortaleza. Os gauleses entenderam a retirada 80 81
Idem, p. 73. Idem, p. 74.
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dos adversários como vantajosa, dando tempo para desembarcar as armas e tomarem posições estratégicas. Enquanto isto, os comandantes lusitanos planejavam dividir brancos e índios em dois grupos, um pela montanha e outro pela praia e, frente aos inimigos, Jerônimo de Albuquerque daria um sinal ao outro grupo por meio de seus tambores, ordenando ataque imediato. La Ravardière incorreu num grave equívoco: o modelo de guerra de Flandres não devia ser adotado no Maranhão, carente de uma estrutura sólida de fortificações, aos moldes da engenharia militar adotada no final do século XV e começo do século XVI. Os fortes do Cahur e de Itapari eram simples adaptação de um e dois canhões, respectivamente, em altas barreiras e o de Saint Louis, de pau-a-pique e na parte interior do cenário da luta. Embora os nativos participassem com seus apetrechos de guerra, seguiram as ordens dos superiores franceses. O forte de Santa Maria, mais sólido, atendeu à função logística, capacidade de acolher os soldados, armas e munições, além de exercer papel fundamental como ponto estratégico, graças a seu poder de fogo. Além disso, os nativos eram comandados por um meio índio. O único perigo era os franceses ocuparem a montanha em frente ao forte Santa Maria, e o previsto aconteceu. Parte dos franceses desembarcou na preamar, no outeiro diante do forte português, imediato ao
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mar e próximo ao rio provedor de água doce aos portugueses. Ao pé do monte ancoraram cinqüenta canoas, mais de dois mil índios flecheiros da Ilha e de Tapuitapera, e duzentos soldados em duas tropas, comandados por fidalgos de casas conhecidas de França “e dos mais bravos soldados dela” empunhando armas com capacidade de alcance nunca visto.82 Cada silvícola trouxe um feixe de varas para levantar rapidamente uma cerca no alto do monte onde entrincheiraram os mosqueteiros e quatrocentos tupinambás, com a ordem de não largarem o posto. Outra cerca mais em abaixo resguardou a primeira e isolou todo o espaço de terra entre a maré e o monte, com sete trincheiras de pedra, altas e grossas, defronte do forte Santa Maria. Os franceses confiavam na ajuda dos silvícolas, nas suas armas, na guerra do mato, inclusive incentivandoos a fabricar muitas canoas e instrumentos, porém, da maneira como os fatos foram narrados, observa-se certa dificuldade dos comandantes deixarem a indiada livre para enfrentar seus iguais com as mesmas estratégias. Das canoas abicadas ao pé da montanha e defendidas pelas trincheiras, saltaram mil e quinhentos naturais flecheiros e “ocuparam tudo o que o mar vazava”, todos fazendo os seus
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Idem, p. 75.
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motins e se aproximando cada vez mais do forte Santa Maria. Enquanto isto, no mar e em posição de retaguarda, La Ravardière com duzentos soldados franceses e cem flecheiros de Cumã, calculava ultimar a luta com sua artilharia. Jerônimo de Albuquerque, o capitão de Sousa d’Eça, Francisco Frias, setenta e cinco soldados e oitenta flecheiros, gente velha e destra nas ocasiões e guerras do Brasil, marcharam por uma vereda secreta, e Diogo de Campos Moreno, Antônio de Albuquerque, filho do capitão-mor, parte da companhia do Forte e alguns aborígines, aproximaram-se discretamente dos inimigos, sem bandeira e toque de caixa, encobertos pelo mato, resguardando-se atrás de suas embarcações encalhadas. Sem alarde, esses dois grupos compostos de soldados profissionais e pessoas inadaptadas à disciplina militar, aguardaram o toque do comandante, posicionado na montanha, para dar início ao confronto de Guaxenduba. Os homens escamoteados entre o mato e camuflados com galhos tomaram posições estratégicas discretas para um ataque de surpresa. Adotaram somente parte da arte militar portuguesa, uma vez que as regras de Flandres sofreram as modificações exigidas pelas circunstâncias. La Ravardière tratou de controlar as posições fortificadas ao longo da baía que separa Upaon-Açu do continente, com pesada artilharia, para obrigar a rendição do forte de Santa Maria.
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Um trombeta, com as armas reais da França, tocou em sinal de chamamento, e foi logo atendido por um tambor português. Trazia uma carta em francês do seu general endereçada a Jerônimo de Albuquerque, onde ressaltava o atrevimento dos lusitanos em conturbar os limites franceses e alertava sobre o perigo de serem abocanhados por um número infinito de selvagens que os odiava, motivo pelo qual propunha sua rendição no prazo de quatro horas. A carta foi respondida com o imediato ataque pela montanha e pela praia, fazendo muitos mortos e ganhando a primeira trincheira inimiga. Os índios, vendo os portugueses avançarem e não perderem os tiros, apavorados, retrocederam com a chegada do capitão-mor na praia, cena completada com o grito do sargento-mor: Vitória, que fogem! Um e outro grupo de franceses continuaram pelejando galhardamente até quando viram seus espaços ocupados com a retirada dos nativos, seus aliados. Tentaram tomar os navios, porém Jerônimo de Albuquerque saiu do mato e, sozinho, os interceptou, correndo grande risco, o que logo foi socorrido pelos seus, mais vagarosos, porém “mui valerosos e honrados”.83 Muita crueldade no confronto corpo-a-corpo na praia e no mato, recurso 83 Esta atitude de Albuquerque é muito semelhante às descritas por Boxer na Ásia: “...cada soldado corria impetuosamente para a frente, sozinho, como se estivesse disputando uma corrida contra seus camaradas”.Charles R. Boxer, op. cit., p. 312.
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sistemático de emboscada. Nesta ocasião, morreu Monsieur De Pezieux, lugar-tenente-general, fidalgo católico e de tantas partes, “que sempre será chorado dos seus”. Caído o eminente soldado, os demais continuaram lutando até o campo de batalha ficar “coalhado de mortos franceses e índios”.84 Do mar, La Ravardière viu todo o destroço de sua gente e mandou os navios mais ligeiros atacarem o forte Santa Maria, logo desviados pela artilharia articulada por um capitão, um alferes, trinta soldados marinheiros e alguns doentes, demonstrando mais força do que de fato havia. Tiros, “cutiladas e arcabuzadas” do mar e da terra, do monte e da praia agrediram tão intensamente o inimigo, “como jamais foi visto no Brasil”.85 Para assegurar a vitória, o sargento-mor mandou incendiar as quarenta e seis canoas e respectivos remos, imbicadas na areia, para quebrar o ânimo dos franceses, mostrando aos do mar sua armada em cinzas e aos da montanha a impossibilidade de se salvarem nela.86 Exausto por ter pelejado “como quem era”, o sexagenário foi descansar no Forte, enquanto alguns despojaram, saquearam mantimentos, munições e armas “de que o campo estava coberto”. Alertado Jerônimo de Albuquerque sobre a premência de de84 85 86
Moreno, op. cit. p. 80. Idem, p. 81. Ibidem.
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socuparem a montanha, ainda guardada por valorosos oficiais franceses, o velho mameluco tomou, incontinente, suas armas e, com seu filho, foi “por uma banda, e o sargento-mor ficou na da praia, e pelo mato cerrado chegando-se bem acerca, houve uma contenda mui desigual”.87 Muito expostos, os portugueses tiveram alguns mortos e muitos feridos, porém, continuaram suas mosquetadas, matando alguns e ferindo o língua-mor dos índios, todos posicionados na cerca. O sangue dos feridos e a falta de pólvora foram o bastante para os nativos de Upaon-Açu darem sinal de debandada com palmas e canto, descendo montanha abaixo. Depois da demonstração de muita tenacidade e do dever cumprido, franceses e índios se retiraram, uns salvando-se pela espessura do mato, outros nove aprisionados e cento e cinqüenta morreram afogados ou no campo de batalha. Naquele último enfrentamento, os portugueses não contaram com a ajuda dos selvagens, ocupados em quebrar cabeças e despir os mortos, conforme seus costumes. Quase de noite, com o toque de recolher toda a gente rumou para o forte Santa Maria e louvou a Deus, depois de acudir os muito machucados, juntar e sepultar alguns dos onze portugueses mortos.
87
Idem, p. 82.
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Depois do embate O sabor da vitória não superava certas preocupações e responsabilidades do comandante. Era triste o quadro de ver os muitos feridos, inclusive seu filho Antonio, sem um cirurgião, nem mezinha alguma nem outro recurso qualquer a não ser um rapaz que atava as lesões e só dispunha de azeite comum ou de copaíba e panos molhados em água e sal. Confinados na fortaleza, velaram os falecidos a serem enterrados no dia seguinte e atenderam feridos e famintos. Preocupava-os também a armada inimiga à vista, com duzentos soldados, agravada a inquietação com o rumor da vinda no outro dia de muitos nativos de Cumã. Temiam uma segunda tentativa dos índios da Ilha, fugidos no primeiro encontro, e os da montanha, escondidos nos arredores. As forças do mar conservaram-se quase intactas e alguns franceses permaneciam nas embarcações com possibilidade do grupo se reorganizar para posterior revanche, enquanto a frota portuguesa estava diminuída e vulnerável. Noite de grande vigília, todos atentos ao mínimo ruído do mato e da praia. Um principal da Ilha falou do medo dos companheiros fugidos e escapados do combate, da tristeza pelos mortos e perda das armas e canoas. No dia seguinte, nenhuma bandeira foi desfraldada na armada, nem som de trombeta ou caixa como toque de alvorada, nem disparo de arma de fogo,
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silêncio significativo do luto pela morte do tenente-geral De Pezieux e demais parentes e amigos de La Ravardière, confinado em seu camarote por dois dias, em atitude de consternação e inconformismo com a inacreditável derrota. Os do forte Santa Maria compreenderam a tristeza do adversário, misturando-se respeito e receio de nova reação do inimigo, tão poderoso ainda em homens, navios e artilharia. No arraial, ao seu modo, somente os índios dançaram e cantaram toda à noite e as mulheres descreviam aos portugueses as proezas de seus maridos e “... publicando os nomes dos homens de guerra que haviam tomado nos contrários, quebrando-lhes as cabeças: cerimônia notável e de muita graça, pelo fervor com que as mulheres índias de aquelas partes dão à execução este rito”.88 A expectativa de uma reação pairava em Guaxenduba, e este sentimento aumentou quando, a 20 de novembro, os portugueses viram se aproximar da terra e da armada dezesseis canoas grandes, uma atrás da outra, com seiscentos a setecentos tupinambás, vindos de Cumã e, pelo largo giro que davam, pareciam pretender se aquartelar no rio Munim, tirando a possibilidade de suprimento de água dos lusitanos. Ante o perigo, o sargento-mor do Estado lançou fora cem arcabuzeiros sob as or88
Idem, p. 86.
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dens do capitão Manuel de Sousa d’Eça, os quais, marchando à vista da armada pela baixa-mar, se localizaram frente às canoas aportadas. Pelo lado do mato, os índios amigos foram acompanhando o movimento das canoas até que alguns tupinambás foragidos e em busca de salvar-se relataram a seus comparsas a derrota do dia anterior. Com a notícia, os recém-chegados embarcaram rapidamente rumo a Cumã, sem mesmo se dirigirem à armada onde se encontrava o principal da Ilha, solidário ao general La Ravardière. Aliviados da surda ameaça de um segundo enfrentamento talvez sem sucesso, os de Guaxenduba queimaram as cercas do inimigo, desmancharam as trincheiras da praia, saquearam os quartéis, levando muita farinha, legumes, redes de dormir, “armas, arcabuzes, mosquetes, pistolas, peitos, rodelas, morriões, e celadas, infinitos arcos e flechas, paveses e rodelas dos índios, alguma pólvora em cabaço, morrão, pelouros”.89 Os escravos e serviçais enterraram os mortos franceses e tupinambás e, após todo o dia de muito trabalho, os portugueses recolheram-se ao seu Forte. Com a retração dos tupinambás esperados pelos franceses para ajudálos, confirmava-se a inacreditável derrota. A intuição de Jerônimo de Albuquerque terminava se realizando: os índios não lutariam. 89
Idem, p. 87.
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Acertos entre La Ravardière e Albuquerque Por iniciativa de La Ravardière, cartas foram trocadas a partir do dia 21 de novembro, entre os dois comandantes. O francês perguntou a Jerônimo de Albuquerque sobre seus planos, uma vez que o velho português tinha violado todas as leis de guerra, em crueldade, abocanhando carne cristã, o que seria castigado pela Justiça Divina. Ameaçou reverter a situação e recuperar a praça tomada, com o auxílio dos companheiros da Ilha e outros tantos que viriam da França. Aguardando a resposta de um bom cristão, pediu a devolução do seu trombeta, “senão queres, que à tua vista te faça enforcar em cinqüenta e quatro horas todos os teus, assim portugueses como salvagens”. E findava com: “Este teu mortal inimigo Ravardière”. 90 Após a leitura da missiva pelos militares, o sargento-mor do Estado escreveu e Albuquerque assinou a resposta, mostrando aos derrotados como agiram com pouca razão e prática de guerra. Ressaltou que homens nobres, fidalgos e cavaleiros de diversas gerações de Portugal, em nome do rei da Espanha, dono daquele pedaço do novo mundo há mais de cento e doze anos, vieram tomar o que nenhum outro príncipe poderia ficar. Afirmou terem agido conforme as leis de guerra, e deu exemplo 90
Idem, p.89.
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de quatro situações em que o adversário “violou a lei das gentes e do primor da guerra, e quem se fez incapaz de fidelidade”. Outra ousadia e má vizinhança foram ressaltadas, além da operação de isolamento do rio Munim, por parte de franceses e selvagens, para matarem seus adversários de fome, sede “e cutelo”. Recordou que traiçoeiramente também mandaram um trombeta com carta propondo rendição, enquanto desembarcavam e astuciosamente se fortificavam. Terminou o documento dizendo que Deus castigaria quem procedeu mal, sabendo que não tiveram culpa do sangue derramado de franceses e portugueses, agindo corretamente quando enterrou os mortos franceses sem mutilação de seus corpos, contrariando o hábito dos nativos. Enquanto salvou muitos da morte, os tapuias cortaram um braço de um soldado português. “Nem me maravilhei disso, porque sou velho, e há muitos anos que ando nestas coisas. E por derradeiro, sei que será o que Deus quiser. Dada no forte Santa Maria no rio Maranhão, a 21 de novembro de 1614. Jerônimo D’Albuquerque”.91 La Ravardière respondeu com outra entonação: “Tenho visto pela tua a boa guerra que tens feito aos meus franceses, que eu governo, e assim estou mui alegre...”92 Essa amabilidade sugere o re91 92
Idem, p. 91. Idem, p. 92.
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conhecimento de seus erros e o interesse em saber o nome dos que foram salvos, além do pedido de permissão de um fidalgo ir até Guaxenduba ver o corpo do seu lugar-tenente-general. Propôs receber um padre em visita a seus companheiros religiosos da Ilha, momento em que seriam respondidos, de viva voz, a todos os pontos abordados pelo mameluco. A mensagem foi respondida no dia 22 e enviada pelo próprio trombeta francês. O Comandante informou que os cavalheiros portugueses preferiam um término cortês à força das armas, provado pelo enterramento do corpo do Monsieur De Pezieux, em sinal de respeito por um soldado tão valoroso. Outro gesto cavalheiresco ressaltado foi o tratamento recebido pelo trombeta, dentro das possibilidades e circunstâncias do momento, como podia ser por ele confirmado. Sugeriu a vinda de um francês dos mais importantes para dialogar com um cavalheiro português e tratar pessoalmente de alguns pontos. Deu um voto de confiança e de fé na palavra de ambos. Daniel de La Touche iniciou sua resposta, reconhecendo a cortesia dos Albuquerque: “Meu Senhor d’Albuquerque: A clemência de aquele grande capitão d’Albuquerque, vice-rei da Majestade D. Manuel nas Índias Orientais, aparece em vós na cortesia que fazeis aos soldados franceses meus, e a sepultura que haveis dado aos meus mortos, entre
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os quais tenho um que amei em vida como a um irmão, porque era bravo e de boa casa”.93 O chefe francês sugeriu darem as mãos em qualquer decisão a ser tomada e levada aos outros capitães, confiando na sua palavra e assim, “honrarei a casa e nome dos Albuquerque. Feita ante o forte de Santa Maria a 23 de novembro 1614 no Maranhão. Ravardière”. Jerônimo de Albuquerque propôs um diálogo, por reconhecer a superioridade naval, bélica, além de quatro fortes, muitos nativos amigos do Pará, do Caieté, das margens dos rios Itapecuru e Mearim, trezentos homens de mar-e-guerra, vinte frades capuchinhos e colonos, deixando sua tropa sitiada. Da parte portuguesa, “a miséria presente de fome e falta de tudo, e que a vitória em modo algum por si só não dava remédio”. Não sabia se as notícias tinham chegado a Pernambuco e reconhecia a impossibilidade do envio de outra embaixada por terra, ou por mar em busca de ajuda. A ronda das lanchas da Ilha, a vigilância dos navios e dos fortes e persuasão das línguas subtraiam qualquer possibilidade dos portugueses circularem pelos rios, baías, oceano ou pelas praias. “... com o mar cerrado, tanto que nem se podia tomar um caranguejo,
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Idem, p. 94.
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nem uma jangada podia tomar um peixe, era confusão e miséria grande, pelo que faltava o gosto que de razão se devia tamanha vitória”.94 No dia 25, um trombeta trouxe outra carta de Daniel de La Touche, concordando com a paz, especialmente em decorrência da aliança feita pelas respectivas Coroas. Pediu a Albuquerque uma proposta de paz por escrito e mandada por emissários, incluído Diogo de Campos, por falar francês e ser conhecido por sua atuação em guerras na Europa. E o comandante francês concluiu: ”Eu lhe beijo as mãos com vossa licença, e o mesmo faço a ambos. Vosso servidor Ravardière”. 95 Para finalizar o entendimento, no mesmo dia o chefe português respondeu, disponibilizando Diogo de Campos e outro capitão de infantaria para tratar de pontos essenciais, e, ao mesmo tempo, pedindo a presença do Cavaleiro da Ordem de São João, Razilly e do capitão Maillart para tratarem do que convém. Atendida a sugestão, Razilly e o capitão Mathieu Maillart foram até Guaxenduba e Diogo de Campos e Gregório Fragoso de Albuquerque foram recebidos por La Ravardière na nau capitânia. Desses contatos surgiu a idéia de um acordo. 94 Idem, p. 96. 95 Ibidem.
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Reunidos os capitães, ouviram o depoimento do Sargento-mor e esperaram a proposta dos franceses, embora, antes de assentarem ou firmarem as pazes, questionaram “se tinham eles autoridade para as fazer com gente real ou se como piratas banidos da França”. O Tratado de Paz A 27 de novembro, dez capítulos escritos pelo próprio punho de Daniel de La Touche foram levados pelo capitão Maillart a Guaxenduba. Unanimemente concordado, La Ravardière viria firmar “ver e servir a todos, como bom e leal amigo”...96 O tratado regularia o comportamento dos litigantes até a decisão final dos reis da França e da Espanha, e foi escrito em espanhol, pela facilidade de compreensão daquele idioma por todos os acordantes. Depois de lido em voz alta, os capitães portugueses assinaram um auto, por reconhecerem a inexequibilidade de continuar a guerra por mar, por falta de meios necessários. De fato, à vista da superioridade naval francesa, só restava a vantajosa situação de ter o mar livre para avisar S. Majestade e receberem farinha e socorro do Brasil, sem admoestações.
96
Idem, p. 99.
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O parágrafo de abertura qualificava os signatários. “Artigos acordados entre los Señores Daniel de La Touche Señor de La Ravardière, Lugar-Teniente-General en el Brasil por el Cristianísimo Rey de Francia y de Navarra, Agente de Misire Nicolas de Harlei Señor de Sansi, del Consejo de Estado del dicho Señor Rey, e del Consejo Privado, Barón de Molè, y Grosbuès, y por Misire Francisco de Rasilli, Señor de las Haumellas, y del dicho Lugar de Rasilli, entre ambos Lugar-Tenientes-Generales por el Rey Cristianísimo en las tierras del Brasil con cincuenta leguas de costa con todos los meridianos en islas inclusos; y Hieronymo d’Albuquerque Capitán-Mayor por la Majestad Católica del Rey D. Felipe d’España de la Jornada del Marañon, e Diego de Campos Moreno, Colega y colateral del dicho Capitán-Mayor por la Majestad del dicho Señor en esta Tierra”.97 O documento previa a paz com início naquela data até o fim de dezembro de mil seiscentos e quinze, cessando todos os atos de inimizade começados a 26 de outubro, com derramamento de sangue cristão dos dois grupos beligerantes; elegia um fidalgo francês e um português como emissários às cortes francesa e espanhola para conhecerem o entendimento de Suas Majestades quanto ao destino 97
Idem, p. 100.
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da colonização do Maranhão; proibia a passagem de franceses, portugueses e índios dos dois lados para a Ilha ou para a terra firme sem o passaporte dos senhores signatários, até que os embaixadores voltassem das respectivas cortes; recomendava a Albuquerque e a Campos só falarem com os selvagens da Ilha, de Tapuitapera e de Cumã na presença de línguas de La Ravardière, e não se aproximarem a menos de dez léguas de sua fortaleza, nem de seus portos, sem a permissão do chefe francês; estabelecia o prazo de três meses, conforme a esperada decisão de Suas Majestades, para a nacionalidade vencida deixar a terra ao vitorioso, em perfeita ordem, amizade e inteligência, seguindo o exemplo das alianças dos reis; determinava fossem libertos todos os prisioneiros, cristãos e selvagens, de ambas as partes e a permissão de optarem a ficar no lado de sua conveniência; impunha o esquecimento e extinção de todos os atos de inimizade havidos até àquela data; aconselhava os Senhores e toda sua gente a viverem em paz, em boa amizade e concórdia, podendo ir e vir aos fortes da Ilha e o da terra firme quando bem lhes parecesse; advertia que nenhuma controvérsia poderia ser causa de rompimento daquele Tratado de Paz, oriundo das grandes alianças entre os reis, e nenhum prejuízo alterar tais amizades e concórdia; havendo algum problema entre cristãos e selvagens de uma e outra parte, a nação ofendida falaria a seu General para
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solucionar a contenda. Tudo foi prometido sob a fé e a honra. Por fim, como cristão e cavalheiro, o Senhor de La Ravardière prometeu deixar o mar livre aos Senhores Albuquerque e Campos e levar seus navios para a Ilha, tanto aqueles que estavam defronte do forte Santa Maria como aqueles ancorados na entrada da baía, concedendo aos lusitanos a liberdade de ir e vir, e de receber livremente socorro de gente de guerra.98 Na volta do capitão Maillart à Ilha com a concordância portuguesa, houve fogos de alegria e cargas de mosqueteria, parecendo solenizarem a passada vitória e, no dia 28, Guaxenduba recebeu a visita de La Ravardière e sua comitiva, todos muito bem vestidos e recebidos com cortesia pelos capitães. Foi mostrado aos capitães portugueses o título de Lugar-Tenente-Geral do Brasil de Daniel de La Touche, expedido pelo rei Luis em carta datada de primeiro de outubro de 1610, onde permitia a organização da empresa para ocupar “muitas costas e partes situadas além da linha equinocial, ainda não habitadas por cristãos nem por povos civilizados ou doutrinados”. O padre comissário, frei Pembroc, também apresentou aos padres portugueses a patente emitida pelo chefe Geral da sua Ordem, assim como o documento real mandando doze padres ca98
Idem, de 100 a 102.
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puchos para a Nova França. Com semelhante gesto, Jerônimo de Albuquerque e Diogo de Campos Moreno mostraram suas nomeações emitidas pelo Governador do Estado do Brasil, Gaspar de Sousa, em nome de Sua Majestade, para chefiarem a Jornada de reconquista do Maranhão. Conhecidas as titulações dos respectivos comandantes e auxiliares, La Ravardière e seus companheiros foram recebidos com honras militares e encaminhados ao lugar que lhes estava destinado “em que sempre ele e os demais trataram com admiração do muito que havia trabalhado a gente na fortificação”.99 Depois de descansarem e comerem, “com mais música que manjares, porque os não havia”, procedeu-se à solenidade de assinatura do armistício, em que Jerônimo de Albuquerque acrescentou o nome Maranhão,100 “em nobre audácia e sem-cerimônia quase selvagem e bem natural a um chefe de índios”. Ousar adotar esse cognome seria “arrostar as satânicas risotas dos contemporâneos, e até as hostilidades dos seus êmulos” 101; porém, conforme seu entendimento, arestas compensadas
99 Idem, p. 104. 100 O rei Felipe reconheceu o agnome Maranhão acrescentado, levando em conta a justificativa do próprio Jerônimo de Albuquerque: “para perpetuar entre seus descendentes o seu grande feito militar, a conquista da capitania do Maranhão, com a expulsão dos franceses”. apud Paulo Maranhão, op. cit. p.82. 101 Fala de Varnhagem, no Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, Apud Marques, op. cit. p. 296.
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com a perpetuação do trabalho de ocupação portuguesa do vasto e rico território do Norte, motivo de orgulho para os seus descentes, os Albuquerque Maranhão. “Jerônimo de Albuquerque, venerado e respeitado em Olinda, deixando os cômodos de sua casa, os conchegos de sua família, já no último quartel da vida, depois de tantas marchas, de grandes trabalhos e imensos perigos, arriscando sua reputação e vida, bem como a de seus dois filhos e três sobrinhos (Berredo n. 474 e Brito Freire n. 432) seus companheiros de fadiga, realizou seus desejos em 3 de novembro de 1615, vendo o inimigo invasor inteiramente derrotado por vergonhoso convênio!” 102. No dia seguinte, toda a armada francesa se fez à vela, salvando primeiro a capitânia, e logo todos os demais navios. O forte Santa Maria também respondeu às salvas de tiro. E assim, desocupados o mar e a terra, os franceses se recolheram na Ilha e nos seus fortes, e os portugueses trataram de melhor se organizar no continente, até a decisão final emitida pelos reis. O documento deixa transparecer interesse de ambas as partes. A solução diplomática pouparia vidas, não valendo a pena qualquer sacrifício por uma ou outra Coroa, que talvez abdicasse daqueles domínios. Para o francês, a liberação do mar 102 Marques, op. cit. p. 296.
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possibilitaria despachar a grande nau Regente, de manutenção muito dispendiosa, embarcar a maior e melhor parte de suas forças, desvanecidas da empreitada pela morte de tanta gente importante, em uma só ocasião; desencorajada também pelo esfriamento da Corte, demonstrado através da aliança com a Espanha e confirmada pela lentidão no atendimento da ajuda solicitada. Isto sem contar com a notícia da derrota, “que de força havia de esfriar os ânimos aos que quisessem vir buscar a vida”. O mar livre atendeu também às urgentes necessidades dos portugueses, que há cinco meses não recebiam os mantimentos prometidos mensalmente pelo governador. É explícita a desconfiança de ambos quanto ao trânsito da Ilha para o continente e vice versa, sendo permitido somente com a autorização dos respectivos chefes. Os franceses também receavam o poder de sedução do Albuquerque, impedindo qualquer comunicação sem a presença de um de seus “língua”. A fragilidade da harmonia imposta foi reconhecida pelas duas partes, claramente percebida nos termos do contrato. A trégua Edificar fortificações em pedra foi constante preocupação dos lusitanos, motivo de admiração dos franceses ao visitarem o forte de Santa Maria,
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construído em tão curto espaço de tempo, enquanto o maior forte de Upaon-Açu ainda era de pau-apique. Sem a preocupação da contenda e “quieto de posse de sua fortaleza acabada sobre o Maranhão”, Jerônimo de Albuquerque Maranhão iniciou a construção da igreja de Nossa Senhora da Ajuda, casas de vivenda, roças, e outras plantações no recém fundado Arraial de Santa Maria. Mandou recuperar dois barcos e dois batéis, tecer redes para pescar e construir mais de quarenta jangadas; os índios, fora do forte, escolheram lugar conveniente, “se alargaram fazendo suas aldeias e roçando para mantimento, e começaram uns e outros a sair buscar de comer”. O altar da igreja de Nossa Senhora d’Ajuda se guarneceu de um frontal e casula, todo bordado e lavrado em seda de cores sobre branco, com cruzes de Jerusalém, contrapostas frutas, rosas e ramos, peças doadas pelo frei Arcângelo e bordadas pela duquesa de Guise. O capuchinho francês também deixou aos religiosos portugueses três retábulos pequenos de excelente iluminação, guarnecidos de cetim carmesim brocado e frisado de ouro fino. La Ravardière ratificou a solidariedade proposta, mandando um capitão e seu cirurgião com “mezinhas para curar os feridos, que se perdiam à falta de remédio”. Foram ultimadas as providências para a partida da nau Regente rumo a França, a 16 de dezem-
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bro de 1614, com os emissários, o capitão Gregório Fragoso d’Albuquerque e o Monsieur du Pratz, embarcando também o padre Arcângelo, dezessete religiosos da sua ordem e mais de cem pessoas. Jerônimo de Albuquerque Maranhão, como titular da Jornada de descobrimento e conquista da capitania, enviou uma carta ao embaixador da Espanha na França relatando a ocorrência dos fatos. Para Portugal foi enviado o sargento-mor Diogo de Campos e o capitão Maillart, em uma caravela comprada aos franceses. Saindo do forte Santa Maria, passando pelo Araçagi, chegaram ao forte São Luís, de onde, em 4 de janeiro de 1615, partiram para Lisboa. Um caravelão português foi despachado para Pernambuco, com avisos a Gaspar de Sousa sobre a Jornada. Finalmente estavam finalizados todos os assentos e papéis necessários para a segunda etapa do processo restaurador das terras do Maranhão aos portugueses.
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Jerônimo de Albuquerque Maranhão e a Expulsão dos Franceses
A Corte de Madrid desaprovou o acerto com os franceses, “por serem tréguas concluídas com piratas”. As opiniões variam quanto a essa atitude do monarca. Berredo compreende a repulsa das autoridades reais a um acordo com piratas, e lembra o distanciamento de La Ravardière da decência exigida por fidalgos em guerra, quando mandou uma carta de rendição para ganhar tempo, entrincheirandose para atacar. Poupa o Rei e incide a critica em Diogo de Campos que, ao justificar a trégua, desempenhou “bem as expectações de Albuquerque Maranhão com grande confusão de malevolência dos seus êmulos”.103 Reconheceu o interesse do sargento-mor pelo afastamento definitivo dos venci103 Bernardo Pereira de Berredo, Annaes Históricos do Estado do Maranhão. (1749), 3ª Edição, Florença: Typographia Barbera, 1905, p. 112.
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dos, porém marginalizou o chefe na conclusão da vitória. A atitude da Corte de enviar um reforço ao Maranhão para ultimar a saída dos franceses é justificada por César Marques, desaprovando, porém, a passagem do comando de Albuquerque Maranhão para Alexandre de Moura.104 João Lisboa considerou Albuquerque Maranhão “despojado tão indecorosa e impolíticamente do comando, em uma conquista que tinha já quase acabada e cuja principal glória lhe pertencia”.105 Mario Meireles considerou a posição de Jerônimo de Albuquerque incômoda perante o adjunto substituto de Diogo de Campos Moreno, Castelo Branco, que o hostilizava “desabridamente e confraternizava de maneira dúbia com os franceses”. A injustiça se completou com a ausência da assinatura do titular da conquista, tanto no ultimatum a La Ravardière para entrega da frota, quanto no auto de posse da fortaleza. 106 Para Pianzola, Felipe III, temeroso de uma arregimentação francesa, ordenou ao governador geral do Brasil providências para concluir o sucesso de Albuquerque daquela “empresa que é maior e mais importante”. O Rei, contrariado pelo erro de 104 César Marques, op. cit., p. 295. 105 João Francisco Lisboa, Apontamentos, Notícias e Observações para servirem à História do Maranhão. In: Obras de João Francisco Lisboa. Lisboa: Typographia Mattos Moreira & Pinheiro, 1901, p. 307. 106 Mário Meireles, História do Maranhão, São Paulo: Siciliano, 2001, p. 57.
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“notavelmente em capitular nas tréguas”, impôs drásticas e urgentes medidas: “Com os franceses rompereis logo a guerra sem fazer caso das tréguas assentadas por Jerônimo de Albuquerque, procurando lançá-los de todos os sítios e fortes que têm ocupado sem perder uma hora de tempo, de maneira que, indo-lhe socorro de França (que é de presumir que se lhes enviara tanto que lá chegasse aviso do estado em que ficavam), não seja já de efeito, e, procurando assentar amizade e boa correspondência com os índios, ordenareis ali os fortes que vos parecerem necessários com gente bastante para sua defesa e benefício das terras, e para que tornando os franceses não sejam admitidos dos naturais e achem a resistência que convém”.107 Como é sugerido acima, a Coroa recomendou ao governador de Pernambuco ultimar à força e o quanto antes as démarches da conquista do Maranhão, porém não recomendou a mudança do comando. Conforme Berredo, “no que procedeu o Governador Gaspar de Sousa com uma política tão errada, que arriscou por diferentes princípios o bom sucesso dela”. 108 Em cumprimento às ordens, a 5 de outubro de 1615 foi enviado um reforço de homens e navios 107 Maurice Pianzola, Os Papagaios Amarelos. Os franceses na consquista do Brasil. Brasília: SCEM/Editora Alhambra 1992, p.247/248. 108 Bernardo Pereira de Berredo, op, cit., p. 113.
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chefiados pelo General-de-guerra Alexandre de Moura, fidalgo da Casa Real e cavaleiro do Hábito de S. Bento de Aviz. A 30 de outubro, Alexandre de Moura aquartelou-se na Fonte das Pedras para perseguir o inimigo acastelado no forte de São Luis. Jerônimo de Albuquerque, “à vista de tão notável injustiça, ferido o seu amor próprio, esquecidos os seus longos serviços, desprezada a sua tão notável experiência, mostrou-se superior a todos os desgostos e usando de toda sua grandeza de alma, tão nobre resignou-se, sujeitou-se aos revezes da fortuna e obedeceu”.109 No dia 2 de novembro de 1615, a Capitania foi arrebatada aos franceses, pelo capitão de uma armada que “nem um só tiro deu, nenhum perigo arrostou e nada arriscou”. Por um documento, La Ravardière se comprometeu em deixar o Forte e toda a Ilha e, em contrapartida, Alexandre de Moura reconhecia os bens dos franceses e garantia a integridade dos adversários. Por ordem da Corte, não foi cumprido o acertado: os bens foram confiscados e Daniel de La Touche conduzido até Pernambuco, donde foi enviado para Lisboa, permanecendo preso por treze anos. Alexandre de Moura recebeu recomendação do governador de ver, da forma mais secreta, o “estado dos inimigos e a parte por onde se poderão 109 Ibidem.
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romper com maior facilidade e menor perigo” e “rompa vossa mercê e cometa o inimigo sem lho fazer a saber antes nem publicar a guerra, sem embargo das tréguas, porque vencer de qualquer maneira sempre entre os grandes capitães foi mui aprovado, mormente que, como vossa mercê não foi o que firmou estas desordenadas pazes, não ocorre sua fé e palavra nenhuma quebra, nem se lhe deve guardar a quem nas terras de Sua Majestade vem fazer colheita de seus roubos e assento para infestar todos nossos mares, dando agasalho e porto depois de trégua a piratas de sua mesma nação que ali entraram com algumas embarcações nossas roubadas, e nisto pode fundar quebrar-lhes as ditas tréguas”.110 Esta recomendação a Alexandre de Moura parece sintomática. Talvez seguros da recusa de Albuquerque Maranhão em acatar as ordens reais consideradas traiçoeiras, decidiram marginalizá-lo nos momentos finais da reconquista, subtraindo todas as glórias e louros de quem enfrentou penosas fadigas e as mais variadas dificuldades. Não obstante, foram reconhecidos os feitos daquela gente maltrapilha e faminta, sob o comando de um homem mais Arcoverde que Albuquerque, apegado 110 Maurice Pianzola, op. cit. p. 249/250.
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à terra em que nasceu e conhecedor dos artifícios e fraquezas dos seus iguais. “Nestes dezesseis anos nada se offerece de tão notável, como a conquista do Maranhão, na qual os pernambucanos, assim como tiveram todos os incômodos e despezas, também lhes coube toda a glória”. 111 Para sanar a injustiça, Alexandre de Moura nomeou Jerônimo de Albuquerque Maranhão capitão-mor da conquista do Maranhão, “que lhe tocava como própria”. O velho Capitão logo volveu suas vistas para a fundação e edificação da capital, dando-lhe forma e ordem, em obediência às determinações da Corte. Impôs obediência aos arredios e desconfiados índios da Ilha, inconformados com a substituição de seus aliados franceses pelos talvez escravizadores portugueses. Incumbiu Martim Soares de conciliar os aborígines de Cumã e Tapuitapera, época de “paz e bons tempos” e de curta duração. Martim Soares adoeceu e viajou para Portugal em 1618, sendo substituído por Matias de Albuquerque. Este segundo filho do já falecido Jerônimo, não conservou do seu pai a fama de amigo e protetor de seus aparentados. Sua bravura se expressou na forma truculenta como administrou aquelas terras e as do Pará, como capitão-mor, até 1619. 111 Gama, José Bernardo Fernandes, Memórias da Província de Pernambuco. vol I, p.152. Apud: Paulo Maranhão, op. cit. p. 89.
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Albuquerque Maranhão chegou a assistir certos desmandos de seus filhos. Em 1617, Antonio e Matias tomaram um bastão de guerra, uma espada e duas das melhores concubinas do pagé Pacamão, grande feiticeiro de Cumã. Esta atitude impensada arruinou as boas relações conseguidas pelo capitãomor. A afronta ao homem quase ecumênico dos tupinambás converteu-se na matança de setenta a cem luso-brasileiros, de Cumã a Caeté. Matias dominou os sublevados, regressou ao arraial de Tapuitapera com muitos prisioneiros, tal “um cônsul desfilando pela Via Triunfal, de regresso de alguma longínqua das invictas legiões romanas”.112 Parte do produto da venda daqueles escravos foi empregada, “com a decência que lhe foi possível”, na construção de igrejas nas aldeias dos vencidos, para abrandá-los a fereza e a cólera divina. Esta mortandade foi anterior ao plano de uma insurreição geral da indiada de Cumã, arquitetada pelo índio Amaro para trucidar todos os brancos inclusive de Tapuitapera, das áreas circunvizinhas e da Ilha do Maranhão. Pianzola refere-se à tranqüilidade dos nativos dessas regiões, todos “calmos, pescavam e plantavam mandioca” até a passagem de emissários de Castelo Branco com uma carta para Albuquerque. O conteúdo da missiva foi deturpado pelo índio Amaro e em sua versão, todos os nativos da região iriam ser 112 Antonio Lopes, op. cit. p. 61.
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reduzidos à escravidão. Matias, na Ilha a chamado do pai, foi surpreendido com a notícia da morte de trinta soldados da guarnição, quando dormiam. A reação dos portugueses de efeito exterminador foi completada por uma epidemia de varíola que atingiu, sobretudo a população tupinambá. O capitão-mor mandou Bento Maciel Parente explorar as riquezas do Pindaré, e suas andanças agressoras apontam para a idéia de julgar “imprescindível aos seus objetivos ou, melhor, à sua consolidação no Maranhão, a destruição dos valorosos tupinambás”. A assistência oferecida à cidade de Belém, com munições de guerra e mantimentos, também teve um balanço negativo. Castelo Branco foi cruel com os donos da terra, atacando e incendiando aldeias. Difícil julgar a administração do primeiro capitão-mor, em virtude de todo esse extermínio de seus aparentados, embora muitos, com base em depoimentos vários e na descrição de Diogo de Campos Moreno, o considerem benevolente para com os seus iguais. A defesa de Jerônimo foi endossada pelo frei Antonio de S. Maria de Jaboatão. “Dois anos e poucos dias governou Jerônimo de Albuquerque Maranhão esta Capitania com esforço de capitão, grandeza de ânimo e liberalidade de príncipe”.113 113 Frei Antônio de S. Maria Jaboatão. Crönica. Apud: Marques, op. cit., p. 297.
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Por muito tempo houve dúvidas quanto ao local da morte do primeiro Chefe de Estado do Maranhão, ocorrida a 11 de fevereiro de 1618. Historiadores maranhenses presumiram ter sido em São Luís. César Marques expressou seu pesar pelos anos terem apagado e para sempre os vestígios do túmulo do restaurador do Maranhão. O estudioso Olavo Medeiros Filho encontrou no piso da capela de Nossa Senhora das Candeias, no engenho Cunhaú, uma lápide quase ilegível, desgastada pelo tempo, com os seguintes dizeres: ...QUI JA...O ...DADO .J....NIMO DE ALBUQ....... MA RANHÃO 114 Esta descoberta pôs fim à dúvida quanto ao local de falecimento do sexagenário conquistador.
114 Paulo Maranhão, op. cit., 2001, p.77.
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sobre o relato de Diogo de Campos Moreno
A vitória fundadora e de definitiva ocupação do Maranhão foi decidida em uma batalha que praticamente não existiu, em um acontecimento, pontual, culminância de uma cadeia contínua de decisões, tentativas, hesitações, fracassos e sucessos, enfileirados numa única direção, a da colonização portuguesa. A narrativa situa a batalha no campo político, onde localiza a vitória da Coroa portuguesa. O texto Jornada do Maranhão expressa a visão de um português orgulhoso de servir ao Rei na conquista de terras confinadas entre o Brasil e o Peru, região considerada encantada, intransponível por mar e por terra, em decorrência dos perigos que levaram ao fracasso várias expedições. Conquista de espantosa dificuldade e duvidoso sucesso, “desdenhada e quase de todos já avorrecida” embora aspirada por ”conta da importância da costa de les-
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te-oeste, e de seus portos até o Maranhão”.115 O relatório oficial, de autoria de um soldado experimentado em guerras européias e trabalhos no Brasil, escrito em redação característica da burocracia militar do império colonial português dos começos do século XVII, traz as mais variadas informações. Referindo-se ao percurso, enfrentando a amplidão do oceano, alude aos ventos favoráveis ou não à navegação, à fúria ou calma do mar, ao clima ameno ou ao calor causticante e acidentes geográficos, tais como baixios, baias, portos e rios. As distâncias e os dias de viagem fazem parte do relatório. A questão da segurança é preocupação explicitada no registro de fortes existentes ou por construir, dos armamentos e munições disponíveis, do comportamento dos soldados, enfim, são apontadas as condições militares existentes ou necessárias à expedição. Arrolados nome de índios, de aldeias, de lugares, entendimentos mantidos com militares, civis, religiosos e autoridades coloniais, divergências havidas entre os comandantes, confrontos entre chefes e outros companheiros de labuta e dissidências entre franceses, a exemplo do diálogo reproduzido entre o padre Arcângelo e La Ravardière; entre índios teremembés de Buapava 115 Diogo de Campos Moreno, op. Cit. p.30. Pesou também o depoimento de Martins Soares Moreno, que, na volta do batel de sondagem, “que havia achado defronte da Ilha um sítio bom, e eminente com um rio de água doce pelo pé, e terras belíssimas para toda sorte de mantimentos”. Ibidem.
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e tupinambás da Ilha Grande, além das diferenças entre portugueses, espanhóis, franceses e nativos. Não foram omitidas as desigualdades sociais entre nobres e pobres; a diferença entre cultos nativos e as variantes católica e protestante; as formas de combate indígena, de guerras do Brasil e as táticas de luta francesa. Todas essas alternativas e tonalidades tecidas em um emaranhado de múltiplas divisões que se cruzam na ocupação do Maranhão, formando um quadro cuja complexidade é até hoje pouco conhecida pelos historiadores. Sem divisões internas, o autor “anônimo” passa de um tema para outro de forma inteiriça, podendo, no entanto, serem destacados cinco momentos principais. No primeiro agrupamento, um breve histórico da conquista, desde a primeira tentativa com a expedição de João de Barros até as mais recentes de Pero Coelho e dos Jesuítas, marcadas pelo fracasso, pela perda de vidas e de navios, indicativos de que a conquista não teria êxito enquanto fosse deixada à iniciativa de particulares. A seguir, a mudança da política da conquista, passando para o controle da Coroa e transformada em “Jornada de Sua Majestade”, mesmo que o princípio não tenha sido seguido à risca pelo governador do Estado do Brasil, para quem o governo não dispunha de todos os recursos, tornando-se necessária a colaboração dos índios da própria região, em função do que a presença de Jerônimo de Albuquerque,
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famoso por suas ligações com os nativos, tornavase imprescindível. Depois enumerou os percalços da viagem de Recife até o sítio da Guaxenduba, no Maranhão, expondo as divergências entre Jerônimo de Albuquerque e Diogo de Campos, especialmente quanto à questão dos aborigines. Em seguida registra desde os primeiros acenos da reação francesa e tupinambá, através da “fumaça” sinalizadora da guerra ou das várias canoas de sondagem, contrariando a expectativa de “paz”, para desencanto de Jerônimo, sempre esperançoso de uma adesão de seus aparentados, até o corpo a corpo entre lusos, gauleses e índios no momento da batalha, com detalhes da evolução da tomada pelos portugueses das trincheiras e do “outeiro” ocupados pelos inimigos. Por fim, foi anotado o momento final da trégua, da primeira troca de cartas entre La Ravardière e Albuquerque até a partida de Diogo de Campos como emissário português para a Europa. Relatório útil pelas informações, porém sem a qualidade literária das narrativas de Abbeville, Evreux ou mesmo do texto de Simão Estácio da Silveira. Nas primeiras décadas do século XVIII, os países ibéricos ainda conservavam uma visão escolástica, expressa no gênero descritivo das narrativas de viagens e relatos de conquista sob as formas religiosa, científica, administrativa ou militar. A “Jornada” integra esta visão onde Deus e o Rei eram o sentido último de uma sociedade, corpo místico
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hierarquizado. Neste contexto, o narrador se representa como um cortesão que visa à mensagem já conhecida da predestinação dos portugueses, daqueles cristãos cuja virtude da conformação com a fome, o despreparo e a insegurança, resumidos no sofrimento da Jornada, foram recompensados pela graça Divina com a reconquista do Maranhão, terra predestinada por Deus aos lusitanos. Quando a Jornada assumiu um caráter milagrosamente vitorioso, quebrou-se o encantamento até então conservado pela falta de apoio do governo, a descrença dos particulares, o desconhecimento da costa, a dificuldade de navegação, a tripulação mal treinada e o inimigo poderoso. E assim entendeu Moreno ao declarar: “Quis o céu mostrar, que na maior pobreza dava o mor provimento, e na havia de dar como deu no tempo da mor fraqueza o maior esforço”. É uma visão que faz deste relato uma “narração dos fundamentos” inscrita no campo da sacralidade. 116 É também uma invenção discursiva da Conquista do Maranhão, versão instituída como “fato” inaugural por quase toda a historiografia dos tempos colonial e imperial. Origina-se o mito do “milagre de Guaxenduba”. Diogo de Campos Moreno não assinou a “Jor116 Moreno, op. cit. p.12.
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nada do Maranhão”. Escreveu o relato na terceira pessoa e separou o autor do relatório do ator da expedição. Assim pôde formular um conceito verossímil de si mesmo e de sua participação nos acontecimentos, usando recursos retóricos para produzir as imagens e os efeitos de convencimento. Procurou persuadir o leitor - na verdade o rei e sua burocracia - de que o sargento-mor, já licenciado, porém convocado pela Coroa para mais aquela difícil missão da conquista das fabulosas terras do Maranhão, foi a principal personagem da Jornada, enaltecendo as façanhas daquele agraciado de Deus e leal servidor. Talvez visasse a obter o reconhecimento e mercês do rei. No inventário das dificuldades, a primeira foi a aceitação de levar socorro ao Governador do Estado, recebendo menos homens do que o prometido; arrolou a indecisão de Gaspar de Sousa em querer e depois recusar o recebimento de gente de guerra; criticou a nomeação de Jerônimo de Albuquerque como Capitão da Conquista, justificada pelo governador por ser peça fundamental na arregimentação nativa; arraigado ao sentido hierárquico do seu cargo, o Sargento-Mor do Estado do Brasil, superior em posto, maldisse participar de uma missão como subordinado àquele Capitão; registrou a solução encontrada pelo governador o nomeando como adjunto, não amenizando a rejeição e animosidade entre ambos; mostrou os equívocos do comandante
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quanto às alianças com os índios; também quanto a uma parte do contingente ir por mar e outra por terra; registrou as discussões sobre o levantamento de fortalezas nos locais por onde passavam; a presença ou ausência do francês e sua disposição de lutar; apontou a tática a ser adotada no confronto de Guaxenduba; mostrou o recuo de Albuquerque, voltando ao forte para observar a movimentação dos inimigos quando retornou cansado do primeiro embate; ressaltou a posição contrária dos dois chefes em castigar ou não a rebeldia dos soldados, dentre outros desencontros. Frisou o destaque do sargento-mor como pessoa escolhida para conversar com La Touche em sua nau Regente e também para visitar a Ilha, como representante do Rei da Espanha e Portugal. Diogo de Campos se apresenta como a razão e o equilíbrio num empreendimento onde as dificuldades terminaram envolvendo a todos em verdadeira guerra pela sobrevivência, cuja solução era seguir em frente e se deparar com os inimigos franceses e indígenas. Para o narrador, Jerônimo de Albuquerque cumpria um papel de delirante, esperando absurdamente a paz com os índios, o que desequilibraria a disputa em favor de Portugal, fiado apenas no profundo respeito que devotava a si próprio. Fica a pergunta: será que foi puro delírio negado pela realidade ou não teria sido o fator decisivo para a vitória portuguesa? Delírio de Jerônimo
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de Albuquerque ou delírio de Diogo de Campos ao insistir numa Jornada de Sua Majestade? A narrativa, assentada em um sentido profundamente religioso, não separa devoção e guerra de conquista: “finalmente as gentes até então oprimidas louvaram a Deus de misericórdia com procissão solene, todos com armas na mão, que bem pudesse a devoção militar parecer em toda parte”.117 A “Jornada do Maranhão” contém uma face próxima da guerra européia (Diogo de Campos) e uma face próxima da guerra do Brasil (Jerônimo de Albuquerque), imbricamento complexo entre aspectos da guerra européia de Moreno e da indígena, de Mel Redondo, Camarão e Diabo Grande. A “guerra do Brasil” envolve, como vimos, uma duplicidade básica, confundindo o campo dos conquistadores com o dos conquistados. O relato é atravessado pelos problemas da escolha entre uma estratégia em que os índios eram paradoxalmente incorporados como agentes da conquista, levando à proximidade, e outra, em que os nativos, por serem bárbaros, não seriam peças confiáveis, devendo ser mantidos com o devido distanciamento. Diogo de Campos, sempre colocado como partidário da segunda opção, cai em contradição, uma vez que, em 117 Idem, p. 83.
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vários momentos, aparentemente contra seu modo de ver, registra a presença ativa e fundamental dos gentinos no processo da guerra. No discurso da conquista, a questão dos silvícolas é central em toda a disputa com os franceses. A habilidade de domínio das populações locais adquire maior importância e em torno dela giram as diferenças entre portugueses e franceses e entre o capitão-mor e o sargento-mor, que discutiam o modo como os nativos deveriam ser conduzidos: “índios do Brasil... importa estarem obrigados continuamente mais do temor, e forças dos brancos, que de palavras de línguas, as quais não guardam senão no que nos está bem”. 118 O relatório sobre a Jornada indica a existência de dois estilos bem distintos na maneira de conduzir a guerra da conquista: o estilo de Jerônimo de Albuquerque, seus auxiliares e seus índios e o de Moreno e seus soldados. O primeiro tipo de “guerra do Brasil”; o segundo, da guerra européia. A proximidade com os índios e algumas atitudes do filho de uma Arcoverde com seus “compadres” geravam em Moreno certa desconfiança do chefe na estratégia de conquista em consórcio com os nativos. Não confiável, porém necessária, uma vez que o governo não podia arcar totalmente com os custos de homens, navios, alimentos, armamentos e munições, 118 Idem, p.21.
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como exigia a “Jornada do Rei”, expressão usada várias vezes no relato. A “Jornada do Rei” não podia desenvolver-se no modelo de “Jornada do Sertão” ou “guerra do Brasil”, e sim como “Guerra de Flandres”. Há uma insistência, no relatório, em mostrar as frustrações de Albuquerque quanto ao aliciamento dos guerreiros à organização da Jornada, às divergências no percurso e na esperança de adesão dos índios do Maranhão: “não se desenganava o de Albuquerque esperando sempre índios de paz da Ilha”.119 A fixação de Jerônimo levou Diogo a observar que nesta “obra dos índios não se quis meter ninguém, porque o Capitão-mor não tomasse achaque a dizer, que lhe estorvassem as pazes, que ele tanto assegurava, em falando com um índio do Maranhão”.120 A relação entre Diogo, Jerônimo e os nativos se tornou quase insuportável. A preferência de Jerônimo seguir por terra, falando com outros índios e oferecendo presentes possibilitava conseguir a adesão ou, no mínimo, fazer amizade. Diogo seguia por mar com seus homens, procurando justamente evitar os silvícolas. Albuquerque criticou por duas ocasiões: na saída do Rio Grande, pelo número de navios inferiores ao número de pessoas, e no Maranhão quando anulou a ordem de Moreno, ao dizer: 119 Idem, p.37. 120 Idem, p.34.
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“nos navios não havia para que meter soldados, nem ir lá ninguém; porque não havia vindo ali a defender navios podres, senão a terra, de que estava de posse”.121 As críticas de Diogo de Campos a Jerônimo de Albuquerque em relação aos índios são incongruentes. Em vários momentos chega a aceitar e concordar com a proposta da aliança, desde que conduzida por outras pessoas. Percebe-se diferenças no campo pessoal, pois seu sobrinho Martim Soares buscava a todo custo a aliança, a paz, a confiança, vivendo entre os autóctones, com domínio da língua, amigo de um dos grandes chefes indígenas, tudo observado e destacado por Diogo de Campos, sem nenhuma crítica ao parente. Não criticou La Ravardière por política semelhante, dizendo que escravizar e vender índio era coisa do passado português. Criticou ainda a presença das índias, mais bocas para pouco mantimento, esquecendo a tarefa feminina de cuidar das roças para garantia da subsistência do grupo. Enquanto Diogo de Campos Moreno, orientado pela engenharia militar, queria erguer fortificações em cada porto, deixando uma base atrás e se aproximando aos poucos por meio de reconhecimentos, Jerônimo dava pouca importância a construções, porque tinha pressa em chegar ao seu destino, sem se preocupar com o que ficava para trás. 121 Idem, p.39.
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A Batalha de Guaxenduba na Historiografia
A historiografia maranhense conta com dois trabalhos de autores que presenciaram fatos ocorridos entre 1612 e 1616. O primeiro, História da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão e terras circunvizinhas, de Claude d’Abbeville; o segundo, A Jornada do Maranhão Por Ordem de Sua Majestade Feita no Ano 1647, de Diogo de Campos Moreno. Abbeville faz um relato da missão dos padres capuchinhos na expedição de La Ravardière, da terra e de acontecimentos anteriores à chegada dos portugueses, com descrição idílica das relações entre gauleses e indígenas.122 Sua obra, conhecida e citada pela maioria dos cronistas e historiadores dos séculos XVII a XIX, foi utilizada no início do
122 Outra obra complementar a de Abbeville é a de Yves d’Evreux, Viagem ao Norte do Brasil. Feita nos Anos de 1613 a 1614, que também não registrou o confronto entre franceses e portugueses.
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século XX para a construção do mito da fundação francesa de São Luis. O trabalho de Diogo de Campos é uma descrição da conquista. Usou a expressão narrativa dos fundamentos, podendo ser considerada uma narrativa da fundação. Assaz conveniente seu anonimato, pois o relatório o investe na figura de personagem principal, determinante, responsável pela vitória e pela conquista. Como embaixador da Coroa, soldado ilustrado, fiel e leal, integrou, dentre outras, essa Jornada de S. Majestade, e procurou seguir rigorosamente o estabelecido pelo Rei e pelo Governador naquela missão quase impossível. Considerando-se um verdadeiro emissário predestinado por Deus, sempre teria previsto o que podia acontecer. Construiu sua figura de homem competente, planejador, precavido, através das numerosas críticas feitas a Jerônimo de Albuquerque. Com isto, colocou-se no centro do palco, como o principal ator no processo de conquista do Maranhão. Interessante é perceber como foi composto esse discurso, quais as artimanhas e que tipo de imagem ele construiu de si mesmo, no decorrer do relato. Este único documento deu origem a narrativas e modos de pensar diferenciados. Conforme a visão de cada historiador estudado, os fundadores do Estado do Maranhão variam de bravos soldados, por justa causa protegidos pela Providência Divina, a um grupo de expedicionários mal vestidos, mal alimentados,
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mal armados, sem nenhum planejamento, vencedores milagrosamente pela assistência da Virgem. A história fantástica da mulher radiosa vestida de branco que enchia as armas portuguesas de areia a se transformar em pólvora faz parte do imaginário que seria construído em torno da batalha. As impressões da única testemunha adquiriram ressonância procedente da visão de alguns estudiosos, variando conforme os respectivos tempos em que escreveram. Com seus discursos, deram inestimável importância àquela luta de poucas horas. O cenário, o espetáculo, os atores, as discordâncias, enfim, sua existência é devida ao que foi escrito e fabricado pelos que a difundiram. Estas variações na utilização da narrativa de Diogo de Campos podem ser acompanhadas, entre os séculos XVII e XX, através de quatro autores: Bettendorff, Berredo, João Lisboa e Mário Meireles. A primeira obra de que se tem notícia sobre o Estado do Maranhão data de 1694 e foi escrita pelo jesuíta João Felipe Bettendorff. Em sua Crônica relata episódios os mais variados, sempre “ajuntando o governo espiritual com o temporal”, o que viu e o que soube “pelas diligentes informações tomadas dos mais antigos e mais acertados”. Seu relato, baseado nos que “viram com seus olhos e ouviram todos que bem o sabiam ou obraram aquillo de que se trata” é interessante pelo modo revelador de como a idéia de fundação foi construída. A “peleja”, mo-
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mento principal da fundação do Estado do Maranhão, só foi possível aos portugueses pela graça de Deus. Suas frases dão uma noção da atmosfera da época, todo sucesso advindo da graça divina, convicção baseada no discurso de Moreno, dos padres e participantes da Jornada e encorpado na obra do jesuíta. O místico envolvendo os acontecimentos: o “milagroso socorro que deu aos portugueses esta Senhora Soberana” conduzindo-os até Guaxenduba; o acompanhamento daqueles “destroçados dos mares e mal tratados das doenças” vencendo pela justiça Divina “soldados frescos e bem animados”; o fenômeno da maré ter vazado e paralisado sem voltar a encher até às três da tarde, deixando as canoas francesas encalhadas, ação da Virgem Nossa Senhora, pela “injusta agressão com que a França acommettia o Maranhão”; em plena luta “uma magestosa e valorosa mulher a qual andava de cá para lá, e ia repartindo a pólvora e balas de seu regaço”, dando ânimo aos lusitanos; de “tresentos Francezes, não escaparam mais que cincoenta delles com vida” “ficando só três mortos da parte dos Portuguezes por milagre manifesto”. Insinua ainda o jesuíta o milagre da conversão ou reconhecimento do chefe huguenote que entregou em pessoa e em boa paz as chaves ao comandante católico, por reconhecer que “não se podiam deixar de render e pôr-se da parte de quem Deus e sua Santa Mãe ajudam”. Em retribuição a este prodigioso sucesso, “se feste-
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jam todos os annos com Procissão Solemne, Missa cantada a canto de Órgão e pregação, muitos tiros de artilharia debaixo do Glorioso titulo de Nossa Senhora da Victoria, cuja imagem se venera exposta em o Altar-mor da mesma Egreja”. Bettendorff conclui o terceiro capítulo de sua Crônica : “O que aqui referi neste capítulo é cousa tão sabida, que não só a refere o Padre Cláudio de Abbeville, Francez de nação, e um dos Missionários capuchinhos barbados que foram em companhia do Governador o Senhor La Ravardière ao Maranhão, mas é escripto em assento público dos antigos Portuguezes testemunhas de vista; refere-se também na historia Ecclesiastica, e finalmente se prega cada anno em o dia de festa, e que também eu tive a glória de prégal-o, assistindo em a cidade do Maranhão, de sorte que é couza em que se não pode ter nenhuma dúvida...”123 No século XVII, o ato fundador foi visto com ênfase na força divina contra uma injustiça. Uma bula papal já tinha determinado a propriedade de portugueses e espanhóis e a justiça celestial honrava mais a decisão do Santo Padre que o próprio 123 João Felipe Bettendorff, Crônica dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão. 2ª. Edição, Belém: FCPTN/SEC, 1990, p. 8 a 10.
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direito dos reis. Parece ter sido este o entendimento dos católicos ibéricos na época. Em 1749 foi publicado um trabalho sobre a história do Maranhão, das tentativas de ocupação portuguesa no século XVI até o início do século XVIII. O autor, Bernardo Pereira de Berredo, em Annaes Históricos do Estado do Maranhão, expondo a expulsão dos franceses pelos portugueses, repete e emoldura o registro de Moreno. Oficialista, como a maioria dos relatos de autoridades, é um arauto dos grandes feitos. Atribui toda a epopéia ao principal agente, o colonizador português, e assim vai elaborando a história do Maranhão no arco maior da história do império português, mostrando como ele foi incorporado pela ação de figuras heróicas, a exemplo de Diogo de Campos Moreno e Jerônimo de Albuquerque, numa visão positiva, épica, civilizadora dos nativos bárbaros. Berredo tem como modelo a história antiga. Ao fazer um paralelo entre Roma e Portugal, pretendeu escrever uma história grandiosa, de um império que se completava sobre o excepcional feito do Maranhão, expulsando um intruso e garantindo a invulnerabilidade do território. O autor é pródigo em elogios a Diogo de Campos Moreno: “tudo se executou com igual fortuna devido os acertos do sargento-mor”, ”superior autoridade”, “glória das ações”, “bom soldado”, “constância de ânimo”, ”grande espírito”. Demonstra sua valorização
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à formação militar européia com usura na exaltação de Albuquerque: “atacou com valor destemido”, atribuindo a maior parte da vitória aos dois comandantes, não esquecendo muitos outros participantes com “fama dos apelidos” a golpearem os inimigos com valentia em constante e assustadora oposição, tanto pela conservação própria quanto pela honra do triunfo. A participação dos nativos, “feras racionais”, é esmaecida, e os ”franceses nunca passaram da primeira fúria”. Berredo confere providência milagrosa a todos os percalços superados na viagem e a proteção da Santíssima Virgem no momento crucial. Seria um indicativo de que a causa portuguesa estava amparada pela Justiça Divina. É a elaboração da concepção colonial portuguesa, a mitificação da batalha, vencida pelo “milagre”, e associada à “coragem” dos soldados. João Francisco Lisboa, vivendo um Brasil em formação, escreve sobre o assunto com uma preocupação nacionalista, interessando-se menos pela história de Portugal e mais pela da Província do Maranhão. Situa Guaxenduba de maneira mais realista, tendo o colono como referência, em visão inovadora, uma vez que antes do século XIX o povo ainda não havia sido encampado nas análises históricas. Lisboa tratou Jerônimo de Albuquerque como um homem da terra, a matriz desse colono que ia povoar e constituir o Estado, através da Câmara e das outras instituições civis, militares
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e eclesiásticas. O momento originário da colonização do Maranhão, o marco inicial definidor e que se configurará na segunda metade do século XVII, é composto, sobretudo, da figura simples, do homem comum, aventureiro, degredado, maltrapilho, ao lado de uns poucos dirigentes. Define Jerônimo de Albuquerque como: “soldado encanecido nas guerras irregulares do Brasil, decidido, arrojado, vaidoso e crédulo, fazia só fundamento nos seus índios, e andava sempre tão encasquetado do grande merecimento e valia de sua pessoa... supunha que com só mostrar-se aos tupinambás inimigos, todos lhe renderiam imediata obediência.”124 A visão realista de Lisboa desnuda os parentes e colaboradores integrantes da Jornada. Colonos são todos, dirigentes e subordinados. A grandiosidade descrita por Berredo e definida a partir do império português é substituída por uma perspectiva interna, que considera esse colono como homem ruim, corrupto, mesquinho, mau caráter, bandido. O fato específico da batalha de Guaxenduba é situado em uma visão mais ampla da colonização, pretendendo mostrar a balbúrdia e a morosidade alentadas pela burocracia do sistema colonial português. Assim, alude à falta de planejamento 124 João Francisco Lisboa. op. cit. p. 281
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do projeto de reconquista, às alternâncias de procedimento dos governos de Portugal e do Brasil com inércia e frouxidão, à desorganização, anarquia, improvisação, irresponsabilidade em ordenar uma expedição sem o mínimo de provisão, armas e munições, a debilidade de forças, a incompatibilidade dos chefes. E exemplifica, lembrando as promessas falaciosas da Coroa e sua responsabilidade nas primeiras tentativas malogradas de ocupação do Maranhão; considera ter sido “o pior de todos os alvitres” de Gaspar de Sousa em nomear Albuquerque chefe, e Moreno, adjunto, dualidade que poderia ter enfraquecido ou paralisado a ação do comando. Apoiado no exemplo de Guaxenduba, Lisboa mostra que a história colonial portuguesa se fez ao meio de dificuldades: vítimas dos primeiros reveses, diminuídos de três peças sua parca frota, os comandados por Albuquerque não podiam retroceder por mar e, porque extenuados e sem provisões, seria impossível voltar por terra. Ao meio também de improvisações: a colina que dominava a fortaleza foi ocupada pelos franceses, ilhando seus adversários no forte Santa Maria. Porém, os trinta soldados enfermos em descanso, num esforço supremo enfrentaram seus inimigos, enquanto as forças lusitanas, divididas em dois pelotões, atacaram de surpresa pela praia e pelo monte. A casualidade também favoreceu a vitória portuguesa: a morte do general comandante de terra, De Pizieux, de-
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sorientou e desarticulou todo o planejamento dos soldados e nativos, o que impediu La Ravardière de manter a moral da guerra. A sorte da maré baixa ajudou os portugueses: a nau capitânea, isolada no canal, confinou a unidade de socorro, impedindo de chegar ao campo de batalha um terço do contingente de prontidão, programado para ultimar o ataque. Incongruências: pessoas antagônicas com autoridade igual, como Jerônimo de Albuquerque, experiente nas guerras irregulares do Brasil, decidido, arrojado, vaidoso e crédulo, responsável pelas carências e falta de planejamento no decorrer da viagem, e em Guaxenduba, ao lado de um veterano de Flandres, prudente e preocupado em erguer fortalezas e seguir as regras mais apuradas da ciência e da disciplina militar. Paradoxalmente, dois comandantes em constantes desavenças, soma de opiniões e procedimentos antagônicos com resultado positivo, o da vitória. Todos esse exemplos são mostrados pelo jornalista e historiador para explicar o processo da colonização portuguesa no Maranhão, somatório de dificuldades, improvisações, incongruências, casualidades e, ao final, sorte. Lisboa não pleiteou fazer uma obra retumbante, épica, grandiosa. Preferiu uma pequena história do Maranhão, através de monografias, sem obedecer a uma cronologia, inclusive pelas lacunas documentais, cuidando mais de alicerçá-las em reflexões críticas. Sua visão é nitidamente contrária à
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mitificação da batalha de Guaxenduba e da colonização efetuada pelos portugueses. Em 1960, Mário Meireles, em sua História do Maranhão, volta ao estilo de Berredo, ressaltando a importância de figuras proeminentes, como reis, governadores, comandantes e demais titulados, nos confrontos e condução dos destinos da colônia, inserindo a batalha de Guaxenduba na dinâmica de uma história de disputas entre coroas. Em 1912, havia José Ribeiro do Amaral iniciado o deslocamento da idéia de fundação instituindo o livro de Abbeville como matriz. Naquele ano comemorou-se pela primeira vez a “fundação francesa” da cidade de São Luis. Mario Meireles aprofundou esse deslocamento, tratando a batalha de Guaxenduba como um acidente que destruiu o sonho da colonização francesa. A definição do conflito perde, então, sua importância, afirmando que “os franceses, não obstante a derrota inexplicável, repetimos, saíram do Maranhão porque negociaram a entrega da França Equinocial aos portugueses”.125 Após a exaltação do feito lusitano, na perspectiva de Bettendorff e Berredo, e da crítica de João Lisboa aos fundamentos precários da colonização portuguesa, Mário Meireles elabora uma visão res-
125 Mário M. Meireles, História do Maranhão. p. 58.
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plandecente dos franceses derrotados. O ponto de vista não se constrói a partir do império português ou da formação nacional, mas da identidade regional, da definição de sua singularidade. O livro principal para discutir a idéia de fundação deixa de ser o relato bárbaro da “jornada milagrosa” e passa a ser o relato da “missão civilizadora” da empresa de La Ravardière. Da mesma forma, o ato fundador não é mais a batalha de Guaxenduba e sim a cerimônia de posse que representou a missa de 8 de setembro celebrada pelos capuchinhos franceses.126 Nem os bravos soldados protegidos pela Providência Divina, de Bettendorff e Berredo; nem os expedicionários mal alimentados e mal equipados, de Lisboa. Em França Equinocial, publicado em 1962, Meireles afirma ao final a nova identificação: “Crescida e maior, porém, e embora orgulhosa sempre de sua naturalidade portuguesa, daquela estirpe materna de barões assinalados, zelosa de sua educação coimbrã que lhe concede a graça de falar melhor e mais bonito a língua de Camões além-mar, veio a saber por fim a verdade sôbre sua história. E, de então, mais envaidecida mostrou-se entre suas irmãs porque ela só era diferente; era fi-
126 Ver Patrícia Seed. Cerimônias de Posse na Conquista Européia do Novo Mundo (1492-1640). São Paulo: Ed. Unesp, 1999.
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lha de um fidalgo francês que sabe hoje, ao contrário do que lhe ensinaram, que não repudiara aquele amor de que ela nascera, não olvidara a terra virgem em que fôra concebida, antes, saudoso e enamorado, tentara voltar a ela mesmo a serviço dos que o tinham prisioneiro por tê-la conquistado”.127 O autor alude às informações de que La Ravardière nunca desistiu de voltar ao Maranhão e depois da prisão na torre de Belém ainda tentou o apoio de outras coroas e interesses “na esperança de organizar uma expedição de vingança contra sua antiga França Equinocial”. Bettendorff, Berredo, João Francisco Lisboa e Mário Martins Meireles representam a visão de uma seqüência de predestinação, exaltação, crítica e rejeição da batalha de Guaxenduba como expressão da fundação na historiografia maranhense. Junto a essa variação, também a apreciação da figura de Jerônimo de Albuquerque Maranhão sofreu transformações similares. Se no relato de Campos Moreno ele foi retratado muitas vezes como um inconseqüente que desconhecia as modernas técnicas da guerra, Berredo tratou de colocá-lo numa moldura heróica, de comandante destemido, justo e
127 Mário Martins Meireles. França Equinocial. S.Luís: Tipografia São José, 1962, p. 136.
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bom administrador. João Lisboa incorporou muito da visão de Moreno e traçou um perfil pouco lisonjeiro, ressaltando a vaidade e as artimanhas. Essa visão acirrou-se no século XX, quando a recuperação da figura de Daniel de La Touche fez-se paralela a uma rejeição ou esmaecimento de Jerônimo de Albuquerque Maranhão na historiografia regional.
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Jerônimo de Albuquerque Maranhão e a Fundação de São Luís
A historiografia maranhense dispõe de alguns trabalhos relacionados aos primeiros momentos da colonização, inclusive aos atributos e feitos do primeiro Capitão-mor da Capitania do Maranhão, futuro estado autônomo, compreendendo o que hoje corresponde grosso modo a uma área do Ceará ao Amazonas. Livros, cartas, relatórios, contratos deixados pelos franceses, além de crônicas e trabalhos escritos por portugueses e brasileiros permitem o acompanhamento das diversas interpretações daqueles primeiros fatos e da personalidade do capitão-mor. A Jornada do Maranhão contém uma descrição minuciosa da fase final da presença francesa na Ilha, com detalhes indicadores de como o projeto da “nova França” foi bem elaborado e as realizações de La Ravardière. Descreve também o ambiente da
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nau Capitânea, o gabinete do Comandante, com globo e outros instrumentos de pesquisa, os entendimentos com franceses e visitas de portugueses a Upaon-Açu. Jamais Diogo de Campos Moreno se referiu a uma cidade ou mesmo vila na Ilha. Alude ao “forte”, ao “hábito da ordem” ao “porto”, não tendo porque ocultar a existência do embrião de uma cidade. Bettendorff, jesuíta em missão no Estado do Maranhão, de 1661 até quando faleceu em 1698, escreveu a Crônica dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão. Inicia o quarto capítulo reportando-se a Cláudio d’Abbeville na Ilha do Maranhão em companhia de La Ravardière, decidido a povoar a região. Muito lacônico a respeito da Ilha, escreve: “para pois dar alguma breve notícia della, digo com o dito autor, e pelo que me consta por ter morado nella muitos annos, que é a em que depois de expulsados os Francezes se edificou a Cidade de S. Luiz, cabeça de todo o estado do Maranhão”.128 Berredo, Governador do Estado do Maranhão e Grão-Pará entre os anos de 1718 a 1722, autor dos Annaes Históricos, publicado em 1756, em Florença, reportando-se a Jerônimo de Albuquerque ressalta sua posição de Fidalgo da Casa Real, homem honrado, virtuoso e equilibrado, injustiçado pela deci128 João Felipe Bettendorff, Crônica dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão, 2ª Edição, Belém: FCP Tancredo Neves/SEC., 1990, p.10.
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são “errada” do governador Gaspar de Sousa em descredenciá-lo, o que não impediu o velho capitão de “mostrar-se superior às naturaes paixões do animo...” e cumprir as ordens do novo chefe de fundar uma cidade “naquelle mesmo sítio” junto ao forte dos franceses e “dentro de pouco tempo adiantou tanto a Povoação...” e “lhe declarou invocação de S. Luiz; ou fosse porque estando tão conhecida já aquella Ilha pela natural participação da sua Fortaleza, se não atreveo a confundir-lhe o nome com a mudança delle; ou porque quiz na conservação desta mesma memória segurar melhor a sua nas recommendações da posteridade”129 Gaioso, radicado no Maranhão de 1787 até sua morte em 1813, elaborou o Compêndio HistóricoPolítico dos Princípios da Lavoura do Maranhão, publicado por sua viúva em 1818. Em relação ao início da capital maranhense, escreveu: “Livre o Maranhão n’aquelle dia de toda a sugeição franceza, aplicou Jerônimo de Albuquerque todo o seu cuidado na fundação de huma cidade n’aquelle mesmo sítio; dentro de pouco tempo adiantou consideravelmente a povoação”, e continua, reproduzindo as palavras de Berredo: “lhe declarou a invocação de S. Luiz, ou porque estando já tão conhecida aquella ilha pela participação de sua fortaleza, ou porque não quis confundir o nome com a mudança delle, 129 Berredo, Annaes Históricos. Florença, Typographia Barbera 1905, p.163.
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ou finalmente, porque se lisongeava na conservação a mesma memória, segurar melhor as suas recomendaçoens na posteridade”.130 O sitio referido por Gaioso foi descrito por Yves D’Evreux como um aterramento planejado pelos franceses e executado pelos nativos em frente do Fort Saint Louis, para treinamento da soldadesca gaulesa.131 Em 1826 foi publicado Poranduba Maranhense, de Frei Francisco de Nossa Senhora dos Prazeres, escrito em 1819. Mencionando os primeiros anos de administração portuguesa no Maranhão, o frade registrou: “Jerônimo de Albuquerque fundou logo junto à fortaleza de São-Luiz uma cidade (debaixo da proteção de Maria Santíssima com o título de Victoria que já lhe tinha decretado em Guaxenduba) com a invocação de São-Luiz; e a fortaleza d’este nome teve aqui por diante o de São-Filipe...” 132
130 Raimundo José de Sousa Gaioso, Compêndio Histórico-Político dos Princípios da Lavoura do Maranhão (1813). Rio de Janeiro, Editora Livros do Mundo Inteiro, 1980, p.73. 131 O capuchinho francês descreve o trabalho dos selvagens com suas mulheres e filhos, nativos da Ilha e de Tapuitapera a conduzirem a terra tirada dos fossos para o terraço das cortinas, esporões e plataforma da praça designada à defesa dos franceses.Yves D’Evreux , op. cit., p. 73. 132 Frei Francisco de Nossa Senhora dos Prazeres. Poranduba Maranhense. Rio de Janeiro, IHGB, Typographia, Litographia e Encadernação a vapor de Laemnert & Cia, 1891, p. 44.
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O Comendador Antonio Joaquim de Melo, em seu trabalho Biografias de alguns Poetas e homens ilustres da Província de Pernambuco, publicado em 1856, afirmou: “São Luis tem a lisonjeira circunstância de ser obra, e troféu glorioso de um brasileiro imortal, filho de Olinda, timbre em que se não decoram as demais capitanias e Províncias do Brasil”.133 Em 1870, César Marques, no Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão, reportouse à fundação da cidade de São Luis, registrando: “Jerônimo de Albuquerque, inteiramente senhor de suas ações e livre dos cuidados inerentes à guerra, aplicou-se à fundação da cidade, hoje de São Luis, como lhe fora recomendado pela Corte de Madrid”.134 Henriques Leal, em 1874, atribuiu a Jerônimo de Albuquerque a edificação e arruamento da cidade e, inclusive deu princípio ao palácio, “que ainda hoje serve de morada aos governadores, com mais algumas obras”.135 Ferdinand Denis trabalhou na divulgação dos escritos dos capuchinhos franceses, publicando em 1864 o trabalho até então inédito de Yves D’Evreux, Viagem ao Norte do Brasil Feita nos anos de 1613 a 1614. 133 Preâmbulo da História da Casa de Cunhaú. de João D’Albuquerque Maranhão. 134 Marques, op. cit, p.445. O autor traduziu os livros de Claude D’Abbeville e Yves D’Evreux. 135 Henriques Leal. Apontamentos para a História do Maranhão. Lisboa, Typographia Castro & Irmão, 1874, p.56.
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Naquela edição, acrescentou “Introdução e Notas” e ao final, “Notas Críticas e Históricas sobre a Viagem do Padre Yves D’Evreux”.136 Sobre a fundação da cidade, Denis registra: “Depois de expulso dos franceses, foi Jerônimo d’Albuquerque nomeado capitão-mor do Maranhão sendo Francisco Caldeira Castelo Branco designado para continuar os descobrimentos e conquistas nas regiões do Pará”. “Dos esforços combinados desses dois oficiais, resultou a fundação da risonha cidade de São Luís e da de Belém”. “Estas duas cidades edificaram-se pacificamente, sem oposição dos índios, que até ajudaram os consideráveis trabalhos exigidos para a construção delas...”137 Nas “Notas Críticas e Históricas” contradiz a observação anterior ao afirmar que “segundo a Notícia que nos dirige (...) entregou La Ravardière ao comandante português a cidade nascente e a fortaleza de São Luís...”138. Entretanto, em nenhum trecho do seu relato Yves D’Evreux referiu-se a “cidade nascente”.
136 O livro foi traduzido para o português por César Marques e publicado em 1874. 137 Yves D’Evreux, Viagem ao Norte do Brasil Feita nos Anos de 1613 a 1614, 3ª Edição, Trad. César Augusto Marques, São Paulo: Editora Siciliano, 2002, p. 42. 138 Denis, Notas Críticas e Históricas. In: Evreux, op.cit. p. 385.
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Barbosa de Godois publicou em 1904 um dos primeiros compêndios de História do Maranhão, para ser utilizado pelos alunos secundaristas da Escola Normal. Mantém a interpretação ao afirmar: “De posse do governo do Maranhão, Jerônimo de Albuquerque, cumprindo as ordens que recebeu da Corte de Madrid, tratou com solicitude da fundação da cidade, dando o nome de São Luiz”.139 Este foi o entendimento corrente até a primeira década do século XX. Em 1912, José Ribeiro do Amaral, de grande projeção social, professor do Liceu, membro fundador da recém criada Academia Maranhense de Letras e autor de alguns trabalhos, sem se reportar à interpretação existente, deu uma nova versão sobre a fundação de São Luís, no trabalho intitulado Fundação do Maranhão. Vinculou a cidade aos franceses e a La Ravardière, apoiado na descrição da missa celebrada pelos capuchinhos franceses a 8 de Setembro de 1612, considerando-a o “verdadeiro auto da fundação da cidade”.140 O livro,
139 J. Baptista Barbosa de Godois. História do Maranhão para uso dos alumnos da Escola Normal. Tomo I. São Luiz: Typografia de Ramos d’Almeida & Cia, 1904, p. 114. 140 José Ribeiro do Amaral. Fundação do Maranhão. São Luiz: Typogravura Teixeira, 1912, p.27. Observe-se que não foi a 8 de Setembro a primeira missa. Ao chegarem em Upaon Mirim a 29 de julho, os franceses prepararam uma cruz e em procissão solene com estandartes e insígnias de Jesus e cânticos religiosos foi batizada a ilha como de Sant’Ana. (Abbeville, p.53) A 12 de agosto, os quatro capuchinhos concelebraram a 1ª. Missa em Upaon Açu com pompa e circunstância, “a tomar posse desse novo reino”. (Abbeville, p.56 e 57)
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dedicado “Ao Espirito Superior da Missão Franceza de 1612”, fazia parte de um programa de comemorações, com apoio em círculos intelectuais, que transformou os trezentos anos da chegada da missão de La Ravardière em efeméride da “fundação de São Luís”. Ribeiro do Amaral integrou o grupo dos Novos Atenienses, liderado por Antonio Lobo e voltado para o revivescimento das tradições culturais do “período áureo” da literatura e do jornalismo. O momento dos Novos Atenienses é caracterizado pelo aprofundamento das formulações decadentistas, uma idealização do passado que possui marcas profundas na cultura maranhense. A idéia da “fundação francesa” seria difundida entre os acadêmicos, adquirindo um estatuto de verdade histórica inquestionável apenas no início da década de 1960, com os trabalhos de Mário Martins Meireles, História do Maranhão e França Equinocial.141 Em vários trechos de sua História do Maranhão, Mário Meireles demonstra inequívoca simpatia aos franceses. No item A Expulsão dos Franceses, pondera que levantado o bloqueio pelos gauleses, logo foram despachados emissários para Pernambuco “com a notícia da vitória e o desleal pedido de
141 Sobre o assunto ver Lacroix, Maria de Lourdes Lauande. A Fundação Francesa de São Luís e Seus Mitos. 2ª. Ed. revista e ampliada. São Luís: Lithograf, 2002.
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reforço para o complemento dela”.142 Não atentou para igual interesse gaulês de enviar para a França a nau Regente com semelhante pedido. Atribuiu a Jerônimo de Albuquerque a intimação a La Ravardière de evacuar a Ilha, “voltando atrás em sua palavra e pretextando ordens superiores”.143 Diogo de Campos Moreno, embora predisposto contra o capitão-mor, em seu detalhado relato, foi muito claro em mostrar a marginalização do comandante nas últimas decisões, em previsão de sua possível oposição à quebra do pacto por ele assinado, armistício muito criticado pelo Vice-Rei, D. Aleixo de Menezes. O governador Gaspar de Sousa exime o Capitão-mor do Estado da responsabilidade da trégua estabelecida entre franceses e portugueses quando explicitou sua opinião: “Mal haja Diogo de Campos que com sua lábia enganosa persuadiu o pobre Fidalgo a vir em tais tréguas, tudo por ter ocasião dele fugir ao perigo, que foi o que sempre ambos praticamos, conhecendo-lhe aquela natureza”. No mesmo documento, requer as honras e mercês que merece o velho comandante “apesar da malignidade e enganos do Mosiur (sic) de Campos, que fora cá bem escusado, pois a guerra se faz mais com as mãos que ele não tem, que com a língua que
142 Mario Martins Meireles, História do Maranhão. p.56. 143 Ibidem.
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lhe sobeja.144 Varnhagen comentando o episódio sobre a transferência de comando para Alexandre de Moura, assinalou: “e porque era superior em categoria, devia empossar-se também no mando supremo de todas as forças, poupando, ao mesmo tempo, ao verdadeiro conquistador Jerônimo de Albuquerque o pesar de ser ele próprio obrigado a quebrar as tréguas que estipulara, conforme se resolvera”.145 Concordando com a opinião destes historiadores, no mesmo texto, Meireles isenta o capitão do não cumprimento de sua palavra, registrando a conversação do chefe francês com Castelo Branco, plenipotenciário português, que se mostrou irredutível quanto à saída dos vencidos. Sucedeu-se a ação de Alexandre de Moura, coadjuvado pelo sargento-mor e outros tantos homens de projeção, enquanto o velho chefe da Jornada, no forte de Itapary,“sofria dificultoso constrangimento por parte de Castelo Branco aclamado seu adjunto em substituição a Diogo de Campos”.146 Em um Requerimento, Albuquerque mostra seu desencanto, escrevendo: “Francisco Caldeira fez a seu gosto, lançando-me fora do que há tanto tempo tra144 Carta de 15 de junho de 1615 do governador Gaspar de Sousa para Filipe III da Espanha (II de Portugal) transcrita por Hélio Vianna, História do Brasil, Tomo I, 10ª Edição, São Paulo: Edição Melhoramentos, 1972, p.199 145 Francisco Adolfo de Varnhagen. op. cit., p. 147. 146 Meireles, op. cit., p.57.
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balho e sustento com risco de minha vida e sangue de meus filhos, e com tanta perda de minha fazenda, mostrando-se o dito Francisco Caldeira, em seus papéis, dono e repartidor da artilharia, e do tempo e mudança dos franceses, e seus pagamentos, prometendo e assinando pactos com tanta soltura, como se nas matérias fora cabeça, não tendo poder para nada e mandando dizer ao francês, que não fiasse de mim, que lhe não havia de guardar palavra”.147 A ordem de atacar o forte de São Luis, forçar a barra e bloquear o porto de Santa Maria foi de Alexandre de Moura, alojado no Forte do Sardinha, local da conferência com La Ravardière, onde “o chefe francês apenas procurava contemporizar na esperança de receber qualquer ajuda e obter melhores condições”, inclusive através da anunciada expedição de dezoito navios esperados da França para socorrê-lo.148 Ainda sobre a conquista do Maranhão, Mário Meireles, contradizendo sua opinião anterior, não responsabiliza Jerônimo de Albuquerque pela quebra do acordo anterior, e o elogia quando afirma:
147 Requerimento de Jerônimo de Albuquerque transcrito por Maurice Pianzola, Os Papagaios Amarelos. Os franceses na conquista do Brasil, São Luis: SCEM, Alhambra, 1992, p.253. 148 Mário M. Meireles, op. cit., p. 57.
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“Expulsos os franceses e firmados os alicerces do domínio e administração portuguêses com a instalação da ’Conquista’ do Maranhão, Alexandre de Moura restabeleceu e confirmou no governo da colônia, como seu primeiro capitão-mor, a Jerônimo de Albuquerque Maranhão, como se passara a assinar o herói de Guaxenduba, orgulhoso de sua vitória. Via, assim, o velho cabo de guerra, reconhecidos os seus méritos e esforços, e, especialmente, o raro despreendimento e superioridade de espírito que revelara ao, destituído de surpresa do comando daquela conquista, submeterse, sem revolta ou despeito, às ordens do novo comandante-em-chefe designado pelo Governador-Geral do Brasil tudo, ao que parece, fruto de intrigas tecidas por Francisco Caldeira Castelo Branco e Diogo de Campos Moreno”.149 Entre os feitos do primeiro capitão-mor, o autor relacionou: a nomeação de pessoas para os cargos civis e militares, distribuição de contingentes para exploração de diversas regiões, remodelação e comando dos fortes, arruamento da cidade, conforme planta traçada ao modelo ibérico, uma olaria 149 Idem p. 58.
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e o início do prédio, futuro palácio dos governadores, assistência militar à capitania do Grão-Pará e entendimento com os nativos da região. Meireles, porém, considera Daniel de La Touche como fundador de São Luís, afirmando que “isto é o estabelecido e pacificamente aceito por todos os nossos historiógrafos”.150 A questão é mais complexa e o próprio autor ao afirmar que a cidade “nascida de amor proibido ... foi criada pela mãe-pátria na tradição de sua cultura, na observância de seus costumes e no culto de seus antepassados, e, na primeira infância, no ódio ou na indiferença à origem paterna”151, não deixa dúvidas sobre a mudança da interpretação, que teria sido produzida pelo desconhecimento das origens, “porque a História lhe ensinou depois a verdade, São Luís, no mais recôndito de seu coração”. As razões, entretanto, devem ser procuradas na construção de um ideário voltado para a definição dos atributos diferenciadores da identidade regional, onde pontificariam as construções dos mitos da Atenas Brasileira e da Fundação Francesa. A exemplo do ocorrido no Rio de Janeiro, quando a “segunda investida dos franceses e tupinambás na Guanabara levou o governo português a rever sua decisão de protelar a ocupação da região” 150 Ibidem. 151 Meireles, França Equinocial. p. 136.
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e “foi então que optou pela construção de uma cidade”152, também São Luís teve o traçado inicial planejado por determinação da Coroa. Alheio à criação regional do mito de fundação, um pequeno estudo clássico sobre a formação de cidades no Brasil colonial referia-se, ainda na década de 1960, a “São Luís do Maranhão, fundada em 1616 sobre o reduto francês de La Ravardière, e cujo plano, de autoria do engenheiro-mor do Reino, Francisco Frias de Mesquita, era perfeitamente ortogonal e compreendia não somente o levantamento do que existia, como o projeto de extensão e desenvolvimento da cidade”.153 Tal percepção histórica foi seqüestrada na literatura regional e Jerônimo de Albuquerque Maranhão, o valente mestiço das lutas pela expansão territorial no Brasil colonial, por todo o século XX e com raras exceções, não mais seria considerado fundador da cidade de São Luís.
152 Nireu Cavalcanti. O Rio de Janeiro Setecentista: a vida e a construção da cidade da invasão francesa até a chegada da corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004, p. 22. 153 Paulo Ferreira Santos. Formação de Cidades no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2001.
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